quinta-feira, 9 de maio de 2013

O poder na Igreja


O ambiguidade do exercício do poder na Igreja

‘O poder na Igreja’ foi o tema do encontro mensal dos Promotores de Justiça, Paz e Integridade da Criação (grupo espanhol/português), realizado na última quarta-feira, junto à sede da Caritas Internacionalis, em Roma. A reflexão foi guiada pelo Doutor Rocco d’Ambrosio, professor da Universidade Gregoriana. Partilho aqui algumas anotações a partir da rica exposição e das preciosas provocações que ele nos ofereceu.

Professor Rocco d'Ambrosio
Segundo o professor Rocco, o exercício do poder na Igreja apresenta mais ou menos os mesmos problemas que o poder exercido na sociedade em geral. Um fator agravante é que na Igreja o poder está perigosamente ligado à idéia de Deus, e a reflexão sobre o modo como é exercido é evitada e desaconselhada. Não se fala claramente de poder, mas é forte o desejo e a luta para possuí-lo. Os contínuos e vazios apelos ao serviço são continuamente traídos pelas práticas.

Em relação à identificação entre Deus e poder, ou à concepção segundo a qual Deus é a fonte do poder, Dietrich Bonhoeffer já ensinava: Deus não é poder onipotente, mas a vulnerabilidade do amor. Não teria chegado (ou passado) a hora de riscar das orações e outras peças litúrgicas a contínua e terrível relação Deus-poder onipotente? Partindo de Jesus Cristo, esta relação é explosiva, só pode levar a um curto-circuito. Se levarmos a sério Jesus Cristo, é impossível imaginar e afirmar que Deus seja onipotente.

Poder é verbo, e não substantivo! Poder é a possibilidade de fazer algo, é relação, e não posse. Shakespeare pressentia que temos um poder cuja natureza e força desconhecemos. E Romano Guardini dizia que poder é a capacidade de colocar a realidade em movimento, ou seja: cuidar da criação, promover a vida. Neste sentido, o poder é sempre para o bem; se não o é, é perversão.
O poder começa a se perverter quando se distancia ou desvia da sua finalidade. E uma das maiores e mais danosas perversões do poder no interior da Igreja é a ambiguidade, as sutilezas da linguagem. Quem nunca ouviu a advertência de que tal ou qual iniciativa ou denúncia ‘não seria oportuna’. O que significa isso? E quem disse que os seguidores de Jesus Cristo devem se guiar pelo que é oportuno, e não pelo que é evangélico? Jesus teria seguido o critério do poportuno ou não-oportuno?

Hannah Arendt dizia que o poder se regenera quando recupera a relação entre palavra e ação, entre discurso e prática, entre linguagem e projeto. Mas o que vemos é que a frequente ambiguidade da linguagem eclesiástica, seu perigoso e desejado afastamento da realidade e da ação, sua congênita obliquidade, acaba levando à inércia, à confusão e à desordem, que termina fomentando a corrupção.

E não podemos esquecer que a posse e o exercício do poder tem força narcotizante. Do ponto de vista cristão, o poder existe como ação do Reino de Deus, para produzir o bem, a justiça, a paz. No cristianismo não pode haver lugar para a vazia e cínica ‘mística dos títulos’, que prefere omitir o nome da pessoa e tratá-la como Excelência, Eminência, Reverendo, Santidade, como se o título fosse mais importante que a pessoa e se a honra dispensasse a ação que lhe corresponde e sustenta.

A terapia preventiva dos efeitos narcotizantes do poder é o monirotamento e a reflexão crítica sobre seu exercício prático. E também uma formação humana e teológica que não evita o espinhoso desafio de tomar consciência e dar nome ao que move as pessoas da Igreja na busca – às vezes, doentia! – do poder, assim como aos medos que fazem com que jamais se afastem dele.

Itacir Brassiani msf

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