O
mundo que nos toca
Vivemos
tempos escatológicos. Esta foi a afirmação do professor Sérgio Coutinho na conferência
de abertura do Seminário da Vida Consagrada, que está sendo realizado em
Aparecida (SP) e reúne mais de 500 religiosos e religiosas vindos de todo o
Brasil.
Ele
lembrou que, desde 2008, o mundo enfrenta uma crise, primeiro financeira, que
partiu dos EUA e nos alcançou. E levantou perguntas: As coisas retornarão ao seu
curso normal proximamente? Ou estaríamos chegando ao fim da globalização
neoliberal, de uma etapa do capitalismo? Chegamos ao fim dos tempos, ou a fim
de um tempo?
Segundo
Coutinho, que cita Slavoj Zizek, vivemos tempos escatológicos, o fim de um
tempo. O fim de um tempo não é um tempo de medo nem de esperança, mas um tempo
de ação. A escatologia apocalíptica nega o mundo e espera pela intervenção
divina, mas a escatologia ético-sapiencial é a nega este mundo por uma ação
capaz de transformá-lo.
Mas,
se é verdade que estamos no fim de um mundo, afirma o historiador, não nos despedimos
dele sem mais. Como sociedade, precisamos passar pelo ritual do luto, lamentar
a perda, o fim, como o fazem as pessoas diante de morte de alguém querido. E
isso acontece, segundo alguns estudiosos, em cinco atitudes: negação, raiva,
barganha, depressão, aceitação.
A
postura de negação vem se faz evidenciar no retorno ao protecionismo econômico,
das políticas anti-imigratórias, na tentativa de voltar ao período pré-liberal.
A atitude de raiva se mostra na onda de
violência desmedida contra os grupos sociais que são identificados como
inimigos ou ameaçadores, tanto sujeitos religiosos como afetivos e sociais; a
própria diferença passa a ser vista como ameaça e perigo, e gera reações
raivosas.
A
reação da barganha se faz ver na procura brechas e oportunidades para que o
capitalismo sobreviva. As relações trabalhistas passam pela precarização, pela
exclusão e cancelamento de direitos, de exploração suplementar: trabalho a
domicílio, estágio, trabalho por peças, empresas de alocação de mão de obra,
regime de trabalho intermitente, microempresário individual, trabalho
voluntário, enfim: a “uberização” do trabalho.
Como
nem o paradoxo das redes sociais consegue exorcizar as novas formas de
desencanto subjetivo, vem um estado de depressão social. A falsidade da
promessa neoliberal do bem-estar e da igualdade se derramando sobre o mundo e
as pessoas levou a sintomas de depressão. Nasceu uma sociedade do do
desencanto, do colapso da confiança, da crença de que todos os líderes são
corruptos, estúpidos e incapazes. Criou-se um individualismo rasteiro, o
ativismo do sofá, desvinculado de ações que podem mudar. Nasceu um universo
fechado, individual, inoculado, homogeneizado.
Mas
isso não é o fim. Há sinais de ressurgimento da subjetividade emancipatória e de
práticas da democracia transformadora. A emergência de modos mais solidários de
produzir, consumir e distribuir engendra novos processos de subjetivação, numa
perspectiva emancipatória, com coletivos potentes. Será que a vida consagrada
representa e potencializa esta possibilidade?, pergunta Coutinho. O trabalho
associativo, cooperativo e auto gestionário é uma dessas expressões.
Itacir Brassiani msf
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