A religião não deve legitimar a exploração dos pobres!
É preciso sempre ter muito cuidado para não distorcer a Palavra de Deus.
As passagens propostas para este domingo podem ser presas fáceis de uma exegese
preguiçosa ou de uma edificante ideologia. A figura das duas viúvas, a do livro
dos Reis e a do evangelho de Marcos, soa como canto de sereia para leituras
superficiais e conclusões fáceis. A necessidade de resgatar virtudes como a
hospitalidade e a partilha, assim como de angariar fundos para as Igrejas e
suas obras, pode nos induzir a um louvor precipitado da atitude destas mulheres
que são, antes de tudo, vítimas de sistemas injustos.
Depois de uma longa viagem, durante a qual procura incansavelmente
formar os discípulos no seu caminho, Jesus chega com eles a Jerusalém (cf.
11,15). Visitando o templo, Jesus não se encanta nem se omite: classifica-o
como esconderijo de ladrões e expulsa do seu interior os comerciantes que lucram
com ele (cf. 11,17). Então, abre-se uma série de confrontos entre Jesus e os
chefes dos sacerdotes, doutores da Lei (cf. 11,18.28) e saduceus (cf.
12,18-27). Estes grupos religiosos e políticos não apenas questionam o
ensinamento de Jesus, mas procuram um modo de prendê-lo e matá-lo (cf. 11,18;
12,12).
Assim, o contexto literário da passagem do Evangelho deste domingo é o
questionamento do templo e de confronto com as autoridades religiosas,
especialmente com os doutores da Lei. Contra estes, Jesus levanta cinco
acusações: pretendem demonstrar o saber religioso pelas roupas que usam; gostam
de ser cumprimentados nas praças; disputam os primeiros lugares nas sinagogas e
banquetes; exploram e roubam as viúvas; e usam a piedade como disfarce que
encobre tudo isso. Jesus está longe de desconhecer a ambiguidade violenta do
sistema do templo e daqueles que o sustentam.
Por isso, Jesus desmascara a hipocrisia dos doutores da Lei, importantes
autoridades religiosas do judaísmo da época, afirmando que eles não vivem o
essencial da aliança, que é praticar o direito, amar a misericórdia e caminhar
humildemente diante do Senhor (cf. Mq 6,8), assim como proteger os pobres, os
órfãos, as viúvas e os estrangeiros (cf. Dt 24,18-22). Eles correm atrás de status e privilégios especiais, e se aproveitam
da fraqueza e insegurança das viúvas, das quais são legalmente constituídos
administradores. Aos olhos de Jesus, a piedade dos doutores da Lei e dos
escribas é falsa, e serve como um belo véu para encobrir o oportunismo e a
exploração dos pobres e indefesos.
É neste contexto que a passagem da viúva que vai ao templo adquire
sentido. Não passa pela cabeça de Jesus elogiar o templo, que há pouco havia
desmascarado. Sentado diante das caixas de coleta, ele observa e descreve
concretamente como se processa a exploração que o templo perpetra contra as
viúvas e as pessoas mais pobres. Jesus não se deixa enganar pelas aparentemente
volumosas contribuições dos ricos. Sua atenção se volta a uma viúva pobre que,
depositando duas unidades da menor moeda em circulação, "depositou tudo o
que tinha, tudo o que possuía para viver".
Não me parece que Jesus queira elogiar a generosidade da pobre
viúva. Antes, o que ele pretende é desmascarar
a exploração que se realiza através do templo: os ricos contribuem com o que
lhes sobra, enquanto que os pobres são obrigados a dar praticamente tudo o que
têm para viver. Jesus chama atenção para este contraste, e diz que há uma
inversão inaceitável: diferente do que se pensa e se diz, o templo exige mais
dos pobres que dos ricos. É assim que os escribas rapinam as viúvas pobres:
justificando tudo pela contabilidade financeira e pelas aparências piedosas...
Jesus lamenta a exploração praticada pelo templo e justificada por
mentiras matemáticas e teológicas. Ele não se impressiona com a grandiosidade
do templo, e se irrita com a ausência de justiça e de equidade. Jesus percebe
com clareza que atitudes e práticas piedosas podem esconder injustiças violentas,
e a própria religião pode tornar-se meio de exploração dos mais pobres. Por
isso, convida seus interlocutores a rever as práticas individuais, eclesiais e
sociais. E acrescenta como profecia e ameaça: "Você está vendo estas
grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído"
(13,2).
Jesus, pregador do
Reino, peregrino nas estradas da Galileia e observador crítico das práticas opressoras
do templo em Jerusalém... Concede-nos a
coragem e a liberdade que necessitamos para denunciar que há um nexo entre a
riqueza de poucos e a pobreza de muitos, e que a desregulamentação liberal das
relações trabalhistas reduz a segurança social e aumenta a exploração sobre os
trabalhadores. Ajuda-nos a não sermos coniventes
com isso, e inspira às nossas Igrejas e a cada um de nós palavras e ações que
instaurem a justiça do teu Reino na terra. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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