Deus é mistério de amor,
e cria tudo no amor e na comunhão.
A solenidade de hoje nos convida a celebrar e refletir sobre o mistério
do ser de Deus. Todos alimentamos um pretensioso desejo de conhecer Deus e de falar
sobre ele, mas será que Deus estaria à nossa disposição, desprotegido frente à
nossa ânsia de conhecer, manipular e dominar?
Conhecemos pregadores que falam de Deus como se soubessem tudo sobre
ele, mas que, na verdade, falam sobre seus próprios conceitos. A fala
compulsiva sobre Deus geralmente é uma defesa contra a verdadeira experiência
de Deus, que é o único ponto de partida seguro para falar sobre o mistério
divino...
Damos o nome arquétipos às imagens e valores que mexem com o ser humano
em sua profundidade. Essas imagens são uma espécie de filtro mediante o qual
olhamos tudo e vemos a nós mesmos. Elas ordenam ou confundem, escravizam ou
libertam. E Deus é um dos arquétipos mais profundos e influentes da nossa vida.
Se nossa imagem de Deus é deformada ou doentia, acabamos deformando-nos e adoecendo.
Se desconfiamos muito de nós mesmos, acabamos imaginando um Deus observador e
desconfiado, pronto a pedir provas e julgar o ser humano...
A solenidade da Santíssima Trindade vem nos recordar que a imagem correta
de Deus não é a de um sujeito solitário, absoluto, onipotente e onisciente, mas
uma imagem de comunhão no amor, de ser-para-os-outros,
de abertura e acolhida, de compaixão e dom de si. Deus é o arquétipo da
perfeita comunhão, uma comunhão na qual cada sujeito recebe tudo do outro e se
faz dom radical e incondicional ao outro. Esta comunhão na acolhida do outro e
na doação amorosa de si é também a vocação ou DNA das criaturas. O Papa Francisco lembra que misericórdia é a
palavra que melhor expressa o mistério da Santíssima Trindade, que do coração
da Trindade flui uma grande e incessante torrente de misericórdia.
Nossa primeira atitude diante do Mistério de comunhão, que é a essência
de Deus e das criaturas, mais que espanto reflexivo, é a adoração agradecida.
“Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e
sempre, pelos séculos dos séculos. Amém!”
Adoração é a resposta própria de quem se descobre pequeno e impotente e,
ao mesmo, destinatário de um amor que o faz capaz, digno e grande. O divino mistério
de Comunhão e de Bondade nos põe de joelhos e nos leva a exclamar “Glória!” É
por isso que, diante de Jesus ressuscitado, os discípulos ajoelham-se
reverentes e obedientes...
Glorificar significa honrar e fazer brilhar, e nós glorificamos a Deus
porque ele mesmo nos glorifica, dando-nos a condição de filhos e filhas,
conferindo-nos um esplendor que nos faz semelhantes a ele. Glorificamos a Deus
quando desfazemos as imagens deformadas que o identificam com um ditador onipotente,
um juiz implacável, um doutor onisciente ou um ser sem coração, e proclamamos,
com a boca e com a vida, sua misericórdia, sua compaixão e seu amor pela
justiça e pelo direito. “A glória de Deus é o ser humano vivo, e a vida do ser
humano é a comunhão com Deus”, ensina Santo Irineu de Lyon.
A experiência mística do amor de Deus nos compromete necessariamente com
a missão de em tudo amar e servir, de promover a vida plena das criaturas de
Deus. “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos,
batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a
observar tudo o que ordenei a vocês.” É uma missão que se abre a todos os povos
e desconhece fronteiras e muros que dividem, uma missão enraizada
e focalizada no amor. Fazer discípulos significa acolher e congregar no amor
aqueles que são diferentes, fazer-se próximo daqueles que estão longe.
Jesus nos envia a batizar, pois o batismo sinaliza o discipulado e nele
nos introduz, é a assinatura de uma nova lealdade, não mais aos doutores da lei
e ao imperador, mas ao Deus Uno e Trino, à Divina Comunhão, da qual a
Eucaristia é sacramento e celebração. No batismo expressamos nossa feliz
condição: somos filhos e filhas do universo, irmãos e devedores às estrelas, à
luz, ao ar e à terra, pois todos esses elementos habitam e cooperam em nós e
tudo está interligado e relacionado, como ensina o Papa Francisco. Paulo
sublinha essa realidade quando diz que somos filhos e herdeiros de Deus em
Jesus Cristo. Não somos fragmentos isolados, mas filhos da comunhão que habita
todas as coisas!
Deus amável, Mistério de Comunhão sem limites, regaço de onde partimos e para onde
desejamos retornar: envia teu Espírito para que, em nós, ele grite e anuncie que
és pai e mãe e nos ajude a proclamar que todas as criaturas são
nossas irmãs. Amor paterno, materno e fraterno, abre o nosso ser à ação do teu
Espírito de comunhão, a fim de que ele nos transforme em pessoas livres e
solidárias, agentes da liberdade no mundo, anunciadoras e criadoras da comunhão
que associa todas as criaturas. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Livro do Deuteronômio
4,32-40 * Salmo 32 (33) * Carta de Paulo aos Romanos 8,14-17 * Evangelho de São Mateus
28,16-20)
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