quinta-feira, 11 de julho de 2013

15° Domingo do Tempo Comum

A compaixão resgata a humanidade e produz eternidade
(Dt 30,10-14; Sl 18/19; Cl 1,15-20; Lc 10,25-37)


O Verbo de Deus não cessa de fazer-se carne, mas nós estamos sempre às voltas com a tentação de menosprezar a carne em nome de poucos substantivos e muitos adjetivos. O essencial da vida cristã, mesmo sendo exigente, não é complicado, não se esconde em difíceis fórnulas ou teoremas. Mas precisamos nos livrar da mania dos especialistas: levantar sempre novas perguntas, acrescentar novos pontos na discussão já esgotada, formular conceitos que nos mantêm soberanamente inativos e indiferentes. Esquecemos que Deus ama a terra e a humana carne e preferimos levantar questões sobre a vida eterna. Ignoramos que a ação é a melhor manifestação da vida e agarramo-nos a conceitos que classificam e hierarquizam, desqualificando o Evangelho e sentindo-nos plenamente justificados.
“Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus...”
Muitas das perguntas que fazemos não passam de estratégias para desviar da questão central. Jesus acabara de enviar os discípulos e discípulas – muitos de origem samaritana – em missão e de recebê-los de volta, com o coração cheio de alegria e de novidades para partilhar. Eles haviam anunciado a proximidade do Reino de Deus, curado doentes, recontruído a paz; haviam se hospedado nas casas de pessoas desprezadas e sentado à mesa com elas. Para as pessoas muito espiritualistas, tudo isso parecia ser coisas demasiadamente corporais, materiais e terrenas.
Entre decepcionado e escandalizado, um doutor da lei procura testar a ortodoxia de Jesus e recolocá-lo nos trilhos da verdadeira religião. Com a pergunta pela vida eterna, o teólogo do judaísmo quer afastar Jesus das preocupações com a vida cotidiana das pessoas. Considerando também a passagem de Lucas 18,18-30, parece que são especialmente as pessoas que não querem se comprometer com os irmãos e irmãs que levantam a preocupação pela vida eterna. Como se a religião fosse uma espécie de droga que afasta das dificuldades da vida presente.
 “O que devo fazer para herdar a vida eterna?”
Nunca faltam pessoas que reduzem a fé a um corpo de doutrinas. Para elas, a essência da fé e da prática da religião se resume em aprender corretamente a doutrina, saber distingui-la das heresias e contrapô-la às fórmulas erradas; praticar corretamente as devoções e ritos prescritos; submeter-se formalmente às autoridades do próprio grupo religioso; manter a reta intenção naquilo que fazem; introduzir o nome de Deus na linguagem cotidiana e imagens sacras nos diversos ambientes.
Sabendo da erudição teológica, da estreiteza de horizontes e da má intenção do doutor da Lei, Jesus não se dá ao trabalho de responder à sua pergunta, e pede que o próprio inquirente responda, o que ele faz com absoluta precisão: a Lei manda amar a Deus com todo o coração, com toda alma e com toda a força e ao próximo como a si mesmo. Jesus apenas chama a atenção para a dimensão prática desta doutrina: “Respondeste corretamente. Faze isso e viverás.” O segredo da vida está na prática e não na prédica!
Jesus não diz que este é o caminho para assegurar a vida eterna, uma vida suplementar e superior depois ou à margem desta vida, mas simplesmente um caminho de vida. A vida eterna é também vida interna à história e, essencialmente, vida terna. Será que sem ternura e sem compaixão, dadas ou recebidas, a vida merece este nome? Será que a vida não adquire dinamismo de eternidade exatamente no dom terno, compassivo e solidário de si, como nos ensinou com a vida o já saudoso Pe. Ceolin?
“E quem é o meu próximo?”
Com a primeira pergunta, o doutor da lei queria testar e provar a ortodoxia de Jesus, mas, com a segunda, pretende se justificar. A questão do amor a Deus é mais abstrata, manipulável e pouco mensurável. Mas como o amor ao próximo é mais concreto, e as autoridades religiosas discutiam incansavelmente sobre a quem se aplica o apelativo ‘próximo’. A doutrina oficial praticamente identificava o próximo com quem pertencia ao judaísmo, com os membros do próprio grupo.
Por trás da tentativa de justificar a estreiteza do seu mundo e a pouca universalidade do seu amor, o doutor da lei escondia a implícita intenção de recriminar a prática inclusiva de Jesus, pois ele acolhia mulheres pecadoras, curava endemoniados gesarenos e enviava discípulos/as a todos os povos. Como judeu que era, Jesus não deveria reservar o pão do Evangelho aos filhos legítimos do judaísmo e evitar desperdiçá-lo com os pagãos, filhos bastardos e cães?
Esta mesma ideologia mortífera ressoa nas perguntas e acusações dirigidas hoje contra alguns agentes e organizações pastorais da Igreja: por que gastar tempo e dinheiro defendendo os direitos humanos dos homosseuxuais, migrantes e presos, em vez de se dedicar aos ‘homens e mulheres de bem’? Por que investir tanto em pastoral social em vez de melhorar o templo e o culto? Faz sentido preocupar-se com o ecumenismo e o diálogo inter-religioso se temos tantos católicos ao nosso afastados?
“Um homem descria de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes.”
Jesus evita a discussão teórica sobre o próximo e prefere propor uma situação concreta. Há um homem (não se diz se é judeu o pagão) agredido, caído na estrada, necessitado de socorro. Um sacerdote e um levita passam pelo local, enxergam a pessoa assaltada e ferida. Mas não tomam conhecimento de suas necessidades, afastam-se e seguem o caminho exclusivo da atenção às práticas religiosas e aos códigos legais. Afinal, aquele sujeito caído na estrada poderia ser alguém que deixara a santa Jerusalém e abandonara a comunidade de fé...
Mas aparece um homem que vivia na Samaria e que, movido pela compaixão, se aproxima da pessoa ferida e, sem perguntar se é ou não é seu próximo, cuida dos ferimentos, carrega-a no próprio animal e convoca outros a completar o cuidado. Uma pessoa que não vinha do Templo e carregava na própria carne a ferida do desprezo e da exclusão foi capaz de perceber a necessidade e se proximar de uma outra pessoa menosprezada e ignorada. O critério que orientou sua sua ação não foi a pertença religiosa mas a necessidade humana.
“Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”
A verdadeira questão não é saber quem é nosso próximo, mas de quem nos aproximamos com compaixão. E não se trata apenas de uma pergunta dirigida aos indivíduos, mas também às Igrejas e comunidades cristãs. “Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” De que tipo de pessoas e situações nossos líderes religiosos e nossas Igrejas se dedicam solidária e compassivamente enquanto caminham na história? Ou os olhos voltados evasivamente ao céu não lhes permitem ver os homens e mulheres assaltados em sua dignidade e caídos por terra?...
Jesus apresenta uma pessoa socialmente excluída e considerada herética como modelo de humanidade e de religiosidade. Para ele, os sacerdotes e levitas, tidos como pessoas exemplares e absolutamente dignas, são rebaixados ao nível de desumanos e reprováveis. Não lhes falta conhecimento nem fidelidade literal às leis. O que eles não têm é a humana compaixão, este dinamismo vital que impulsiona o movimento de aproximação e leva a superar os muros que dividem, esta força que se rege pela critério da necessidade das pessoas concretas e não pelos seus méritos ou pela pertença social ou religiosa.
Assim, qual é o caminho que conduz a uma vida eterna, à maturidade humana, à fé verdadeira? Estão no caminho da vida eterna as pessoas que se comprometem e se fazem próximas daqueles/as que estão abatidos e cansados à beira do caminho, estejam geograficamente perto ou longe. Estão na vida eterna porque estão com Jesus Cristo. “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fisestes” (Mt 25,40). Façamos isso e viveremos eternamente!
“Ele é o primogênito de toda a criação...”
Jesus, primogênito da criação e a cabeça de um corpo formado de discípulos e discípulas, divino samaritano que vens ao nosso encontro. Somos a Igreja, teu corpo vivo na história e não queremos ter outro caminho que o teu. Ajuda-nos a seguir teus passos e as batidas do teu coração, caminhando compassivamente ao encontro das pessoas consideradas indignas ou inúteis pelos sistemas que se guiam pelo poder e pelo lucro. Que jamais nossos passos se afastem daqueles/as que só podem contar conosco. Seria este o segredo de uma vida plena de sentido e de luz? Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

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