quarta-feira, 8 de maio de 2013

Palavra & Polêmica: fidelidade ou liberdade?


Humanamente comovente e pastoralmente provocador: essa é minha impressão a respeito do episódio narrado pelos Atos dos Apóstolos no trecho proposto na liturgia do domingo passado (At 15,1-2.22-29). A situação era tensa e complexa. Haviam chegado a Antioquia alguns cristãos provindos de Jerusalém, decididos a impor aos cristãos de origem pagã os fardos da lei judaica. Isso acabou provocou muita confusão e houve uma grande discussão. O cristianismo pregado por Paulo lutava para se libertar dos estreitos trilhos da tradição judaica e queria se inculturar noutros ambientes. Para resolver a divergência, a comunidade decidiu enviar Paulo, Barnabé e alguns outros a Jerusalém para tratar da questão com os apóstolos. Recebidos pelos apóstolos e presbíteros, contaram as bênçãos que Deus espalhava através deles entre aos povos de origem pagã. E ouviram protestos de alguns ex-fariseus que haviam se tornado cristãos. Lucas não conta, mas Paulo nos informa que o debate vinha de muito tempo e havia sido duro. Para ele, os cristãos judeus tinham inveja da liberdade da comunidade de origem pagã e desejavam dominá-la. Paulo conta que chegou a repreender publicamente Pedro quando visitava Antioquia, porque evitava o contato com os fiéis que vinham do paganismo. “Quando vi que não estavam procedendo direito, de acordo com a verdade do evangelho, disse a Cefas, diante de todos: ‘Se tu, que és judeu, vives como gentio e não como judeu, como podes obrigar os gentios a viverem como os judeus?’ (Gl 2,14). Assim podemos presumir que em Jerusalém discussão foi tensa e longa (15,6). Mas, no final, Pedro levantou-se e falou em nome de todos. Recordou que ele mesmo “desde os primeiros dias” anunciara o Evangelho aos pagãos (cf. At 10,1-48) e que o Espírito Santo não os havia excluído da sua ação. E questionou: “Então, por que agora colocais Deus à prova, querendo impor aos discípulos um jugo que nem nossos pais, nem nós mesmos pudemos suportar?” (15,10). Fez-se um grande silêncio na assembléia, o que deu a Paulo e Barnabé a possibilidade de tomar a palavra e falar do caminho missionário que estavam fazendo entre os pagãos. No final, Tiago, um dos mais ferrenhos defensores da tradição judaica, tomou a palavra e, depois de citar as escrituras, declarou: “Sou do parecer que não devemos inquietar os gentios que se converteram a Deus...” E apenas sugeriu que eles evitassem algumas coisas proibidas pela lei de Moisés. A decisão da assembléia foi de escolher os membros mais respeitados da comunidade (Judas e Silas) e enviá-los a Antioquia, com uma mensagem absolutamente fraterna e libertária: “Nós, os apóstolos e os anciãos, vossos irmãos, saudamos os irmãos vindos do paganismo e que estão em Antioquia, na Síria e na Silícia. Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito, mas eles não foram enviados por nós. Então decidimos, de comum acordo, escolher alguns representantes e mandá-los até vós, junto com nossos queridos irmãos Barnabé e Paulo, homens que arriscaram a vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, estamos enviando Judas e Silas, que pessoalmente vos transmitirão a mesma mensagem. Pois decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis: abster-se das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes de animais sufocados e das uniões elícitas. Fareis bem se evitardes estas coisas. Saudações!” (15,23-29). Que lições a Igreja nascente nos dá? Entre tantas, enumero algumas: a) Na missão, a abertura à inculturação é tão necessária quanto a encarnação; b) As tensões e divergências são naturais no interior da comunidade eclesial, e precisam ser resolvidas no diálogo e no respeito; c) Assembléias gerais e representativas –não as comissões de investigação – são o espaço que cria e recria a comunhão na diversidade; d) Na Igreja niguém, nem mesmo Pedro ou quem se apresente como seu sucessor, tem a plenitude da verdade e da coerência; e) Está mais do que na hora de pensar uma Igreja doutrinalmente plural e politicamente policêntrica... Ah, como faz falta escutar e acolher a sabedoria das primeiras testemunahs!... Como seria diferente uma Igreja radicalmente sinodal e missionária!... (Itacir Brassiani msf)

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