quarta-feira, 17 de junho de 2020

ANO A | TEMPO COMUM | DÉCIMO-SEGUNDO DOMINGO | 21.06.2020


“Tenham medo somente do medo de quem mente pra sobreviver!”
Testemunhar Jesus Cristo com coragem profética é muito mais do que simplesmente tornar seu nome conhecido no mundo. A missão dos cristãos, inerente à fé em Jesus Cristo e consequência do encontro com ele e seu Evangelho, consiste em dar continuidade à sua dupla paixão: paixão pelo reino do Pai e paixão pelo povo que ele ama. E isso significa, entre outras coisas suscitar, prosseguir e alimentar as práticas e os movimentos que resgatam a vida das pessoas e grupos oprimidos e questionam as práticas de dominação e de exclusão. A profecia é também e sempre uma ação comunitária e transformadora.
É natural que todos sintamos um certo medo diante das ameaças e tristeza frente às mentiras e calúnias, ou ameaças que recebemos por causa de um engajamento que brota da intimidade com Deus e do amor pelo seu povo. Os próprios discípulos e discípulas da primeira hora provaram o medo, e não é por acaso que, no evangelho deste domingo, Jesus pede três vezes que não tenham medo. Quem não se vê representado no desabafo de Jeremias, que chega a amaldiçoar o dia em que nasceu?
O problema surge quando o medo – que geralmente vem de mãos dadas com o desejo de uma vida longa e tranquila, e com a aparente tranquilidade de quem não quer deixar sua cômoda zona de conforto – coloca viseiras nos olhos, mordaças na boca e correntes nas mãos, ou quando se cala a voz profecia e esteriliza a força da fé. E isso começa com o simples medo de pensar e de viver de modo diferente das pessoas do nosso círculo de amigos e de família, e termina no medo de desagradar as autoridades políticas ou eclesiásticas. E chega às alianças e conchavos que, em nome de ajuda financeira e publicitária, defendem o indefensável.
A fé é o oposto do medo, e não apenas o contrário da descrença! Quem age movido pelo medo faz de tudo para encontrar uma segurança que, para nós cristãos, é dada gratuitamente por Deus, e só por ele, àqueles que se entregam de corpo e alma ao seu Evangelho. É esta segurança que faz com que os profetas e profetizas sejam firmes como pessoas que enxergam o invisível. Eles/as sabem em quem acreditam, em quem depositam a confiança. Sabem que é perdendo a vida que podem conservá-la viva para sempre. Aquele que as chamou é fiel! O Pe. Zezinho canta: “Tenham medo somente do medo de quem mente pra sobreviver!”
Jesus nos ensina a desenvolver esta confiança radical chamando a atenção para os pardais e para os cabelos. Se Deus cuida até dos pardais, para que não caiam no alçapão, e dos cabelos, para que não caiam no chão, quanto mais daqueles que ama, chama e envia! “Vocês valem mais do que muitos pardais! Até os vossos cabelos estão contados!” Deus toma conta da vida dos seus filhos e filhas chamados à profecia porque é pai terno e bondoso, sempre e já no presente de suas criaturas. Então, porque calar a voz da profecia, a voz que nos queima desde dentro?
Mais que consolação intimista, a experiência do coração materno de um Deus, que se supera nas delicadezas pelos frutos do seu ventre, é luz que afugenta o medo e força que sustenta a profecia. Podemos dizer, com São Paulo, que muito mais forte que as privações e a morte, e muito mais abundante que nossos pecados, é a graça que Deus derramou em nós. A graça de Jesus Cristo não tem qualquer comparação com nossos limites e pecados, ou com as dificuldades da missão! E ainda temos a promessa de que o próprio Jesus será testemunha de defesa daqueles que dele dão testemunho neste mundo!
Afinal, como nos ensina Paulo, a fé que nos alimenta e sustenta a profecia brota de uma experiência de ser reconciliado e regenerado por Deus em Jesus Cristo. Vivemos em paz com Deus, e nossa condição é marcada pelo sinal da Vida. O mal e a morte, com suas estruturas e seus servidores, não nos amedrontam nem dominam.  Cristo venceu as forças destruidoras e desagregadoras e nos resgatou para a liberdade. Confiados naquele que “cuida de cada cabelo que vamos perdendo sem mesmo notar”, os profetas e profetizas não se deixam amordaçar pelo medo e proclamam com a própria vida que é para a liberdade que Cristo nos libertou.
Jesus de Nazaré, destemido profeta da Galileia: envia testemunhas autênticas da liberdade e da solidariedade. Suscita profetas e profetizas que se alimentem da tua Palavra; que anunciem com palavras e ações a verdade sobre a dignidade de todas e de cada criatura; que denunciem as estruturas que excluem, mesmo aquelas que se apresentam em meio a luzes coloridas e fumaça de incenso; que renunciem às ações contaminadas pelo espetáculo, pela indiferença, pela violência e pelo medo; que prenunciem, em seu modo de viver, um mundo em cuja mesa haja lugar para todas as criaturas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
Profecia de jeremias 20,10-13 | Salmo 68 (69)
Carta de Paulo aos Romanos 5,12-15 | Evangelho de São Mateus 10,26-33

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