O que o Papa
Francisco trouxe até agora de novo?
É
arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido
não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de
cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns pontos.
Do inverno ecclesial à primavera: Saimos de dois pontificados que se
caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas.
Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas.
Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade européia, do Terceiro
Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A
Igreja voltou a ser um lar espiritual.
De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a
impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os
quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a
pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja
deve encontrar as portas abertas e não fiscais da alfândega da fé; “é melhor
uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada
porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.
De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se
entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre
todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefere se chamar bispo de Roma,
resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não
pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de
Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos
os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja
página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora
aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.
Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome;
sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma
Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de
ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar
numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.
Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como
pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos
imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do
dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta
postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar
citar o nome. Diz: “Atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é
cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua: “é uma obrigação para o
cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da
caridade”. E disse a Presidenta Cristina Kirchner: “é a primeira vez que temos
um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas
anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização
da fé.
Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram,
especialmente Bento XVI, a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira
de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma,
prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as
demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.
Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade
à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o
mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões
axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da
Terra e o futuro da vida?
Como se depreende, são novos ares,
nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa
nova primavera da Igreja.
Leonardo Boff
Nenhum comentário:
Postar um comentário