O racismo que estrutura as sociedades
É
muito importante compreender que o
racismo está presente nos relacionamentos individuais, mas, antes disso, o racismo estrutura as sociedades, o que
pode ser percebido na forma como Igrejas, majoritariamente brancas, foram
historicamente beneficiadas com a garantia de culto e a liberdade religiosa,
enquanto as tradições religiosas de matriz africana e as espiritualidades
indígenas, ainda hoje, precisam reivindicar o seu direito de rezar em paz.
Assim
como nos tempos do profeta Isaías existiam grupos privilegiados que rechaçavam
os pobres e se valiam da religião para justificar as desigualdades, também hoje é possível identificar pessoas
cristãs cúmplices do racismo. A história mostra que, em vez de reconhecer a
dignidade de todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, cristãos e
cristãs frequentemente têm se envolvido em estruturas de pecado, como a
escravização, o colonialismo e a segregação em nome de uma certa superioridade
racial.
Infelizmente,
as igrejas ainda são muito tímidas para
desconstruir teologias e hermenêuticas bíblicas racistas. A perpetuação da
linguagem religiosa racista faz com que o próprio racismo se atualize. Mas a fé em Jesus Cristo exige que sejamos
igrejas antirracista. Para isso, é necessário desenvolver uma “alfabetização”
racial, aprofundar o conhecimento, abrir-se ao diálogo inter-religioso, apoiar
a causa antirracista e reconhecer a permanência de práticas racistas em nossas
igrejas.
a) Letramento
ou alfabetização racial: O letramento racial ajuda
conhecer quais são os termos corretos relacionados à pauta racial, contribuindo
para a aquisição de uma maior consciência das desigualdades e da estrutura
racista da sociedade. O letramento racial é o primeiro passo para sermos
igrejas antirracistas.
b) Aprofundar
o conhecimento: Isso
significa incluir nas nossas leituras, livros de pessoas negras e indígenas que
falem sobre a temática racial e/ou de suas culturas de origem. Também é
importante pesquisar sobre como o Brasil Império se valeu da imigração europeia
para implementar no Brasil a política racista do branqueamento das raças, e
fomentou a ideia de que descendentes de europeus são mais trabalhadores do que
pessoas indígenas e pessoas negras.
c) Abrir-se
para o diálogo inter-religioso: Este é um dos caminhos possíveis
para o enfrentamento do racismo religioso, que é um conjunto de práticas
violentas que expressam a discriminação e o ódio pelas religiões de matriz
africana e seus adeptos, assim como pelos territórios sagrados, tradições e
culturas afro-brasileiras.
d) Apoiar a
causa antirracista:
Lembremo-nos que no Brasil a pobreza e a falta de oportunidades têm cor e raça.
Portanto, ser antirracista envolve destinar recursos e promover a circulação de
renda entre pessoas negras e indígenas. Para apoiar a promoção da igualdade
racial, invista em ações afirmativas nos seus projetos diaconais e pastorais,
destine coletas para projetos voltados ao combate do racismo. Além disso,
garanta que as pessoas negras de sua igreja ocupem funções de liderança. Comprometa-se
a falar sobre as consequências do racismo na vida das pessoas e a buscar
hermenêuticas bíblicas antirracistas. Jesus não era racista, portanto, não é
possível valer-se da fé em Jesus Cristo para justificar a segregação racial. Dizer
‘Sim’ à Igualdade Racial significa que, para sermos comunidades de iguais,
todas e todos precisam assumir a pauta antirracista como compromisso de fé.
Como igrejas, temos de reconhecer que estamos falhando no reconhecimento da
dignidade de todas as pessoas batizadas e, muitas vezes, depreciamos a
dignidade de irmãos e irmãs em Cristo baseando-nos na falsa ideia da supremacia
branca.
e) Reconhecer
a existência de práticas racistas em nossas Igrejas: Martin Luther King Jr., ao falar
sobre as consequências do racismo e da segregação racial em seu país, disse: “É
uma das tragédias de nossa nação, uma das vergonhosas tragédias, que o horário
de onze da manhã de domingo seja uma das horas mais segregadoras, ou a mais segregadora
hora na América cristã”. Com essa declaração, Luther King Jr. denunciou o racismo
como causa da falta de unidade entre as igrejas. Ele denunciou o fato de o
racismo estar acima da fé em Jesus Cristo. Isso porque brancos não aceitavam
que pessoas negras participassem dos cultos. Para poder celebrar, o povo
afro-americano precisou criar suas próprias igrejas.
O
racismo é, portanto, um contratestemunho da unidade cristã. Todas as divisões
têm sua raiz no pecado, isto é, em atitudes e ações que vão contra a unidade
que Deus deseja para o conjunto de sua Criação. O racismo é pecado porque nos
divide como humanidade, como igrejas e religiões.
Infelizmente,
não ocorreram mudanças significativas desde o tempo do pastor Martin Luther
King até hoje. Nos Estados Unidos, o horário dominical das onze horas, quando
ocorrem as celebrações, é caracterizado pela divisão racista entre igrejas,
pois as denominações seguem divididas por marcadores raciais e sociais. Ou
seja, pessoas brancas e pessoas negras reúnem-se cada uma em sua igreja. Como
Isaías proclamou, essa hipocrisia no meio do povo de fé é uma ofensa diante de
Deus: “podeis multiplicar as orações, não as escuto: vossas mãos estão cheias
de sangue” (Is 1.15).
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