terça-feira, 29 de maio de 2018

ANO B – SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO – 31.05.2018


O corpo de Cristo é a fraterna comunidade de irmãos e irmãs!
Cristo se faz sacramentalmente presente na comunidade dos irmãos e irmãs que se solidarizam na partilha do pão e no dom de si mesmos, que se reúnem para celebrar em torno da Palavra e do Pão e que fazem memória da doação maior de Jesus e da nuvem de testemunhas que o seguiram. Por isso, a Eucaristia não é algo a ser apenas adorado e exposto publicamente, mas memória do amor de Deus por nós, de um amor que chega ao seu ápice quando se torna comunhão e amor ao próximo em nós. A festa de Corpus Christi que hoje celebramos soleniza a beleza da nossa Eucaristia cotidiana ou dominical.
Voltemos nossa atenção para o Evangelho que nos é proposto para este dia. Pouco antes da cena evocada, Jesus havia convocado e enviado os Doze com “poder e autoridade sobre todos os demônios e para curar doenças” (Lc 9,1). Quando eles voltam desta espécie de estágio missionário, Jesus os leva para descansar fora do território judaico. Então, os apóstolos contam, animados, o sucesso que haviam experimentado. Mas, mesmo sendo o lugar deserto, as multidões necessitadas vão atrás de Jesus e dos discípulos. Sem se incomodar com isso, Jesus lhes fala do reino de Deus, e cura muitas pessoas doentes.
Mas parece que o repentino e recente sucesso pastoral havia subido à cabeça dos apóstolos. Fica a impressão de que eles se sentem uma elite especial e separada do resto do povo, um grupo que ocupa um lugar superior, uma agremiação fechada e dotada de poder recebido de Deus. No fim do dia, os Doze se aproximam de Jesus e ousam dar-lhe uma ordem: “Despede a multidão para que possam ir aos povoados e sítios vizinhos procurar hospedagem e comida...” Esqueceram eles que a comunidade cristã existe para dar uma resposta efetiva às angústias e esperanças das pessoas concretas...
Jesus reage sublinhando, sem meias-palavras, que são eles mesmos que devem cuidar do povo. Jesus não se importa se os discípulos têm provisões suficientes, e pede que organizem o povo em comunidades. Depois de se apropriar dos poucos pães e dos peixes dos apóstolos, como um pai de família, Jesus os eleva, abençoa, parte e dá aos discípulos para que distribuam. É possível que a multidão necessitada fosse gente excluída do judaísmo, que não era sequer considerada pelas autoridades religiosas. Essa gente recebe atenção prioritária da parte de Jesus, e o mesmo deve valer para a Igreja.
Com Jesus, termina o tempo do “cada um para si” e começa o tempo do convívio, da partilha e do serviço. Inaugura-se o tempo de comunhão. “Todos comeram e se saciaram.” Depois que os presentes são saciados, a sobra – 12 cestos, 12 tribos de Israel – vai para os demais! A atenção dos cristãos é inclusiva e universal, mas dá prioridade aos últimos ou excluídos, e viver a Eucaristia é entrar nesta lógica do dom, da prioridade dos últimos e mais frágeis. Diante deste sacramento não se deve dizer “se aproxime quem for digno e estiver preparado”, mas “Senhor, eu não sou digno de participar da tua mesa...”
Santo Tomás de Aquino diz que na Eucaristia temos o “documento do imenso amor de Cristo pela humanidade”, e “fazemos memória da altíssima caridade que Cristo demonstrou na sua paixão”. Quando Jesus ordena a seus discípulos “façam isso em memória de mim”, não está instituindo um rito a ser repetido com reverência e exatidão, mas propondo uma forma de vida a ser assumida com coerência. A Eucaristia é um sinal sacramental que aponta para algo mais profundo e transcendente: em Jesus, Deus se faz dom por nós, a fim de que a nossa vida adquira forma de dom solidário pelo próximo.
A questão central não é tanto a presença real de Jesus no pão quanto seu caminho de amor apaixonado e solidário pela humanidade. O mais importante não é a transformação das substâncias, mas a presença real e contínua de Cristo nos nossos gestos de partilha e solidariedade. “Vos sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros deste corpo”, diz Paulo (1Cor 12,27).  A nossa vocação é ser o corpo histórico de Cristo no mundo: um corpo que é dom e comunhão, no qual os membros são iguais, diferentes e reciprocamente solidários, e onde os membros mais frágeis são tratados com maior atenção.
Jesus de Nazaré, filho amado do Pai, Pão repartido para a vida do mundo! Também nós queremos hoje sair às ruas, movidos por tua sede de comunhão e agradecidos pelo teu amor-doação. Mas não cantaremos “hóstia branca, no altar consagrada...” ou “queremos Deus, homens ingratos”. Cantaremos com alegria, “entra na roda com a gente também! Você é muito importante! Vem!” E continuaremos com o convite: “Desempregados, pecadores, desprezados e os marginalizados... Venham todos se ajuntar à nossa marcha para a nova sociedade. Quem nos ama de verdade, pode vir que tem lugar!” Afinal, quiseste que teu corpo fosse o pão partilhado, a solidária comunidade de irmãos e irmãs! Assim seja! Amém!
 Itacir Brassiani msf
(Livro do Gênesis 14,18-20 * Salmo 109 (110) * 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios 11,23-26 * Evangelho de São Lucas 9,11-17)

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