sexta-feira, 2 de maio de 2014

Terceiro Domingo da Pascoa (Ano A - 2014)

Jesus nos acompanha nas curvas das estradas da vida
O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão em um só golpe. A realidade viva e esperançosa que ele comunica necessita de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar na vida cristã. Com sabedoria a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período, denominado tempo pascal, é um desafio e um convite a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, uma novidade escondida nas tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias.
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. O episódio dos discípulos que deixam Jerusalém e voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles estavam como se fossem cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Para eles, o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança de um messias com um criminoso pregado na cruz.
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. E começa perguntando sobre o conteúdo da conversa e o motivo da tristeza deles. Não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de mestre, conduz os discípulos ao mais fundo da própria frustração, ao coração da própria dor, ao núcleo central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado desprovido de esperanças. Sem este primeiro momento, o anúncio e o testemunho da ressurreição poderia cair no vazio ou resvalar para o cinismo.
Caminhando e dialogando com os discípulos, Jesus quer provocar neles a abertura a uma uma imagem de Deus despida das marcas do poder e do saber. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. Mas a perseverança de Jesus acaba abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que já é tarde e a noite se aproxima. Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor...
A sede de companhia, junto com o desejo de repartir, faz toda a diferença. Acolhendo o anônimo companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passam da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha dão a eles a possibilidade de fazer uma releitura do percurso feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
Pedro nos mostra que os apóstolos também aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável, ele se levanta e, dirigindo-se aos habitantes de Jerusalém e aos peregrinos, os convida a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava. Aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo. “Não era possível que a morte o dominasse... Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória...” E nos acompanha neste tempo em que somos migrantes...
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento ao caminho e ao projeto vivido por Jesus Cristo. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os sacramentos nos conduzem a esta realidade. Se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Por isso, cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo.
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas mostras que tens um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e sociais, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras nossa mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso auxílio na aventura de transformaar a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida doada sem reservas e sem condições. Assim seja neste tempo de nossa migração neste mundo! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 2,14.22-33 * Salmo 15 (16) * Primeira Carta de Pedro 1,17-21 * Lucas 24,13-35)

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