"Parar, acomodar-se,
contentar-se com o que se obteve
é falta de amor a si, ao outro e a Deus"
é falta de amor a si, ao outro e a Deus"
Na
postagem anterior, disse que guardava duas antigas cartas que recebi do Pe.
Ceolin. Dei a conhecer a primeira, com a respectiva resposta (http://itacir-brassiani.blogspot.com.br/2013/07/licoes-do-velho-e-bom-mestre-rodolpho.html). Hoje partilho a segunda carta, escrita no dia 16 de abril de 1991. Nela
transparece a singela alegria do nosso amigo por um simples cartão postal, que
ele recebe como oportunidade de saber um pouco mais sobre o lugar onde eu
vivia. Sem falar na delicadeza de receber uma carta três ou quatro dias depois
de recebê-la...
Pe. Ceolin celebrando 25 anos de ministério, em 1981 |
Mas
gostaria de ressaltar outro aspecto, muito revelador da sua estatura
espiritual. Comentando as escaramuças de um jovem coirmão que, depois de pouco
mais de um ano de consagração perpétua, ‘queimava’ a maioria dos coirmãos e
procurava uma saída pessoal, o Pe. Ceolin escrevia: “Eu pouco sei acerca dos
planos dele... Não sei dos seus objetivos e decisões. Ita, eu temo e desconfio
da autenticidade evangélica dos fanáticos, dos intransigentes, dos queimadores
de irmãos (como se fazia na Igreja com os hereges), etc. Temo acerca da
sanidade mental e psíquica daqueles que se canonizam donos da verdade e fazem
xixi sobre o passado, com a maior irreverência. Neles operam forças estranhas.
Agem de modo inconsciente. Não conseguem fazer auto-crítica convenientemente,
não vêm a si mesmos, não têm identidade elaborada e consistente.” Mas depois
conclui, como sabedoria, humildade e capacidade de auto-crítica: “O caso do X é
de lamentar e pensar. Não podemos
jogar-lhe pedras. Meus erros na vida não os considero menores que os dele.”
Um
segundo elemento que considero muito relevante, e que ele expressa nessa carta,
é alegria pelos progressos no processo de libertação pessoal que ele fazia,
assim como a clara consciência de que jamais poderia parar e descansar nos
passos dados. “Percebo e sinto em mim o quanto mudou em mim, ou o quanto mudei.
Eu estou em paz com a vida... gerado que fui cercado de fatos fúnebres. Canto
feliz a re-opção de ser de Cristo e para o Reino. Já não me sinto frustrado
existencialmente. Mas... parar, estagnar, acomodar-se, contentar-se com o que
se obteve e ficar por aí, é uma terrível falta de amor a si, ao outro e a Deus.
É a infidelidade ao Espírito Santo.”
“Meus erros não são menores que os dele...”
“Mui
estimado Ita!
Recebi
ontem tua carta amiga, de 11.04, acompanhada do encantador postal do Bairro da
Universidade, onde você mora. Bonito, não é? Quanto verde! É bom admirar,
cultivar, proteger o verde, o mar, a fauna. Voltando às origens talvez os
Homens se redescubram e voltem a respeitarem-se... Já que está difícil
aceitar-nos em nossa ‘condição divina’, o jeito encontrado foi o virar
bicho!...
Mas
gostei de receber o postal. Assim tenho uma pálida idéia onde vives, dedicado
ao
estudo, pesquias, etc. Admiro-te por buscares os papeleiros de rua como
irmãos de caminhada cristã. Aqui também são tantos: homens, mulheres, crianças.
Algo por eles vem sendo feito, mas é ainda insignificante. Os nossos pobres são
cada dia mais pobres e em maior quantidade. A revolução dos pobres está em
marcha. Não assaltam palácios do governo nem os quartéis. Os assaltos são
feitos contra quem tem dinheiro e pão em demasia, apodrecendo.
A alegria de celebrar 50 anos de ministério (2006) |
Itacir,
falas-me sobre o nosso coirmão X. Eu pouco sei acerca dos planos dele. Ouvi
dizer que ele viajou para Y. Não sei dos seus objetivos e decisões. Ita, eu
temo e desconfio da autenticidade evangélica dos fanáticos, dos intransigentes,
dos queimadores de irmãos (como se fazia na Igreja com os hereges), etc. Temo
acerca da sanidade mental e psíquica daqueles que se canonizam donos da verdade
e fazem xixi sobre o passado, com a maior irreverência. Neles operam forças
estranhas. Agem de modo inconsciente. Não conseguem fazer auto-crítica
convenientemente, não vêm a si mesmos, não têm identidade elaborada e
consistente. O caso do X é de lamentar e pensar. Não podemos jogar-lhe pedras.
Meus erros na vida não os considero menores que os dele.
Amigo,
torces por mim, para que eu avance no processo de libertação. Percebo e sinto
em mim o quanto mudou em mim, ou o quanto mudei. Eu estou em paz com a vida...
gerado que fui cercado de fatos fúnebres. Canto feliz a re-opção de ser de
Cristo e para o Reino. Já não me sinto frustrado existencialmente. Mas é como
dizes: “... seu processo de libertação se afirme e desenvolva...” Parar,
estagnar, acomodar-se, contentar-se com o que se obteve e ficar por aí, é uma
terrível falta de amor a si, ao outro e a Deus. É a infidelidade ao Espírito
Santo.
Unidos sempre! Vamos em frente! Meu abraço muito cordial. Pe. Rodolpho
A alegria de tê-lo como amigo e de estar discretamente ao lado dele
Ao receber esta carta, expressão inequívoca de uma amizade sincera e de
uma pessoa que assumiu plenamente a responsabilidade pelo próprio crescimento e
emancipação, eu registrava nas minhas anotações o que segue (os destaques são de hoje).
“Recebi hoje (17.04.1991) rcebi esta carta
do Pe. Ceolin. Eu a guardo com carinho, leio e releio emocionado. Não é de hoje
a minha admiração por ele. Sem querer canonizá-lo como modelo em tudo, desde o
já distante ano de 1980 o conheço como um
homem de coração e de sofrimento.
Ele tem
uma capacidade quase infinita de ouvir e compreender, mas poucos passaram, como ele, por
tantas depressões. Os doze anos à frente da coordenação provincial podem ser um
indicativo do seu modo responsável e
cativante de ser.
Como mestre de noviços, foi um dos grandes
responsáveis pelo meu amadurecimento. Quando fui ordenado presbítero, muito
honrado, convidei ele para fazer a homilia da minha primeira missa solene,
reconhecendo que muito do que eu era devia a ele...
Mas desde aquele ano de 1987 ele foi
definhando, envolvido numa série de dificuldades pessoais, e caiu numa
acentuada depressão. Mas teve lucidez e
maturidade suficientes para buscar ajuda e dar um tempo a si mesmo. Mais de uma
vez ele testemunhou a dureza dessa busca. Teve que abandonar todas as muletas e
tentar andar sozinho, com passos inseguros e por caminhos incertos. Quase
dois anos de luta e busca o levaram a um porto mais seguro, onde os ventos são
menos ameaçadores. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Com os/as ministros/as, em Santo Augusto (RS) |
Minha profunda amizade e admiração pelo
Ceolin me levaram a vencer uma série de percalços e escrever-lhe regularmente. Especialmente a partir de 1987, escrevo-lhe
seguidamente. Esperei três anos para receber a primeira resposta. É claro que a
esperava e desejava. Mas sentia-me satisfeito simplesmente por tê-lo como amigo,
confrade e companheiro, e por ser uma presença discreta mas real nessa sua
via-sacra.
Somente no ano passado recebi sua primeira
carta. Nela, contava suas dores, sua busca desesperada. Depois, no mês de
agosto, veio a carta com a proclamação da alegre boa notícia: se não ainda
havia chegado ao porto, ao menos o mar estava menos bravio e ele vislumbrava a
direção para a qual deveria remar. Me emocionei e louvei o Senhor, como o faço
também hoje, ao receber mais uma carta sua. Que Deus o acompanhe e sustente na
sua misericórdia.
E eu me sinto feliz comigo mesmo por não
ter desanimado em nenhum instante. Graças a Deus, mantive o ânimo para fazer-me
presente de diversas formas nos diferentes momentos da sua escuridão. Se isso
não contribuiu para o discernimento e o seu crescimento, pelo menos me fez mais
sincero, mais amigo e mais capaz de compaixão. Bendito seja Deus!”
Itacir Brassiani msf
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