sexta-feira, 5 de julho de 2013

14° Domingo do Tempo Comum

Toda a Igreja é enviada a anunciar uma Boa Notícia
(Is 66,10-14; Sl 65/66; Gl 6,14-18; Lc 10,1-12.17-20)

Temos a tentação de ver no futebol uma parábola da Igreja: há uma equipe de pessoas seletas que entra em campo e à grande maioria cabe apenas torcer na arquibancada ou diante da TV; a missão é uma disputa de espaços e de poder com as demais Igrejas e religiões; a única glória é derrotar os outros, convencê-los de que são inferiores, alcançar o primeiro lugar e levar a taça; o respeito e o apreço pelos outros não passa da formalidade de um aperto de mão no início e no fim do jogo. Uma Igreja que se pensa assim ignora o Evangelho e faz de Jesus Cristo uma peça decorativa.
“E enviou-os dois a dois à sua frente.”
A Igreja é uma assembléia de pessoas chamadas pelo nome e enviadas em missão a todos os âmbitos geográficos e sociais, sem exclusão. O grupo dos Doze fora enviado e não correspondera ao que se esperava: anunciou um Evangelho filtrado pela ideologia nacionalista, foi refutado pelos samaritanos e foi tentado a usar estratégicas de vingança e demonstrações de poder. Como os Doze não conseguiam entender o que é seguir Jesus (ir atrás), também não tinham condições de ser apóstolos (ir à frente).
As Igrejas que nascem em torno de Jesus Cristo e se fundamentam no seu Evangelho têm no próprio DNA a marca do envio: são um movimento profético de pessoas que saem de si mesmas, pensam nos outros e se arriscam inserindo-se na história, nas forças políticas e culturais. Não são comunidades auto-referenciais, que giram em torno dos próprios interesses; não estão presas às glórias de um passado que não existe mais e não se esmeram em conservar costumes anacrônicos ou doutrinas abstratas.
Percebendo que as necessidades das multidões urgem como uma colheita que pode se perder, Jesus lamenta a carência de braços e envia um amplo grupo de missionários. O número setenta corresponde ao número de nações conhecidas na época, o que significa que o horizonte da missão é o mundo inteiro. É bem provável que a maioria destas pessoas enviadas por Jesus provenham do ambiente samaritano, menosprezado pelos judeus ortodoxos, e que muitas sejam mulheres.
“A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos.”
Assim, o chamado à missão se dirige a todos os cristãos, indistintamente. Nas entre-linhas do seu evangelho, Lucas nos diz que quando a missão é confiada unicamente aos ‘eclesiásticos’ (os Doze) está fadada ao fracasso, mas quando é confiada a todo o povo de Deus, inclusive aos grupos considerados inferiores (estrangeiros, pobres, mulheres, etc.), tem grandes chances de produzir bons frutos. Já deveríamos ter aprendido a lição: ou toda a Igreja é missionária, ou não é Igreja de Jesus Cristo.
Ao dizer que na Igreja todos são enviados em missão não estamos afirmando que todos devem fazer tudo ou a mesma coisa. Fora da celebração dos sacramentos há um imensa gama de possibilidades e necessidades de ação que não podem ser esquecidas ou menosprezadas, do anúncio do Evangelho ao cuidado pela criação e à defesa dos Direitos Humanos. Mas nem por isso podemos simplesmente aceitar que a liturgia e os sacramentos sejam exclusividade dos homens celibatários e ordenados.
“Alegrai-vos com Jerusdalém, fazei desta com ela...”
O que temos a anunciar é, antes de tudo e sempre, uma Boa Notícia. A evangelização não é, em primeiro lugar, o ensino de uma doutrina sobre Deus ou a apresentação de um código de conduta moral, mas o anúncio de uma verdade alvissareira para todos os seres humanos, especialmente para os que são tratados como últimos: Deus está próximo de todos, conhece os sofrimentos naturais ou impostos pelas estruturas injustas e nos guia e fortalece nas tentativas de tornar a vida mais humana.
A propósito, são comoventes e edificantes as imagens usadas pelo profeta Isaías no seu anúncio a um povo desolado, que habita uma Jerusalém em ruínas. O profeta convida todas as pessoas que participaram da dor do povo a participar também da sua imensa alegria, e ilustra a mudança em curso com imagens de bebês que mamam no seio da mãe: “Podereis sugar e vos deliciar em seus peitos generosos... Podereis mamar, carregados ao colo, sobre os joelhos sereis acariciados. Qual mãe que acaricia os filhos, assim vou dar-vos meu carinho...” Eis uma imagem do que é a Boa Notícia!
E não se trata de consolação barata, de esperança num céu tão belo quanto abstrato, ou, menos ainda, de anúncio mentiroso. Deus é fiel à sua compaixão por nós, e nisso ele não muda. Deus ouve os clamores dos pobres e abre a eles os ouvidos dos seus enviados e enviadas. Deus não cessa de suscitar profetas, mártires e missionários/as que o representam na história. É assim que ele leva aos lugares sombrios uma torrente de felicidade, alegrando nosso coração e rejuvenescendo nossos corpos.
“Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem...”
Enquanto enviados/as, os cristãos vamos ao encontro dos seres humanos, dos povos e culturas como hóspedes que pedem licença. Somos enviados sem defesa,  sem poder contar com a força do prestígio, do dinheiro ou dos exércitos. Quando as Igrejas lançaram mão destes poderes, acabaram traindo o Evangelho e impondo a má notícia do domínio e esquecendo a boa notícia da liberdade e da dignidade dos filhos/as de Deus. “Em qualquer casa em que entrardes dizei primeiro: A paz esteja nesta casa!”
É claro que existem riscos e dificuldades. Lucas fala de lobos, de demônio, de cobras e escorpiões. Há cidades, grupos e organizações que se fecham e resistem à conversão à nova ordem inaugurada e exigida pelo Reino de Deus. Mas mesmo aqui não se trata de chegar de dedo em riste, derramando advertências e vociferando condenações. Sacudir o pó das sandálias significa apenas não fazer média nem tergiversar com estes ambientes, e partir serenamente para outros areópagos.
Enquanto pessoas e comunidades enviadas em missão somos hóspedes, e não patrões. O hóspede é visita, pede licença, dialoga, oferece o que tem de melhor. Mesmo diante das pessoas, instituições e culturas que se fecham à experiência compartilhada e ao convite apresentado, a resposta deve ser sempre a mesma: “No entanto, sabei que o reino de Deus está próximo!” Não podemos estranhar o desprezo, a desconfiança e o ódio que suscitamos se chegamos mandando e condenando.
 “Curai os doentes que ouver...”
Para merecer crédito, nosso anúncio deve ser acompanhado de ações que o confirmem. E a primeira ação que se espera de um/a missionário/a é que não fique se deleitando com as belezas do caminho e esqueça a meta, ou seja, o serviço às pessoas concretas. A segunda ação que dá credibilidade ao anúncio missionário é não passar de casa em casa, buscando as pessoas e grupos mais ricos, aqueles/as que podem dar mais poder à obra missionária.
Mas a credibilidade do anúncio do Evangelho supõe ações mais concretas. Jesus pede que os seus enviados curem os doentes, indicando com isso um conjunto de ações voltadas às pessoas mais fracas e carentes. E os/as discípulos/as, voltando da missão, falam da experiência de expulsar demônios, referindo-se a ações que resgatam a liberdade e a dignidade profunda de pessoas reduzidas a corpos nos quais são exercitados o poder e os interesses outros.
Apesar do permanente chamamento oficial às coisas espirituais, em muitos lugares do mundo as comunidades cristãs se esmeram na solidariedade missionária e profética com os empobrecidos e suas causas e no cuidado pela vida integral das pessoas. Para dar conta disso, multiplicam-se os organismos pastorais: da Pastoral da Terra à Pastoral da Criança; da Pastoral Operária à Pastoral Indigenista; da Pastoral Carcerária à Pastoral da Juventude; da Pastoral do Migrante à Pastoral dos Idosos.
“Que eu me glorie somente na cruz de Nosso Senhor, Jesus Cristo.”
No cumprimento da missão coletiva e intrínseca ao seu próprio ser, a Igreja não pode entrar na lógica dos poderes políticos, econômicos ou culturais. É esta lógica que leva as Igrejas a depositar a confiança apenas nas elites ou grupos privilegiados e a medir seu valor pelos sucessos institucionais ou pela erudição da sua doutrina. Paulo fala em gloriar-se apenas na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, e este é um critério diferente: a compaixão que leva à identificação com o outro e à defesa de sua dinidade.
Jesus de Nazaré, missionário do Pai! Tu nos convocas a participar da tua missão. Faz com que toda a Igreja tenha as marcas do teu corpo: a abertura radical ao Pai e aos irmãos e irmãs; a humanidade, a solidariedade e a acolhida; a paixão e a compaixão; a preferência pelos últimos... Ajuda tua Igreja a não jogar sozinha, contando apenas com 11 ou 12 especialistas bem-sucedidos. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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