Ascensão de Jesus:
fuga, falsificação ou verdade que liberta?
A Igreja une à solenidade da ascensão de Jesus a Jornada Mundial das Comunicações Sociais, que neste ano tem como
tema de reflexão as Fake News, as
notícias falsas com aparência de verdade. Por isso, a pergunta provocadora: em
que medida a boa notícia da ascensão de Jesus pode induzir à fuga da realidade,
à falsificação da dureza da morte e do fim de Jesus, ou então abrir-nos a uma
verdade libertadora e convocadora à ação? Qual é seu sentido? Com a ascensão,
Jesus teria dado definitivamente as costas à humanidade e voltado à harmonia
celeste de onde veio e pela qual suspiramos?
A palavra ascensão lembra subida,
elevação, movimento de distanciamento. Mas expressa também a ideia e a
experiência de ser destacado, promovido, reconhecido, reabilitado. É este
segundo o sentido original da boa notícia pregada pelos cristãos a respeito de
Jesus de Nazaré. Proclamar a ascensão de Jesus é um modo de proclamar sua
ressurreição, de afirmar que a pedra rejeitada pelos construtores foi
considerada pedra principal, que aquele que fora eliminado como subversivo e
maldito é a mais plena expressão de Deus e do ser humano. Ele se tornou um projeto, uma ideia que não
pode ser aprisionada.
Na carta aos cristãos de Éfeso, Paulo manifesta o desejo de que o
Espírito Santo lhes revele Deus em sua amável nudez e os ajude a conhecê-lo em
profundidade. Conhecer Deus assim como se revelou em Jesus de Nazaré significa
reconhecer e assimilar a esperança para a qual Ele nos chama e a herança
gloriosa que ele nos concede: continuar na história sua vida de profeta e
servidor; ser no mundo seu corpo vivo, corpo sob o qual tudo o mais foi colocado
e acima do qual nada de significativo existe, fora o próprio mistério de Deus. E
isso sem fugir do mundo, sem pensar que para seguir Jesus precisamos fugir
dele.
Mas nunca é demais lembrar que a vida cristã é muito mais que desejo ou
contemplação extática da plenitude divina. A pergunta que os anjos fazem aos
apóstolos inertes ressoa hoje aos nossos ouvidos e espera uma resposta: “Por
que vocês estão aí parados, olhando para o céu?” Os discípulos de Jesus Cristo
não podemos permanecer na simples contemplação de alguém que subiu ao céu,
mesmo que este alguém seja o próprio Jesus Cristo. A ascensão de Jesus não
significa o fim da sua presença no meio de nós. Ao contrário, é o início da
missão em seu nome, sob a guia do seu Espírito.
A Palavra de Deus deixa isso bastante claro. “Vão pelo mundo inteiro e
anunciem a boa para todas as pessoas”. A liturgia da ascensão focaliza esta
responsabilidade intransferível da comunidade cristã. Convictos de que o
Crucificado foi exaltado, vencemos o medo e tornamo-nos testemunhas de Jesus
Cristo no coração do mundo e nos pulmões da história. E sabemos que testemunhar
significa afirmar e trilhar o caminho do amor serviçal e solidário, trazer no
corpo as marcas de Jesus Cristo: amar como Jesus amou, sonhar como Jesus
sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu...
A Palavra de Deus atesta também que a ascensão de Jesus Cristo não é um
distanciamento em relação aos seus discípulos e discípulas, uma fuga do mundo e
dos seus desafios. Antes, é a identificação plena de Jesus com Deus,
permanecendo plenamente inserido no mundo. E isso não é algo que tem a ver
apenas com Jesus de Nazaré: ele é o primogênito de muitos irmãos e irmãs, a
cabeça de um corpo de muitos e variados membros. À glorificação do primogênito
segue-se a honra dos seus irmãos e irmãs. À elevação da cabeça segue-se o
reconhecimento da dignidade daqueles que realizam sua vontade.
No Brasil, a ascensão de Jesus também abre Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que une fiéis católicos
e evangélicos numa mesma e intensa prece. Para nós, cristãos católicos, já soou
o tempo de deixar a lamentação e a negação das estatísticas que mostram a
diminuição do percentual de católicos e o crescimento do índice de cristãos
evangélicos. Do ponto de vista do Evangelho, não interessa o crescimento
numérico deste ou daquele segmento cristão, mas que Jesus seja conhecido e
seguido, que os cristãos deem testemunho de unidade e ajudem a construir uma
sociedade fraterna e solidária.
Jesus de Nazaré, sacramento
do abraço entre o céu e a terra, profeta de um mundo sem senhores e sem
escravos: depois de termos acompanhado tua progressiva manifestação aos
discípulos e a missão que confias a quem te segue, queremos hoje contemplar teu
pleno reconhecimento pelo Pai. Ajuda-nos a entender que é porque abriste mão de
todo e qualquer privilégio e te fizeste humano e igual ao mais humilde que teu
nome é incomparável e diante de ti se dobram todos os joelhos. E ajuda-nos a
compreender que é descendo, amando e servindo nossos irmãos que seremos tuas
testemunhas. Disso, o dedicado, despojado e delicado amor das mães é sinal e
sacramento. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos
1,1-11 * Salmo 46 (47) * 1ª Carta de Paulo aos Efésios 1,17-23 * Evangelho de São Marcos
16,15-20)
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