sexta-feira, 4 de junho de 2021

ANO B | TEMPO COMUM | DÉCIMO DOMINGO | 06.06.2021

A família e a religião devem dar visibilidade ao Reino de Deus.

Neste mês apreciado pela alegria e simplicidade que marcam as festas populares, abramos a mente e o coração ao ensinamento de Jesus, mesmo que inicialmente possa parecer-nos estranho nestes tempos tão sombrios. Jesus não tem prazer em colocar pedras na estrada do nosso amadurecimento na fé! Na verdade, ele quer nos ajudar a perceber as lutas que este percurso exige e as amarras que precisamos desfazer. Ocorre que até as instituições que nasceram como espaços de dignidade e cidadania podem se perverter.

O atual e inesperado ressurgimento das práticas de exorcismo, acompanhadas de um indisfarçável desejo de amedrontar e dominar, podem nos induzir a pensar que o núcleo do evangelho deste domingo seja o combate ao demônio. Na verdade, o que Jesus faz é explicar e radicalizar o conflito entre a sua prática libertária e o fechamento ideológico das elites religiosas, agarradas à defesa do seu poder. Precisamos distinguir entre a realidade e a linguagem: a linguagem é apocalíptica, mas o conflito é político e social.

Curando um paralítico e declarando-o sem culpa diante de Deus, calando e expulsando o espírito que fazia calar um doente, purificando um leproso e enviando-o aos sacerdotes, curando os doentes que se aproximavam, Jesus desmascara a escravidão mantida pela ideologia religiosa. Os escribas contra-atacam tentando neutralizar sua ação transformadora, identificando Jesus com o próprio diabo, protótipo dos inimigos do ser humano. Pretendendo ser os únicos representantes de Deus, os escribas e doutores da lei dizem que aquele que os desmascara é guiado e motivado por um espírito diabólico.

Jesus entra neste jogo de linguagem e fala do reino de satanás como a acentuação simbólica das práticas opressoras da sociedade judaica. Ele se defende “atacando com as armas dos próprios adversários”. Entra no jogo linguístico dos seus opositores para “puxar o tapete” e mostrar a contradição em que estão atolados. Ironicamente, Jesus diz que se agisse mesmo em nome do diabo, o reino de satanás estaria dividido e fadado à ruína, e que, dizendo que Jesus está fora de si, seus familiares ameaçam a família que dizem defender. Mas sua ação e seu ensino fazem parte da obra libertadora e recriadora de Deus.

O clímax dessa disputa está na afirmação indireta de que os verdadeiros pecadores, aqueles que estão irremediavelmente condenados, são os próprios escribas e doutores da lei, a elite religiosa que desqualifica a ação divinamente libertadora de Jesus, dizendo que é diabólica. Esse grupo é réu de um pecado eterno, está coberto de impureza e envolvido numa cegueira que não permite que veja um palmo à frente do nariz. Os líderes religiosos pecam contra o Espírito Santo, iludem a si mesmos e aos outros dizendo que é mau e escravizador aquilo que na realidade é bom e libertador.

É no quadro deste conflito que podemos compreender a tensão entre Jesus e seus familiares. Sua família havia tomado conhecimento daquilo que Jesus fazia e dizia, sentiu-se importunada pela multidão que invadia sua casa, e começou a temer pela integridade do próprio Jesus e pelo bom nome da família. Eles têm a nítida impressão de que Jesus enlouqueceu, e decidem pôr um fim nisso tudo. Parece que a mãe e os irmãos evitam entrar no círculo dos discípulos e chegar perto de Jesus. Dão até a impressão de compartilhar da visão dos escribas, e tentam fazer Jesus interromper ou desistir da sua missão.

A família patriarcal, centrada na figura masculina e nos laços de sangue, era um dos anéis da corrente da dominação, uma célula de reprodução da sociedade excludente e intolerante. Jesus avança na superação do sistema de opressão que impede a vida e a liberdade do povo, mas não se detém na crítica destruidora das instituições, dos modelos de relacionamento. Ele coloca Deus no lugar da autoridade patriarcal, substitui a estreiteza dos laços de sangue pelos vínculos que brotam da condição humana. Para Jesus, Deus e o seu Reino são absolutos, e todas as instituições e autoridades, inclusive a família, são relativas e transitórias.

A ti, Jesus de Nazaré, irmão de todos os homens e mulheres regenerados no dinamismo do teu Reino, dirigimos nosso olhar e nossa prece. Fortalece nossa vontade, a fim de que tenhamos a coragem de romper com os laços que nos amarram a nós mesmos/as e aos sistemas que oprimem. Amplia o círculo da nossa comunhão, para que inclua todos os seres humanos, começando pelas vítimas da violência que se impõe nas favelas e nos morros, e chegando aos indígenas do Mato Grosso e do Amazonas. E faz que nossas Igrejas sejam uma família alargada, ventre no qual são gerados homens e mulheres iguais. Assim seja! Amém

Itacir Brassiani msf

Livro do Gênesis 3,9-15 | Salmo 129 (130) | Segunda Carta de Paulo aos Coríntios 4,13-5,1 |  Evangelho  de São  Marcos 3,20-35

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