domingo, 12 de outubro de 2025

Jonas e Jesus

A compaixão de Jesus é o sinal da sua divindade

865 | 13 de outubro de 2025 | Lucas 11,29-32

A missão de Jesus provoca controvérsias. Seus opositores, em nome da religião oficial, dizem que, para curar doentes e possessos, ele faz aliança com a Diabo. Jesus se defende recorrendo a parábolas. Em meio a isso, alguém elogia sua mãe por ter trazido ao mundo alguém tão especial, e Jesus reage afirmando que a verdadeira honra pertence a quem ouvem e praticam a Palavra de Deus.

Diante rejeição e do fechamento de alguns, especialmente dos líderes religiosos, à Boa Notícia do Reino de Deus, e diante do insistente pedido deles para que apresente suas credenciais de enviado de Deus realizando sinais capazes de impressionar, Jesus declara: “Esta geração é uma geração perversa”. E se recusa a transformar o Reino de Deus em espetáculo através da realização de sinais grandiosos que provocam medo e aumentam seu poder.

Jesus diz que o sinal do profeta Jonas continua em vigor, e vale para seus interlocutores: um apelo forte à mudança de atitudes e interesses, voltando-se de coração a Deus e sua vontade e servindo ao próximo e suas necessidades. E mais ainda: Jesus se apresenta ele mesmo como sinal, e suas ações como credenciais, de modo que aqueles que não reconhecem na sua compaixão pelos vulneráveis o sinal da ação de Deus estão fechando os olhos e dando as costas a Deus.

Numa postura claramente provocativa, Jesus afirma que os piedosos judeus que o rejeitam são piores que os pagãos que eles tanto desprezam. Enquanto uma rainha pagã foi capaz de reconhecer a sabedoria de Salomão, e enquanto o povo pagão de Nínive aceitou a pregação de Jonas, em nome de uma imagem de Deus que eles mesmos criaram, estes líderes desprezam o Filho do Homem, que é maior que Salomão e que Jonas. Jesus transforma os pagãos em mestres dos judeus!

Precisamos também nós aprender que Deus prefere manifestar-se de modo discreto, com sinais pequenos, mas eloquentes, e até na contramão das avenidas iluminadas e mais transitadas: na compaixão pelos pequenos, na doação de si mesmo num amor incondicional e sem medidas, na comunhão com os últimos, na acolhida e no perdão aos pecadores, na morte na cruz. Não é um milagre de Deus que desperta a fé e provoca nossa conversão, pois a fé e a conversão sempre precedem o milagre.

 

Sugestões para a meditação

§ Será que estamos sendo capazes de acolher e valorizar os gestos e iniciativas humanitárias de gente de outros grupos e religiões?

§ Poderíamos afirmar sem medo de errar que temos levado sempre a sério a nossa conversão ao Evangelho do Reino de Deus?

§ Somos capazes de identificar na compaixão transformadora e amorosa de Jesus o sinal mais eloquente de sua divindade?

§ Ou ainda somos tentados a pedir e esperar sinais espetaculares de Deus para mudar as coisas que estão ruins?


sábado, 11 de outubro de 2025

Solenidade de N. S. Aparecida

Maria indica o raio de luz presente na escuridão

864 | 12 de outubro de 2025 | João 2,1-11

Este casamento narrado por João é um entre as tantas bodass que aconteciam no tempo de Jesus, e Caná é um lugar insignificante. Mas Jesus, seus discípulos, seus parentes e sua mãe estavam lá, e isso confere notável importância à cena e ao lugar. Na festa tudo anda dento do previsto até que a mãe de Jesus percebe a carência que ninguém percebia, e avisa o filho. Seu olhar é justo e adequado, e não manifesta desprezo, ironia ou crítica aos organizadores da festa.

Notar que o vinho acabou significa perceber a esterilidade da velha aliança e o esgotamento da força salvadora do templo. A crise entre o povo e o Deus do templo chegara ao seu ápice. Na observação de Maria ressoa a voz desolada de um povo inteiro que percebe que a alegria da aliança está se exaurindo e as lideranças religiosas do judaísmo não se dão conta. Respondendo à mãe com o substantivo “mulher”, Jesus parece não dar importância pública aos laços de parentesco.

Maria é uma mulher totalmente seduzida pelo mistério de Deus e pela novidade revolucionária do seu Reino. A ele e à sua vontade havia dado seu consentimento quando da anunciação do anjo Gabriel. Ela nos ensina que, para ser discípulo de Jesus, é necessário aderir a ele, aprender com ele, e fazer o que ele pede. É preciso passar da nossa vontade limitada e mesquinha à vontade de Deus, ampla e inclusiva, e permitir que nossa vida seja radicalmente transformada.

Atendendo à sugestão da mãe, Jesus lança mão de seis jarras de pedra (imagem que nos remete à Lei e aos seis dias da criação), mas ele mesmo aparentemente não faz nada. São os serventes que fazem sem demora e sem questionamentos o que Jesus pede, e a água acaba misteriosamente transformada em vinho. Nesse acontecimento, Jesus se revela como o verdadeiro noivo, e é a humanidade inteira que se beneficia das antigas promessas. Em Jesus, Deus faz uma aliança nova e indestrutível com a humanidade e comunica a ela a vida abundante.

Maria é mediadora desse milagre que garante a continuidade da festa da vida. Esse papel mediador de Maria é confirmado em todas as suas manifestações reconhecidas pela Igreja. Assumindo a pele negra dos africanos escravizados no Brasil de ontem, e dos excluídos do Brasil de hoje, Maria proclama, eloquentemente a dignidade deles. E ainda hoje convoca o povo brasileiro a se unir em torno da defesa das pessoas e grupos sociais marginalizados ou abandonados nas encruzilhadas do progresso.

 

Sugestões para a meditação

§ O que Maria disse silenciosamente ao Brasil que escravizava os negros quando encontraram sua imagem de cor negra?

§ O que Maria está dizendo hoje, quando a indiferença, intolerância e a violência contra negros, indígenas, migrantes e outras minorias reaparecem ameaçadoras?

§ Daquilo que Jesus fez e pede que façamos, o que é indispensável para resgatar a dignidade dos marginalizados e oprimidos?

Nossa Senhora Aparecida

As lições de Deus na escola de Aparecida

No próximo domingo, boa parte do povo brasileiro celebrará a festa de Nossa Senhora Aparecida. Não é sinal de boa fé transformar essa festa num confronto entre as igrejas cristãs. Não se trata de exaltar a virgindade e a santidade de Maria, nem a veracidade das aparições marianas, mas de extrair lições, como o fazemos com tantas histórias e fábulas.

Inspiro-me na bela reflexão do Papa Francisco, durante sua estadia no Brasil, em julho de 2013. Ele disse que, no evento Aparecida, Deus nos dá uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir, que é a humildade e a solidariedade. Por isso, no evento Aparecida há algo de perene a aprender sobre o mistério de Deus e da Igreja.

No início de tudo temos a busca de um grupo de pescadores pobres. Eles partem, com seus meios frágeis e insuficientes, em busca de sobrevivência. O resultado foi pequeno, mas um raio de luz brilhou por debaixo da porta trancada: uma imagem de barro envelhecida pelo tempo e escurecida pelas águas turvas. Deus se revela na pequenez!

Num Brasil dividido entre brancos livres e escravos negros, a imagem emerge fraturada, primeiro o corpo, depois a cabeça. O corpo negro recobra a unidade pelas mãos dos pescadores. Pela mãe de Jesus, Deus quer recompor um Brasil dividido e violento, desfazer muros, construir pontes, diminuir desigualdades, erradicar violências.

Aqueles humildes pescadores não descartaram a inesperada imagem que apareceu na rede. Eles esperaram o que faltava, peregrinaram na esperança. Aqui, a lição é acolher os pequenos pedaços do mistério de Deus e do sentido da vida sem querer tudo de uma vez. “A paciência tudo alcança”, dizia Santa Teresa. A plenitude pode estar no futuro!

Os pescadores levaram a misteriosa imagem para suas casas e a cobriram e aqueceram com vestes simples e belas, com o manto da própria fé. Na casa dos pobres, Deus sempre encontra um lugar!  O Mistério pede para ser acolhido e aquecido em nosso coração para, em seguida, irradiar o calor e a força que tanto necessitamos: a sua graça inesgotável.

Lentamente, a imagem resgatada das águas e protegida pela fé simples e generosa começa a atrair gente. Deus é sempre encanto que atrai, e a missão nasce dessa fascinação pela beleza, pela simplicidade, pela compaixão, pelo desejo do encontro. Sem a simplicidade, a hospitalidade e o desejo de compartilhar o bem, a missão fracassa.

Tudo aconteceu no cruzamento da estrada que ligava Rio de Janeiro, a capital colonial, a São Paulo, centro empreendedor, e Minas Gerais, paraíso das minas, tão cobiçadas pelas cortes europeias. Deus aparece sempre nas encruzilhadas, e a Igreja não pode esquecer esta vocação de recolher e divulgar, de congregar e enviar, de superar e inovar.

Que bela lição Deus nos dá em Aparecida! As redes das nossas comunidades cristãs são frágeis e esburacadas. A barca da Igreja não tem a potência e a imponência dos navios transatlânticos. Mas Deus vê e escolhe o que é pequeno, frágil e escondido. “Ele olhou para a condição humilde da sua serva” e “dispersou os soberbos” (Lc 1,48.51).

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul

Sejamos agradecidos!

VIDA AGRADECIDA

Há quem caminhe pela vida com ar triste e amargo. O seu olhar está sempre fixo no desanimador. Não têm olhos para ver que, apesar de tudo, o bom é mais abundante do que o mau. Não sabem apreciar tantos gestos nobres, belos e admiráveis que acontecem todos os dias em qualquer parte do mundo. Talvez eles vejam tudo como escuro porque projetam nas coisas a sua própria escuridão.

Outros vivem sempre numa atitude crítica. Passam a vida observando o negativo que há ao seu redor. Nada escapa ao seu julgamento. Consideram-se pessoas lúcidas, perspicazes e objetivas. No entanto, nunca elogiam, admiram ou agradecem. A sua maneira é destacar e condenar o mal.

Outros percorrem a vida indiferentes a tudo. Só têm olhos para o que serve os seus próprios interesses. Não se deixam surpreender por nada gratuito, não se deixam amar ou abençoar por ninguém. Encerrados no seu mundo, já lhes basta defender o seu pequeno bem-estar, cada vez mais triste e egoísta. Do seu coração nunca brota o agradecimento.

Muitos vivem de forma monótona e aborrecida. A sua vida é pura repetição: o mesmo horário, o mesmo trabalho, as mesmas pessoas, a mesma conversa. Nunca descobrem uma nova paisagem em suas vidas. Nunca têm um novo dia. Nunca lhes acontece nada de diferente que renove o seu espírito. Não sabem amar as pessoas de uma nova maneira. O seu coração não conhece o louvor.

Para viver com gratidão, é necessário reconhecer a vida como boa; olhar para o mundo com amor e simpatia; limpar o olhar carregado de negativismo, pessimismo ou indiferença para apreciar o que há de bom, belo e admirável nas pessoas e nas coisas. Quando São Paulo diz que «fomos criados para louvar a glória de Deus», está dizendo qual é o sentido e a razão mais profundos da nossa existência. No episódio narrado por Lucas, Jesus estranha que apenas um dos leprosos volte dando graças e louvando a Deus. É o único que soube surpreender-se pela cura e reconhecer-se agraciado.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Muito mais felizes

A verdadeira alegria é ser um eterno aprendiz

863 | 11 de outubro de 2025 | Lucas 11,27-28

Na cena anterior, Jesus apresentara suas credenciais como enviado do Pai e agente autorizado do reino de Deus. No fim, advertira os judeus que se diziam libertos e salvos pela lei e as pessoas que haviam sido libertadas por ele do demônio. Não basta ser curado, sentir-se livre das coações e imposições exteriores! É preciso ir além, entrar no dinamismo do Reino de Deus, encetar uma nova caminhada e perseverar nela: ser livre para amar e servir.

Ouvindo o ensino de Jesus aos discípulos e o debate dele com seus opositores, uma mulher anônima expressa o sentimento do povo diante da pregação e das ações de Jesus. Exultando e em alta voz, a mulher sem nome proclama feliz a mulher que gerou e amamentou Jesus. Nas suas palavras, ecoa a exultação de Isabel ao receber a mãe de Jesus em sua casa. Como mulher, essa mulher sem nome sabe da generosidade que uma mãe precisa para gerar, amamentar e educar um filho assim.

Exaltando a mãe de Jesus, esta mulher, e o povo que ela representa, quer exaltar o seu filho, Jesus de Nazaré. Mas Jesus surpreende seus interlocutores alterando o destinatário da bem-aventurança. Para ele, a felicidade não está em gerar e amamentar o Verbo de Deus, mas em ser ouvinte, guardião e praticante atento e perseverante da Palavra de Deus. A felicidade consiste em ser filho e não mãe da Boa Notícia! A verdadeira felicidade é a do discípulo do Reino de Deus.

Para Jesus, grande e feliz é quem se torna ouvinte e discípulo fiel, guardião atento e praticante do Evangelho do Reino de Deus. Assim, a atitude de escuta e serviço à Palavra que vemos em Maria representa o nascimento de uma família diferente, gerada no ventre fecundo da misericórdia vivida como prática cotidiana. A relação mestre-discípulo é mais importante que a relação mãe-filho ou pai-filho. A fraternidade tem prioridade sobre a generatividade. Os vínculos mais relevantes e virtuosos são os vínculos de afeto e de compromisso, e não os de sangue,

Conforme Lucas, guardar a Palavra significa perseverar no Evangelho do Reino de Deus e colocá-lo em prática. E isso fica claro na parábola da semente (8,15), na apresentação da verdadeira família de Jesus (8,21) e na parábola da casa construída sobre o firme alicerce (6,46-49). “Quem tem ouvidos, ouça!” Faz parte da Boa Notícia do Reino de Deus o anúncio incansável, o testemunho coerente e o serviço despojado que caracterizam a vida do missionário.

 

Sugestões para a meditação

§ Releia lentamente estes breves versículos, palavra por palavra, no horizonte de todas as ações de Jesus

§ Acolha estas palavras de Jesus como dirigidas a você, à sua família e à sua comunidade, e permita que elas ecoem com toda a carga de significado que elas carregam

§ Em que medida somos tentados a avaliar as pessoas pela origem, pelo sobrenome, pelo papel social ou pelo poder que tem na Igreja e na sociedade?

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Um reino dividido?

É para sermos livres que Jesus nos libertou!

862 | 10 de outubro de 2025 | Lucas 11,15-26

O foco deste trecho do evangelho segundo Lucas, que está inserido na caminhada decisiva de Jesus a Jerusalém, não é, como pode parecer à primeira vista, uma discussão sobre o exorcismo. O texto sequer descreve a expulsão de demônios. Na verdade, o debate gira em torno da identidade de Jesus e em nome de quem – ou com o dedo de quem – ele combate elimina as forças do mal (simbolizadas no demônio) e inaugura um tempo de justiça e paz.

Nesta cena, os adversários de Jesus propriamente não contestam sua ação libertadora, mas dizem que aquilo que ele faz não passa de “magia negra” ou de conluio com Satanás, e pedem-lhe um sinal espetacular que seja capaz de convencê-los de que ele vem e age efetivamente em nome de Deus. Para Jesus, as ações que libertam e reconstroem pessoas dominadas e oprimidas são sua credencial, são eloquentes sinais do “dedo de Deus”, da irrupção do seu Reino de Deus.

Diante de interlocutores divididos em dois grupos – o povo, que fica maravilhado com o que faz Jesus, e os líderes do judaísmo que o acusam de agir como mediador do diabo – Jesus desenvolve sua autodefesa. Ele afirma que são exatamente as suas ações emancipadoras que o credenciam, e convoca os próprios exorcistas judeus a julgar aqueles que questionam suas ações. Jesus não fez aliança com Satanás, mas é mais forte que ele, e o derrotou definitivamente.

Para ilustrar ou exemplificar o que afirma, Jesus recorre a duas pequenas parábolas: um povo (um reino ou uma família) internamente dividido, e um chefe doméstico dominado e expulso de sua casa por alguém mais forte que ele. O homem mais forte, que vence o senhor da dominação, é Jesus. Ele libertou a família humana do domínio do mal. Diante dele não há neutralidade: ou estamos com ele, ou agimos contra ele. Jesus não é agente ou executivo de satanás, pois se assim fosse, Satanás estaria agindo contra si mesmo e cavando sua própria ruína.

Por fim, Jesus adverte tanto os judeus que se dizem libertos e salvos pela lei como as pessoas que foram libertadas por ele mesmo do demônio. Ele sublinha que não basta ser curado, é preciso ir além, entrar no dinamismo do Reino de Deus e perseverar nele. Caso contrário, quem se considera uma pessoa de “consciência limpa” ou totalmente libertada em Jesus Cristo, pode ser vítima dos próprios caprichos e interesses, e ver-se dominada por desejos contraditórios.

 

Sugestões para a meditação

§ Releia atentamente o texto, observando os detalhes e nuances da discussão sobre as credenciais messiânicas de Jesus

§ Você é capaz de ver nas ações de Jesus, mesmo pequenas, os sinais do Reino de Deus, ou espera apenas grandes milagres?

§ O que você faz para evitar que sua vida, liberta e limpa por Jesus e seu Evangelho, seja de novo ocupada pelo egoísmo?

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O vizinho e o pai

Quem confia no Pai, peregrina na Esperança!

861 | 09 de outubro de 2025 | Lucas 11,5-13

Ontem escutamos e refletimos sobre a oração do Pai-Nosso, que Jesus ensinou aos discípulos a pedido deles mesmos. Mais que propor um texto de oração, Jesus abre aos discípulos e discípulas um horizonte, e os convida a uma atitude de abertura à vontade e ao Reino de Deus, de confiança absoluta no Pai e Deus do Reino, e de reconciliação fraterna. Não se trata de pedir coisas, mas de contar com uma presença amorosa, que cuida, fortalece e orienta.

O trecho que meditamos hoje vem depois do ensino do Pai-Nosso, e reforça a atitude de proximidade, amizade e confiança em Deus como base indispensável da oração cristã. Mais que uma obrigação, a oração é um “espaço pedagógico” que nos ajuda a crescer no conhecimento e na fidelidade à vontade de Deus. Exercitando a oração, o cristão capta e experimenta a bondade e a benevolência de Deus. A oração é abertura ao Reino de Deus, e não um modo de convencer Deus a fazer a nossa vontade.

O texto de hoje é uma espécie de comentário à oração ensinada por Jesus, e sublinha que oração é essencialmente uma relação confiante e amistosa de Jesus e dos seus discípulos e discípulas com Deus, que é Pai. Esta relação amorosa e confiante é ilustrada por Jesus mediante duas comparações muito concretas e conhecidas: a relação de ajuda entre vizinhos; a relação de confiança entre pai e filho.

Para os povos do Oriente, a hospitalidade é sagrada, um dever básico das relações humanas, tanto entre conhecidos como em relação a estrangeiros e desconhecidos. É por isso que, mesmo à noite, o vizinho socorre seu amigo que bate à sua porta: para que ele não falte em relação a esse dever sagrado para com a visita inesperada. Assim é Deus: ele não deixa de atender as necessidades de quem se dirige a ele, ele não deixa um amigo “na mão”, especialmente quando está em jogo a solidariedade.

A segunda metáfora vem do contexto da relação entre pais e filhos. Um pai, mesmo que não seja um modelo de bondade, socorre os filhos em suas necessidades, e faz de tudo para que não lhes falte o necessário, mesmo que nem sempre lhes dê o que desejam. Ninguém, muito menos um pai ou uma mãe, dá cobra ou escorpião quando o filho ou a filha pede peixe ou ovo! Assim, Deus não nega o Espírito Santo àqueles que o pedem. Daí o estímulo a pedir com confiança, mas também buscar, lutar incessantemente, e não por questões de pequena monta: buscar o Reino de Deus, a santificação do nome de Deus, a superação dos males e tentações.

 

Sugestões para a meditação

§ Releia atentamente o texto, ligando-o com a oração de Jesus e prestando atenção às duas comparações

§ Qual é sua atitude ao rezar: desejo de dobrar Deus à sua vontade, fé mecânica e mágica num milagre, ou confiança e abertura ao Reino de Deus?

§ O que poderíamos fazer para ajudar as pessoas e comunidades cristãs a rezar abrindo-se com confiança a Deus e sua vontade?

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Aprender a rezar

Senhor, ensina-nos a intimidade com o Pai!

860 | 08 de outubro de 2025 | Lucas 11,1-4

Um princípio importante que ajuda a interpretar corretamente o sentido de uma cena ou texto do Evangelho é situá-lo no contexto literário no qual está inserido. A cena de hoje, na qual Jesus é interpelado a ensinar seus discípulos a rezar, está situada na sua subida de Jesus e seus discípulos a Jerusalém, onde se daria o confronto definitivo com seus opositores.

Na busca de uma fidelidade serena e perseverante à vontade do Pai, que ama a humanidade e dá prioridade aos pequenos, Jesus sente necessidade de espaços de intimidade com ele. A prática da oração cria e cultiva esse espaço. E Jesus exercita a oração, não como um mestre que quer ensinar, mas como um filho e enviado que deseja cumprir generosamente e fielmente a vontade do Pai num ambiente que se torna cada vez mais hostil e perigoso.

Por isso, em resposta ao pedido dos discípulos, Jesus compartilha seu modo de rezar, centrado na realização da vontade do Pai e na expectativa do seu Reino. Não é uma oração que traz as marcas do medo e da ansiedade, nem uma oração orientada a pedir pequenas coisas e grandes caprichos, mas uma oração que amplia o horizonte do desejo, fazendo-o coincidir com o desejo do Pai.

A oração cristã, aquela praticada e ensinada por Jesus, começa com o ardente desejo de que o Nome do Pai seja santificado, não seja profanado nem usado como desculpa para a indiferença ou justificativa para a opressão. Depois, insiste na única coisa necessária, no tesouro que as traças não corroem, na pérola que vale todos os campos: “Venha a nós o vosso Reino”! É na esteira da busca do Reino de Deus que recebemos tudo aquilo que necessitamos e realmente conta.

Mantendo-se nesse horizonte iluminador e orientador, a oração cristã recolhe e apresenta ao Pai três pedidos, três necessidades humanas prioritárias e tão importantes que não é possível atende-las sem a ajuda dele: o alimento cotidiano na mesa de todos; o perdão dos pecados como dinamismo para perdoar os semelhantes; a força para não cair na tentação de buscar outros reinos, de servir a outros senhores, de abandonar o sonho do Pai. Nada de pedidos egoístas e infantis, ou de coisas que estão ao nosso alcance realizar.

 

Sugestões para a meditação

§ Releia atentamente o texto, procurando acompanhar Jesus em seu momento de diálogo íntimo com o Pai

§ Releia e procure compreender com profundidade, a atitude essencial e os pedidos nucleares da oração ensinada por Jesus

§ Como vai sua vida de oração, qual é o conteúdo predominante nas suas súplicas, louvores e intercessões?

§ A realização do Reino de Deus mediante a partilha do pão, o perdão e a superação das tentações, está no centro da sua oração?

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Nossa Senhora do Rosário

Maria, modelo de serviço a Deus e à Humanidade

859 | 06 de outubro de 2025 | Lucas 1,26-38

A festa de Nossa Senhora do Rosário fui instituída em 1571, pelo Papa Pio V, para celebrar a vitória romana sobre o exército turco nas águas de Lepanto, ocorrida no dia 7 de outubro daquele ano. Pio V foi também o responsável pela promoção do rosário, como forma de piedade e espiritualidade. Esse exercício devocional mariano, até então conhecido em apenas alguns pequenos círculos religiosos, foi estendido e recomendado à Igreja universal em 1716.

No texto de Lucas escolhido para iluminar a celebração de hoje, o papel central é do Anjo Gabriel, e o clima em toda a narração é de intenso júbilo. O Mensageiro de Deus saúda Maria com uma expressão típica para dizer “Esteja bem! Tudo de bom para você!” O anjo Gabriel diz que o “charme” (graça) dela encantou o próprio Deus. É claro que o mensageiro de Deus não está se referindo à formosura física, nem à sua possível perfeição moral de Maria, mas à sua humanidade, original e sem pecado, como a criação saída das mãos de Deus.

Maria se mostra acolhedora, disponível e confiante em Deus e à sua vontade. E isso significa que o pecado (egoísmo, ostentação, fechamento, indiferença) não tem lugar em suas decisões, ações e projetos. Ela é a imagem da humanidade como Deus a quis, da pessoa humana madura na qual brilha a imagem de Deus, conforme foi criada. A virgindade de Maria, tão preciosa para a Igreja Católica, não aponta para uma espécie de supremacia moral, nem para algo como a meritocracia, mas para sua radical pobreza, impotência e abertura ao projeto de Deus.

É verdade que Maria é uma pessoa acolhedora, disponível e serviçal diante da Palavra de Deus, mas isso não significa que ela seja uma mulher passiva, sem personalidade e sem iniciativa. Antes, a cena narrada por Lucas nos mostra uma mulher atenta e reflexiva. Ela pede explicações, interroga o Anjo, quer compreender. Corajosa, Maria vai descobrindo lentamente a misteriosa ação que Deus realiza nela e através dela dando beleza, prioridade e grandeza aos humildes e marginalizados. Quem ama torna-se criativo, toma iniciativas, não pode ser indiferente.

Dizendo que “o poder do altíssimo a cobrirá com sua sombra”, o Anjo se refere à nuvem/sombra que escondia e manifestava a glória de Deus no êxodo do povo hebreu, e apresenta Maria como tenda da presença de Deus no mundo. Maria prefigura o novo poro de Deus, como o outro, vindo da periferia.

 

Sugestões para a meditação

§ Releia atentamente o texto, imaginando-se presente e ativo na anunciação, num lugar perdido e obscuro da Galileia

§ Tome como dirigidas a você as palavras do Anjo: “Alegra-te, cheia/o de graça! O Senhor está contigo! Não tenhas medo! Encontraste graça diante de Deus!”

§ Acolha estas palavras como o horizonte e o fundamento da sua vocação e missão na Igreja e no mundo

domingo, 5 de outubro de 2025

A lei e a compaixão

O que nos salva é a compaixão livre e generosa

858 | 06 de outubro de 2025 | Lucas 10,25-37

Por trás da pergunta que o mestre da lei dirige a Jesus sobre como ganhar a vida eterna está uma ideia muito particular sobre o significado da salvação e o caminho que conduz a ela. Não esqueçamos que a discussão que perpassa os evangelhos é sobre o caminho mais direto e seguro para salvação: seria a submissão à lei, como ensinavam os escribas e fariseus, ou haveria outro caminho?

Para Jesus, o caminho da salvação não passa pelo cumprimento escrupuloso da lei, mas pela compaixão com todas vítimas e sofredores, mediante ações concretas de solidariedade. Na vida de Jesus, e na vida de quem o segue, não há lugar para a indiferença diante do sofrimento humano. Para ele, o amor pleno a Deus se concretiza na ação impostergável e generosa, sem agenda, em benefício das vítimas e de todas as pessoas necessitadas. Esta é a reposta de Jesus ao doutor da lei.

Mas a pergunta dele também a verdadeira discussão, que é sobre quem é o nosso próximo. Ressoam aqui as perguntas do primeiro livro das escrituras sobre “onde está o meu irmão?” e “o que eu tenho a ver com ele?” Quem repete estas perguntas e não toma uma atitude concreta perdeu o rumo e o ritmo da vida cristã. Como resposta, Jesus não acrescenta mais uma norma ao monte de leis que existiam, mas estabelece uma perspectiva nova e exigente de toda lei que queira ter fundamento.

Para Jesus, a solidariedade concreta e desinteressada substituiu todas as leis, e vale mais que culto e as instituições. E o samaritano – considerado herético, bastardo e impuro pelos judeus de Jerusalém – está mais próximo de Deus que o sacerdote e o levita, porque se aproxima da pessoa ferida e se compadece dela, enquanto que o sacerdote e o levita, obcecados pelas leis e pelo templo, se afastam dela. Há uma oposição entre fazer-se próximo e afastar-se sem se importar.

Jesus inverte a pergunta do especialista da lei, e pergunta pelo sujeito e não pelo objeto do amor ao próximo. Com a parábola Jesus não quer apresentar apenas um belo exemplo, mas abrir uma nova perspectiva. O amor concreto e solícito é definido e na nossa resposta à pessoa necessitada, que pode ser até inimiga. O amor nos faz livres e criativos! O paradoxo é que o protótipo do amor salvífico é a pessoa mais desprezada, e o doutor da lei deve imitá-lo...

 

Sugestões para a meditação

§ Releia atentamente o texto, observando a astúcia do escriba e a sabedoria espiritual e humana de Jesus

§ Visualize a cena da parábola e participe dela, lembrando que os samaritanos eram desprezados e os sacerdotes idealizados

§ Será que nós também não nos distraímos e dispensamos do amor ao próximo em discussões estéreis sobre quem são eles?

§ Em que medida nós e nossas comunidades não deixamos de lado a compaixão para priorizar as leis e o culto?