quarta-feira, 31 de março de 2021

ANO B | SENANA SANTA | SOLENIDADE DA PAIXÃO E MORTE DO SENHOR | 03.04.2021

Na Cruz, destruiu os muros que separam e se fez nossa Paz!

O comércio não sabe o que fazer com esta sexta-feira, e um clima estranho envolve pessoas e cidades. Até mesmo as pessoas religiosamente mais indiferentes intuem que algo inexplicável aconteceu e acontece nesse dia. Uma multidão se reúne nos templos. É gente experimentada na dor, gente que percebe que neste dia se revela o que há de mais profundo no ser humano, o que há de mais violento e perigoso no seio da sociedade e que há de mais belo no coração de Deus. O mistério do mal atinge sua força mais terrível. A humanização de Deus atinge seu ponto mais luminoso. A entrega do ser humano a Deus se expressa em seu grau máximo.

Como todos os escravos e servos, excluídos e marginalizados, Jesus não tem aparência e beleza que possa atrair os olhares. Ele é como uma raiz em terra seca, como um indivíduo do qual escondemos o rosto. “Não parecia gente, tinha perdido a aparência humana.” Mas sua vida é semente, tem futuro! O Servo fiel não perde a vida, pois a doa livremente e, por isso, prolonga sua existência. Ele carrega nas costas a exclusão e o desprezo de muitos, e, por isso, a luz brilha em seu rosto e em todo seu corpo de servo. Ele confia seu destino nas mãos daquele que é o segredo da vida e assim vive naqueles que servem.

Nós conhecemos muito bem as tramas e traições que levaram à prisão e condenação de Jesus. São opções e atitudes que revelam o mistério da iniquidade e sua força nas pessoas e nas estruturas sociais. É um mal nada abstrato, que se expressa nos costumes, nas leis, nos medos, em todas as formas de ambição. Um mal que assume feições de cinismo, como quando as autoridades religiosas, tendo decidido matar Jesus, não entram no palácio do governador para não se tornarem impuras...  É este inexplicável mistério da iniquidade e violência que se multiplica e ameaça que faz com que seja noite às três horas da tarde...

Jesus não parece disposto a defender-se. Tem consciência de que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para tornar palpável e digno de crédito o amor fiel de Deus pelas pessoas negadas em sua dignidade. Pilatos manda torturá-lo e, depois, o apresenta ao povo: “Eis o homem!” Fixemos o olhar neste personagem que realiza em grau pleno a vocação de todo ser humano. Nele descobrimos que a pessoa humana atinge sua plenitude quando não recua no propósito de dar a vida e de servir, quando não abre mão da solidariedade com as pessoas negadas em sua dignidade.

O ser humano maduro e liberto não é o ‘amigo de César’, a pessoa age sem autonomia, nem a autoridade religiosa, que ordena por medo, mas Aquele que transcende os interesses individuais e se põe a serviço de Deus e do seu projeto. Por isso, do alto da cruz, Jesus diz que, no seu corpo feito dom, a criação chega ao seu ápice: “Tudo está consumado.” Nele Deus chega ao máximo de si mesmo e se supera no esvaziamento. Nele o ser humano vence todos os limites e se faz dom e semente fecunda nas mãos de Deus. Nada há de mais amável e desejável que isso! Bendito seja Deus!

“O que é que vocês estão procurando?”, perguntou Jesus aos primeiros discípulos (Jo 1,38). E hoje, nesta sexta-feira da paixão, o que buscamos nós? Aqui só é licito buscar forças para caminhar na fé e perseverar no seguimento de Jesus, o amigo e servidor da humanidade. Do alto da cruz ele se dirige a Maria e lhe confia João: “Mulher, eis aí teu filho!” E, dirigindo-se ao discípulo, diz: “Eis aí tua mãe!” Assim, aos pés da cruz nasce uma nova família, não mais restrita aos laços de sangue ou de interesses mesquinhos, mas servidora de todos os humanos seres que querem viver e promover a vida.

É por isso que nesta santa sexta-feira nossa oração se abre numa universalidade que não deveria estar ausente de nenhuma celebração: rezamos pela Igreja, pelo papa e todos os ministros, mas também pela união das diferentes Igrejas cristãs, pelos judeus e pelos não cristãos, pelos que não acreditam em nada e ninguém, pelas autoridades e pela humanidade sofredora. Diante do crucificado, filho da humanidade e filho de Deus, aprendemos que os muros e fronteiras religiosas, políticas, econômicas e culturais não fazem o menor sentido e virarão ruínas. Pertencemos à humanidade, temos um destino comum.

Diante de ti, Jesus, Irmão da humanidade sofredora e servidora, prostramo-nos agradecidos/as e comprometidos/as. Nossas chagas e culpas pesam sobre teus ombros, mas o dom do teu amor sem fronteiras nos regenera. Tua Mãe e teu Amigo nos acolhem numa comunidade-semente de um mundo novo, e a água que brota do teu lado aberto nos livra de todos os medos. Beijamos enternecidos tuas chagas, pedindo que teu Espírito impeça que este beijo seja de traição. E assim seremos capazes de beijar e abraçar e acompanhar, mesmo em tempos de distanciamento social, a imensa caravana dos sofredores e servidores que só podem esperar em ti. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf

Profecia de Isaías 52,13-53,12 | Salmo 30 (31) | Carta de Paulo aos Hebreus 4,14-16.5,7-9 |  Evangelho  de São João 18,1-19,42

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