A manhã e a tarde: em qual estrada Ele nos busca?
É tempo de concluir esta série de breves relatos em
torno da semana-santa que me foi dado viver com o povo de Vila do Morro, no interior
de Minas Gerais. Na verdade, o último momento celebrativo destes oito dias aponta
também para o primeiro dia de um novo tempo, do tempo pascal, do tempo das
infinitas passagens e travessias que se nos oferecem e nos solicitam. Elas
acontecerão em manhãs misteriosamente radiantes e em tardes deliciosamente surpreendentes...
A comunidade se reuniu, numerosa, para a celebração da
manhã. Como sabemos, a liturgia matutina da páscoa é revestida de uma sóbria
nobreza, é bela e simples. O círio brilha sereno e sem se impor. E é bom que
seja assim pois todos sabemos das cruzes que ainda beiram estradas e marcam as
curvas da história. Mãos e pés perfurados, corpos traficados, homens e mulheres
oprimidos ainda suspiram por redenção. Mas sabem que a esperança não engana e
que os suspiros não caem no vazio.
O Evangelho coloca diante dos nossos olhos a figura de
Madalena, chorosa na perda, corajosa na busca, audaciosa no testemunho,
generosa em tudo. E nos convida a considerar que nenhum ladrão de corpos
crucificados se daria ao trabalho de dobrar os panos mortuários antes de fugir.
E mais: aqueles panos brancos que jazem na sepultura vazia lembram mais as
vestes alegres das festas de núpcias que o luto dos velórios e enterros.
Portanto, Jesus é a Aliança de Deus conosco, a pedra rejeitada se tornou pedra
de primeira importância...
Na Vila do Morro, o mesmo grupo que encenou a paixão
de Jesus também preparou uma breve cena da sua ressurreição, ambientada no
interior da igreja, incorporada como primeira parte da homilia. As várias cenas
evangélicas da ressurreição foram costuradas num único roteiro, o que conferiu à
peça um colorido especial. Depois de se manifestar a Madalena, aos apóstolos e
aos peregrinos de Emaús, Jesus reapareceu na parte interna da torre da igreja, no
alto, anunciando à assembléia reunida: “Assim como o Pai me enviou, eu envio
vocês...”
Dona Lia, que me acolheu na sua casa, e a ministra Lucia |
Terminada a celebração, era hora de voltar para casa.
Alimentados na mesa dos iguais, levávamos nos olhos a discreta luz da
ressurreição, mas voltávamos conscientes de que, nas muitas tardes da nossa
vida, por vezes ainda caminharemos desolados e teremos dificuldades de
reconhecer Aquele que se aproxima de nós, faz perguntas, tenta abrir os olhos
da nossa mente e pede hospitalidade. Sabíamos também que, se o reconhecermos,
pouco importa se ele logo desaparece...
Assim, a missa da manhã da páscoa foi também minha
despedida da comunidade. Por que omitir que as manifetações espontâneas de
carinho e gratidão de gente de todas as idades me comoveram? Bendito seja Deus
que nos reuniu no amor de Cristo! Aos pés da cruz e no vazio do túmulo vazio
nos descobrimos irmãos e irmãs, renascemos como nova e promissora família,
semente de uma humanidade que deseja ser nova. É claro que foi uma despedida
com intenso desejo de reencontro, de aprofundamento. E o desejo se torna
promessa. E, com a graça de Deus, a promessa será cumprida. E isso para o bem
da comunidade católica da Vila do Morro e para o meu próprio crescimento
espiritual. Assim seja!
Itacir
Brassiani msf
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