Envia-nos teu Espírito
de indignação profética!
A festa de Pentecostes é a culminância da caminhada pascal. Como a comunidade apostólica dos sagrados começos,
pedimos que o Espírito realize em nós a obra do Pai e do Filho, nos dê respiro
e vida, nos ensine a testemunhar e anunciar o Reino de Deus na língua das
diversas culturas, derrube os muros que os medos e prepotências ergueram,
desperte a imaginação e a indignação proféticas, abra as portas das Igrejas e
as coloque em ritmo de saída. Pois é o Espírito de Deus quem cria os vínculos entre
as criaturas, suscita e sustenta os processos de libertação e garante a
liberdade e a criatividade.
Escrevendo à comunidade
cristã de Corinto, Paulo sublinha: há diversidade de dons, mas o Espírito é o
mesmo; diferença de funções mas o Senhor é o mesmo; multiplicidade de ações,
mas um só Deus. Por isso, não há como sustentar a supremacia do clero sobre os
demais fiéis, dos católicos sobre os evangélicos, dos crentes sobre os ateus. No
bojo da ventania que vem do Espírito de Jesus, caem também os muros que separam
religiões pretensamente verdadeiras das assim chamadas simples crenças, como
também as escadas que elevam as religiões que se auto definem verdadeiras e rotulam
as demais como falsas. E são carimbadas como ultrapassadas as ideologias que
separam os mundos espiritual e material.
Uma dos traços
da experiência Espírito que ficou gravada na mente dos apóstolos é o ruído de
um vento forte e a imagem de línguas de fogo repousando sobre a comunidade
reunida. Vento forte e línguas de fogo remetem a um dinamismo incontrolável, a
uma força que move e leva adiante, a uma palavra forte e mobilizadora. São
imagens que lembram o furacão da profecia, a eloquência de homens e mulheres
que falam, gritam e agem em nome de sonhos e ideais que pertencem a todos.
Aquele punhado de gente reunida em Jerusalém passa a falar intrepidamente e a
enfrentar autoridades e sistemas constituídos...
É claro que a
vida no Espírito se expressa na oração, na adoração, no canto, na consolação e na
alegria, mas é claro que não se resume nisso. Jesus Cristo é o homem do
Espírito, e sua proposta não é a de um guru a serviço do bem-estar individual. Ele
é modelo de uma vida descentrada de si, de uma atuação absolutamente voltada às
necessidades e à dignidade dos outros, de uma inserção questionadora e
transformadora no palco da história. A obra do Espírito Santo no mundo não se
mostra nos templos monumentais ou nas instituições sólidas, mas em homens e
mulheres novos, livres e solidários.
O Espírito é o
sopro de Deus que faz novas todas as
coisas, renova a face da terra. Mas ele costuma começar renovando radicalmente
as pessoas que seguem Jesus Cristo, despindo-as da roupagem da indiferença,
purificando-as da impureza da dominação, desautorizando aquela “velha opinião
formada sobre tudo”, dispersando o pó que se acumulou sobre as doutrinas e
leis, abrindo as janelas fechadas pelo medo, fazendo-as renascer no ventre da
liberdade e da gratuidade. Assim aconteceu com Jesus, assim são chamados a ser
aqueles que nele acreditam e receberam seu divino Sopro.
Por isso, o
envio do Espírito Santo é também o lançamento missionário da comunidade dos
discípulos e discípulas de Jesus. “Como o Pai me enviou, eu também envio
vocês!” Ele nos envia com a missão de tirar o pecado do mundo e arcar com seu
custo, como ele mesmo o fez, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Tirar o pecado do mundo (no
singular!) significa, hoje, entre outras coisas, combater sem tréguas o vírus do
ódio. Como não se preocupar com o fomento interesseiro do ódio a toda
iniciativa que possa mudar minimamente a estrutura classista e excludente da
sociedade brasileira?
Quem recebe o
Espírito de Jesus e por ele se deixa guiar perde para sempre a tranquilidade
daqueles que se escondem atrás dos muros dos condomínios fechados e dos ritos
que anestesiam e aprisionam as consciências. O Espírito fere de morte todas as
formas de indiferença e fechamento! Quem hospeda o Espírito e nele renasce
acaba a quilômetros de distância do imobilismo omisso, pregado em cultos
frequentados por multidões sedentas de prosperidade e de cura, e se engaja, com
humildade e firmeza, no caminho ecumênico, respeitando as diferenças e sonhando
com o dia em que todos seremos um.
A ti, Deus pai e mãe, voltamos nossos
olhos e nossas mãos para pedir, com todas as forças do nosso ser: envia sobre
nós e sobre a Igreja teu divino Sopro! Sem ele, a missão não passa de
conquista; a igreja atua como mera sociedade de classes; o Evangelho se reduz a
lei implacável; a moral infantiliza e aprisiona; o ministério se reveste de
poder e tirania; a liturgia vira arqueologia e fuga do compromisso. Envia teu
Espirito para revitalizar os ossos ressequidos, sacudir as democracias vazias e
questionar governos ilegítimos e saqueadores, mesmo quando se apresentam com o selo
da religião. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos
2,1-11 * Salmo 103 (104) * 1ª Carta de Paulo aos Coríntios 12,3-13 * Evangelho de São João 20,19-23)
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