Amor, solidariedade e
serviço aos irmãos: isso é santidade!
Na solenidade litúrgica de todos os santos e santas, não podemos
esquecer que a verdadeira santidade é aquela que se manifesta na vida das
pessoas que vão além do estreito limite dos seus próprios interesses e se
aproximam solidariamente dos ‘últimos’ da escala social; que vão aos rincões
mais distantes para levar a bandeira da paz; que são movidas por uma insaciável
sede de justiça; que choram as dores dos povos de todas as cores e provam o fel
da violência e da perseguição; que transformam a terra pela mansidão... Muito
diferente daqueles que rangem os dentes com sede de vingança ou retesam as mãos
como se portassem armas a serem disparadas em nome da paz “dos homens de bem”.
A festa de todos os santos faz memória dos santos esquecidos, daqueles
que não têm um dia especial, nem um nome conhecido, que gastaram a vida no
anonimato e cujos milagres não cabem nas estreitas regras canônicas; de gente
como Sepé Tiaraju, Padre Cícero, Frei Tito, e Ir. Dorothy; e mesmo de gente que
não rezou pelo nosso catecismo, como Lutero, Luther King, Gandhi, Mandela, Betinho
e tantos outros. Nesta festa celebramos a memória daqueles que nos antecederam
na fé e cujo testemunho mantém a Igreja no caminho certo, apesar das suas
resistências e ambivalências.
Mas a celebração de todos os santos e santas não olha somente para o
passado. É oportunidade e provocação para que reflitamos sobre a vocação
fundamental de todos os cristãos. É verdade que a santidade é um caminho
estreito e uma vocação exigente, mas isso não significa que seja reservada a
alguns grupos especiais de cristãos. Há mais de 50 anos o Concílio Vaticano II
proclama de forma clara e inequívoca, contra a ideia então predominante nas
Igrejas, que a santidade não é privilégio dos sacerdotes e religiosos. Muito
antes, a história já havia comprovado o que foi proclamado solenemente.
Na passagem do milênio, o hoje santo João Paulo II nos provocava a não contentarmo-nos
com pequenas medidas, voos rasantes e ideais nanicos, e pedia que aspirássemos
nada menos e nada mais que à santidade. Esta vocação que é de todos precisa se
transformar em desejo pessoal e em decisões e ações concretas. Como diz São
João, nós somos chamados filhos de Deus e já o somos desde agora, mas o desafio
é crescer na identificação com Jesus Cristo, gravar no corpo e na mente as
marcas de Jesus Cristo. “Seremos semelhantes a ele...” E isso deve ser mais que
um simples sentimento.
Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito santo de Deus e, ao mesmo tempo,
o caminho para a santidade. Não há santidade à margem do seguimento de Jesus
Cristo, mesmo que tal seguimento seja implícito. Trata-se então de refazer o
caminho prático trilhado por Jesus: “amar como Jesus amou; sonhar como Jesus
sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus viveu; sentir como Jesus
sentia...” Este é o caminho para que, no meio ou no fim do dia, e no meio ou no
fim da vida, sejamos felizes. Este caminho é o caminho percorrido pelo próprio
Jesus Cristo, expresso programaticamente nas bem-aventuranças.
A bela mensagem das bem-aventuranças apresenta os sinais que indicam
claramente o caminho da santidade. Jesus não fala de oito grupos específicos de
pessoas, mas de oito características daqueles que percorrem este caminho. Esta
via sagrada começa com a pobreza e termina com a perseguição, que não
representa um obstáculo, pois o Reino de Deus é antes de tudo dos pobres e dos
perseguidos. A consolação é para os aflitos, a terra é para os mansos, a
saciedade é para os famintos, a misericórdia é para os compassivos, a visão de
Deus é para os puros e a filiação divina é para os promotores da paz.
Passa longe do Evangelho uma santidade que se resume em práticas de
piedade ou moralismo vazio. Está distante da essência humana uma felicidade
baseada no sucesso pessoal, indiferente à sorte dos semelhantes. As pessoas que
se vestem de branco e trazem palmas nas mãos são aquelas que vieram da grande
tribulação, que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, que encarnaram o
Evangelho no mundo e na própria vida. Felicidade não significa ausência de
dificuldades, mas realização plena e profunda do ser humano. Mais que
perfeição, santidade é perseverança no amor e no serviço.
Deus pai e mãe, fonte
de toda santidade, dá-nos a graça de permanecer sempre de pé diante do teu
Filho, rodeados pela nuvem de testemunhas anônimas oriundas de todas as nações,
tribos, raças, línguas e gêneros. Ajuda-nos a superar a tentação de separar,
catalogar e hierarquizar católicos e evangélicos, cristãos e não-cristãos. Fica
conosco e caminha à nossa frente, para que estejamos sempre prontos a amar e
servir. E que a inexplicável alegria em meio às intermináveis lutas seja nossa
arma e nosso triunfo. E então estaremos vivendo em comunhão com aqueles que
louvam no céu e na terra. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
(Apocalipse de São João
7,2-4.9-14 * Salmo 23 (24) * 1ª. Carta de São João 3,1-3 * Evangelho de São Mateus
5,1-12)
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