Jesus é um profeta que
desestabiliza todos os poderes.
A grandeza e o poder das pessoas e instituições costumam garantir-lhes a
submissão dos fracos e granjear-lhes uma admiração que tende a perdurar no
tempo. Submissão e admiração, especialmente quando conjugadas com o medo suscitado
pela violência congênita ao poder, geram o mito da invencibilidade: quanto mais
poder e mais grandeza tiver uma pessoa ou entidade, mais estável será. O
cristianismo rejeita este mito que imobiliza e amordaça, afirma que tudo o que
parece poderoso e inabalável acaba desabando pela ação corrosiva e libertadora
da fé, recusa a sedutora resignação a um presente sem sabor e sem justiça, e
espera ativamente um outro mundo possível.
Vivemos um tempo de crises profundas e caminhamos sem referências
seguras. Os grandes mitos e narrativas desapareceram. A esperança fez as malas
e desertou, sem deixar endereço para contatos. Falar de esperança passou a ser considerado
algo anacrônico e até ridículo. Por isso, a fuga aparece como a única
possibilidade para viver em paz. Sem esperança de futuro, o presente parece um
refúgio que garante uma doce sensação de sabedoria. O tempo foge do nosso
controle e parece sempre mais acelerado. A realidade flui como água, e parece
que nada pode ser feito para mudar seu curso...
É grávido de tribulações e preocupações o tempo que vivemos. Muitas são
as pessoas que se perguntam: é possível que o humano venha a prevalecer, ou aquilo
que chamamos de humano não passaria de uma ideologia enganadora? Ou será que o
humano foi possível apenas no passado, e suas sementes não podem mais germinar
na terra poluída e ressequida do nosso tempo? Não seria o nosso apenas um tempo
de indivíduos solitários na multidão, de seres desconfiados e violentos, de
consumidores vorazes, destes que negociam o sonho de um mundo novo pelos novos
e fugazes lançamentos do mercado?
Mas aqui, de novo e como sempre, aqueles que acreditam em Jesus Cristo e
organizam a vida a partir dele, remam contra a corrente e afirmam que o humano
se manifestará, está se manifestando, já está presente no meio de nós. O ‘filho
do homem’, aquele que é verdadeiramente humano, está vindo ao nosso encontro,
solicitando e possibilitando abertura, acolhida, esperança, conversão. É isso
que ensina o evangelho de hoje, recorrendo a uma linguagem apocalíptica e
parabólica para chamar a atenção para a mudança, para o processo de nascimento
de uma nova ordem social.
O evangelho não quer insinuar que uma catástrofe cósmica esteja se
aproximando, nem suscitar medo e fuga diante dos dramas da história. Ao
contrário, convida-nos a entrar na história e tomar posição nas lutas
inadiáveis que estão sendo travadas. Sol, lua e estrelas simbolizam os poderes
aparentemente sólidos e indestrutíveis. Mas esta solidez é mentirosa, pois o
advento do homem novo depõe os poderosos dos seus tronos e eleva os humildes;
afirma a dignidade dos últimos; faz germinar sementes e florir os desertos;
desarticula as forças e estruturas que propõem a violência como solução.
O questionamento e o abalo da ordem velha e cambaleante não é tudo. É
apenas o sinal de que o humano está nascendo, batendo à porta e pedindo para
entrar. E, na medida em que ele for acolhido e se tornar regra da nossa vida,
uma nova humanidade nascerá, sem fronteiras nem restrições, “reunindo as
pessoas que Deus escolheu, do extremo do céu ao extremo da terra.” A parábola
da figueira pede atenção a sinais pequenos e discretos dessa mudança. A velha e
injusta ordem social simbolizada pelo templo deve chegar ao fim para que
desponte um outro mundo. E isso começa em nós, não em Brasília!
O ‘filho do homem’ e seus seguidores serão os protagonistas desta
mudança. A imagem dele “vindo sobre as nuvens com grande poder e glória” é uma
referência ao Jesus Cristo elevado na cruz. No filho do homem perseguido e
crucificado resplandece o que é verdadeiramente humano e se revela a glória e o
poder de Deus. O advento do humano se dá definitivamente em Jesus crucificado,
em sua solidária fidelidade a todos os seres humanos. É em torno dele que se
reúnem as pessoas escolhidas que, tendo-o como cabeça, formam um corpo
verdadeiramente humano, capaz de transfigurar a história.
Tu és, Jesus de Nazaré,
divinamente humano e humanamente divino, meu único Senhor, e fora de ti não
tenho bem algum, nem esperança que valha a pena. Tu és minha herança e meu
cálice. Estás sempre à minha frente e à minha direita, e por isso não vacilo. Minha
alegria e minha serena esperança é perceber os pequenos e promissores sinais de
realização do teu e nosso sonho, o Reino de Deus, o céu novo e a terra nova, o
nascimento do homem novo, que acolhe os pobres com solidariedade. Nisso se
alegra meu coração e exulta a minha alma, e até meu corpo, sempre tão
vulnerável, repousa seguro. Amém! Assim seja!
Itacir
Brassiani msf
(Profecia
de Daniel 12,1-3 * Salmo 15 (16) * Carta aos Hebreus 10,11-18 * Evangelho de São Marcos 13,24-32)
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