A
dignidade dos últimos como meta
Pe. José Antonio Pagola
Viver a partir da compaixão é
uma mensagem que desafiava todos/as. Os hebreus estavam acostumados a viver a
partir dos princípios religiosos. Jesus se defrontou com uma religião – a de
Moisés – que tinha vinte séculos de história e que havia modelado todos os grupos,
a espiritualidade do templo e muitos dogmas que ele, a partir da compaixão, vai
diluindo pouco a pouco. A eleição de Israel fazia os hebreus sentirem-se o povo
eleito, o umbigo da terra. Pensavam que quando chegasse, o Messias de Deus
libertaria o povo hebreu e exterminaria o povo romano. “Quando vier o Messias,
destruirá os pecadores e salvará os santos...”
Mas Jesus chega chamando todos
a viver a dinâmica do Reino de Deus, que compreende uma vida mais digna e mais
feliz para todos, começando pelos últimos. Jesus diz que é preciso aprender a
viver numa outra perspectiva, a partir da compaixão com aqueles/as que sofrem,
a partir da defesa dos últimos, acolhendo incondicionalmente a todos/as,
defendendo a dignidade de toda pessoa humana.
Buscai
o Reino de Deus
Se lemos os evangelhos nesta
chave, veremos que Jesus não está preocupado em organizar uma religião como as
demais, obcecado com leis e regras que tornariam a liturgia e os sacrifícios
mais solenes e mais dignos, mas chama todos/as a acolher este Deus compassivo e
a criar uma sociedade nova, voltada aos últimos. E isso foi uma verdadeira
revolução.
Assim Jesus ensina que o Reino
de Deus não consiste na vitória dos bons para fazer com que os maus paguem seus
pecados. Ele chama todos/as à conversão e a viver voltados aos últimos, às
pessoas mais necessitadas, indefesas e esquecidas. E começa a usar uma linguagem provocativa: as
bem-aventuranças. As bem-aventuranças não são uma longa lista de saudações que
Jesus pronunciou numa tarde em que estava inspirado, mas são gritos que Jesus eleva
em diferentes momentos da sua vida e que as comunidades cristãs recolheram e
juntaram para facilitar a catequese.
Bem-aventurados,
felizes
Quero recordar aqui as três
bem-aventuranças que todos os estudiosos afirmam que vêm do pensamento e da
boca de Jesus. Quando Jesus vê aquela gente, os camponeses da Galiléia que vão
perdendo a terra, pressionados pelas dívidas e pelos impostos, lhes diz: “Felizes
vocês, os que não têm nada, os pobres e indigentes, porque vocês têm Deus como
rei! O Reino de Deus pertence a vocês! O reino da bondade, da compaixão e da
justiça pertence, antes de qualquer outro, a vocês!”
Jesus vê que eles têm fome, vê
as crianças nas ruas e estradas, vê a fome das mulheres, e lhes diz: “Felizes vocês que estão passando fome, porque Deus quer que vocês sejam saciados/as. Um
dia vocês o verão, e serão os/as primeiros/as!”
Jesus observa as lágrimas
daqueles camponeses sem-terra. O mais dolorido para aquela gente era não ter
conseguido defender suas terras, ou, quando estavam colhendo, ver os
arrecadadores de impostos chegando de Séforis, escoltados por pequenas tropas,
para levar a melhor parte. E Jesus diz: “Felizes vocês que agora choram, porque
um dia poderão rir, um dia Deus os fará felizes!”
Olhar
o mundo com o olhar de Deus
Jesus falava com toda
convicção. Todos temos que aprender a olhar para eles. O que Jesus diz poderia
ser traduzido da seguinte forma: “Aqueles/as que não interessam a ninguém são os/as
que mais interessam a Deus. Aqueles/as que sobram nos impérios construídos
pelos homens, os excluídos, são os que Deus acolhe. Aqueles/as que estão mais
esquecidos/as e indefesos/as são os/as que, mais que ninguém, têm Deus como
defensor e pai.” Jesus é muito realista. Ele não imagina que a fome e as
lágrimas vão desaperecer da Galiléia num toque de mágica. O que Jesus faz é
afirmar a dignidade indestrutível de todas as vítimas de abusos e injustiças.
Observemos como deveríamos
aprender a olhar a vida. Para Deus, o Deus compassivo, todas estas pessoas que
nos incomodam porque nos pedem – as que vivem nas ruas, as abandonadas, as que
não têm teto – são as primeiras e mais importantes. E isso quer dizer que Jesus
dá à dingidade delas uma seriedade absoluta. Em nenhum lugar estamos
construindo bem a vida se não olhamos para os últimos. A Espanha não vai bem, a
Europa não vai bem enquanto buscam apenas seus próprios interesses e produzem
cada vez mais milhões de famintos no mundo.
E nenhuma religião será
abençoada por Deus se não for uma religião compassiva. A compaixão nos faz
olhar para os últimos. A maior herança deixada por Jesus, aquela que não só os
crentes mas também os não crentes reconhecem e valorizam em Jesus é esta:
acolher o Reino de Deus significa chamar todas as religiões – não só o
cristianismo! – as culturas e as políticas a olhar antes e acima de tudo para
os últimos.
Mudança
e conversão
Creio que isso nos pede novas
atitudes, entre as quais destaco duas. Primeiro, creio de devemos aprender a viver mudando, e não repetindo.
Isso significa: aprender a deixar de lado aquilo que não evangeliza mais,
aquilo que não abre caminhos ao Reino de Deus; dar mais atenção ao que está nascendo,
àquilo que abre os corações dos homens e mulheres de hoje à boa notícia do Reino
de Deus. Assim, mesmo sem darmo-nos conta, estamos abandonando as formas de
pastoral e de evangelização pensadas para uma situação de cristandade que há
tempos não existe mais. Certamente estaremos dando passos rumo a uma fé nova. Aprender
a viver dando passos e não simplesmente esperando o fim para ver quem será o
último a sair, aquele que apagará a luz.
Em segundo lugar, devemos
pouco a pouco aprender a dar uma forma à
mudança. Eu conheço alguns ambientes onde é possível experimentar novas
linguagens para comunicar a boa notícia de Deus. Conheço ambientes onde se pode
começar a dialogar com as pessoas mais afastadas. Hoje é muito difícil
estabelecer fronteiras. Quem está dentro? Quem está fora? Quem crê? Quem não
crê? Eu me movimento dentro de grupos de ‘buscadores’, grupos de pessoas que me
dizem: “José Antonio, isso que eu vivo, será fé?”
O que significa crer? O povo
anda muito perdido, e temos que dialogar, temos que encontrar e reconhecer a ‘pequena
fé’ que cada pessoa tem. Creio que em momentos como este temos que dedicar
muito mais tempo, muito mais oração, muito mais escuta do Evangelho, muito mais
atenção e energias para escutar novos chamados, carismas novos, vocações novas,
caminhos novos de conversão.
Não nos defendamos se muitas
vezes o mundo atual nos critica e pisa. Isso acontece porque, ao menos em
parte, o mundo não encontra naquilo que oferecemos como sal o sabor que
necessita para crer na boa notícia de Jesus Cristo. Eu creio que o mais
importante é continuar caminhando, como diz a carta aos Hebreus, “com os olhos
fixos em Jesus, que é o iniciador e o consumador da nossa fé”.
Fragmento de uma conferência apresentada em 2005, na Faculdade de
Teologia da Universidade de Cantabria. Trechos
selecionados pelo grupo Promotori di
Giustizia, Pace e Integrità del Creato (USG/UISG).
Tradução do espanhol e subtítulos:
Itacir Brassiani msf
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