quinta-feira, 16 de julho de 2015

Compaixao pelo povo

COMO OVELHAS SEM PASTOR

Os discípulos, enviados por Jesus para anunciar o Seu Evangelho, voltam entusiasmados. Falta-lhes tempo para contar ao Seu Mestre tudo o que fizeram e ensinaram. Pelo que parece, Jesus quer escutá-los com calma e convida-os a retirar-se «a sós para um sítio tranquilo para descansar um pouco».
As pessoas necessitadas alteram todo o plano. De todas as aldeias correm a procurá-Lo. Já não é possível aquela reunião tranquila que tinha projetado Jesus a sós com os Seus discípulos mais próximos. Quando chegam ao lugar, a multidão invadiu tudo. Como reagirá Jesus?
O evangelista descreve com detalhe a Sua atitude. A Jesus nunca Lhe incomoda as pessoas. Fixa o Seu olhar na multidão. Sabe olhar, não só às pessoas concretas e próximas, mas também a essa massa de gente formada por homens e mulheres sem voz, sem rosto e sem importância especial. E isso desperta Nele a compaixão. Não o pode evitar. «Teve compaixão deles». Leva-os a todos muito dentro do Seu coração.
Nunca os abandonará. «Vê-os como ovelhas sem pastor»: pessoas sem guias para descobrir o caminho, sem profetas para escutar a voz de Deus. Por isso, «começou a ensina-los com calma», dedicando-lhes tempo e atenção para alimentá-los com a Sua Palavra curadora.
Um dia teremos que rever ante Jesus, nosso único Senhor, como olhamos e tratamos a essas multidões que se estão afastando pouco a pouco da Igreja, talvez porque não escutam entre nós o seu Evangelho e porque já não lhes diz nada os nossos discursos, comunicados e declarações.
Pessoas simples e boas que estamos decepcionando porque não vêem em nós a compaixão de Jesus. Crentes que não sabem a quem acudir nem que caminhos seguir para encontrar-se com um Deus mais humano que o que se apercebem entre nós. Cristãos que se calam porque sabem que a sua palavra não será tida em conta por ninguém importante na Igreja.
Um dia o rosto desta Igreja mudará. Aprenderá a atuar com mais compaixão; esquecerá os seus próprios discursos e escutará o sofrimento das pessoas. Jesus tem força para transformar os nossos corações e renovar as nossas comunidades.

José Antonio Pagola

Bom amigo, bom pastor

As figuras da ovelha e do pastor

 As figuras da ovelha e do pastor de ovelhas são símbolos muito conhecidos do povo de Deus. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento elas aparecem várias vezes. No Antigo Testamento Deus mesmo é o pastor que busca, apascenta, protege e cuida do seu rebanho, seu povo. Assim o lemos em Jeremias 23.
Foi nesta mesma confiança que o autor do Salmo 23 confessou: O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. No Novo Testamento Jesus se torna o bom pastor, que conhece as suas ovelhas e as ama tanto que dá a vida por elas. O rebanho é formado pelos seus discípulos, seus seguidores, os que creem em Cristo, na igreja, o povo que foi reconciliado com Deus e passa a fazer parte de uma nova família. Assim o afirma o texto de Efésios 2.
É esta também a imagem, ou seja, a ilustração que aparece em nosso texto. Jesus se relaciona com os discípulos e com o povo como um bom pastor. Trata uns e outros como parte de um rebanho de ovelhas. Sobre como acontece este relacionamento entre o pastor e as ovelhas é o que queremos meditar.

1. Jesus, como pastor, com os discípulos!
Voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lhe relataram tudo quanto haviam feito e ensinado. E ele lhes disse: venham repousar um pouco à parte; num lugar deserto (v.30s). É importante notar que os discípulos aqui são chamados de apóstolos. Esta troca de termos é ilustrativa. Discípulo é aquele que foi chamado para seguir a Jesus. Apóstolo é aquele que foi enviado por Jesus para testemunhar e ensinar as verdades do Reino de Deus.
Isso mostra que o discipulado cristão e a vivência da nossa fé acontecem nesta dupla relação entre a comunhão com o Senhor e o serviço no mundo! Os discípulos, que haviam sido enviados para anunciar a mensagem do Reino de Deus, agora voltam e relatam tudo o que fizeram, ensinaram e experimentaram. E Jesus ouve atentamente o que eles têm a dizer. Jesus ouve e se interessa pelos seus discípulos.

Depois de ouvir o relato dos enviados, Jesus conclui que eles precisam de uma folga, de um tempo de recolhimento para descanso e avaliação. Venham a um lugar deserto para descansar um pouco. (v.31). E foram sós para um lugar deserto (v.32). Os discípulos estão cansados, eles não tiveram tempo nem para comer. Mas Jesus, como bom pastor, é sensível a esta necessidade de seus seguidores. Ele convida para o recolhimento e oferece descanso. Venham a mim todos aqueles que estão cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei. Assim ele disse em outra oportunidade (Mt 11.28). Será que este convite de Jesus para a quietude, o recolhimento e descanso poderia valer também para você?
A seguir, o texto dirige a atenção ao povo. Conforme ouvimos, era muita gente. E eram enormes as suas carências. As pessoas precisam de alimento e saúde e por isso correm atrás de Jesus (v.33). Levam a ele os enfermos (v. 55). Assim, ao desembarcar, Jesus vê uma multidão e se compadece das pessoas, porque reconhece que elas são como ovelhas que não têm pastor (v.34). É um povo desamparado e desorientado. Mas Jesus tem um coração sensível para as suas necessidades. Assim chegamos ao segundo ponto da nossa reflexão.

2. Jesus, como pastor, com a multidão!
Como vive uma ovelha sem pastor? Ovelhas são animais muito dóceis e sociáveis. Mas também são animais muito frágeis e sensíveis. A saúde e a sobrevivência de um rebanho dependem basicamente dos cuidados do seu pastor. Jesus afirma que a multidão que ele encontra está como ovelhas sem pastor. Ovelhas sem pastor enfrentam sérios problemas: a) Ficam expostas a muitos perigos - pragas, ataques de moscas ou animais ferozes; b) Ficam famintas e sedentas - pois não encontram pastagem; c) Vivem inseguras porque perdem o rumo a seguir.
Certo criador de ovelhas ensinava que uma ovelha precisa ter supridas três necessidades para que possa descansar e procriar: Ela precisa sentir-se segura; alimentada e livre do atrito com as demais ovelhas do rebanho. O pastor de ovelhas tem exatamente estas funções: deve proteger, guiar e alimentar o rebanho, bem como cuidar das ovelhas feridas e buscar as ovelhas perdidas. Sem estas necessidades supridas, as ovelhas ficam aflitas, angustiadas, cansadas, exaustas.
Um rebanho de ovelhas sem pastor está perdido. Uma história pode ilustrar isso. Aconteceu na Europa. Um rebanho de ovelhas perdidas e desorientadas invadiu uma autoestrada. A confusão no trânsito foi geral. A polícia corria atrás das ovelhas e não conseguia reunir as coitadas. Até que chamaram o pastor responsável por aquele rebanho. Este se aproximou e começou a chamar as ovelhas. Três minutos depois ele tinha reunido todo o rebanho e a autoestrada foi liberada.
Algo semelhante acontece com a multidão aqui avistada por Jesus. Estão como ovelhas sem pastor. Por isso correm atrás de Jesus e dos discípulos. Veem na mensagem de Jesus um sinal de esperança e de orientação. E Jesus se coloca ao seu lado como um bom pastor. Sua tarefa é reunir o rebanho, proteger as ovelhas e conduzi-las em segurança para a salvação. Por isso Jesus mostra-se sensível às necessidades do povo. Ele sente compaixão da multidão. Os discípulos estão próximos de Jesus, mas a multidão está abandonada. Por isso precisa de mais atenção do que os discípulos.
Amados irmãos e irmãs! Qual é a sua situação? Você está entre o grupo dos discípulos ou entre a multidão desorientada como ovelha sem pastor? Seja qual for a sua situação, Jesus é aquele que nos acolhe, convida e chama para o discipulado para então nos enviar ao mundo a fim de testemunhar o seu amor e proclamar a mensagem do Reino de Deus.
Como cristãs e cristãos e como comunidade vivemos a nossa fé neste duplo relacionamento. Por um lado é importante nos reunirmos em culto e participarmos nas demais atividades da Igreja. Nestes encontros aprofundamos nossa comunhão com o Senhor, nos fortalecemos na fé e nos auxiliamos uns aos outros. Por outro lado é importante e necessário que voltemos nosso olhar para fora dos muros da Igreja. Pois ainda há muita gente que vive abandonada e desorientada. Há muitas ovelhas desgarradas e rebanhos sem pastor.
O mundo precisa de discípulos que anunciam a misericórdia de Deus para com aqueles que sofrem. Ainda há muita ovelha sedenta e faminta que precisa ouvir o Evangelho de nosso senhor Jesus Cristo. Como discípulos de Jesus, somos convidados a ver e ouvir as ovelhas desgarradas, desviadas, perdidas, aflitas, desorientadas e desesperadas do nosso tempo. Vamos olhar para estas ovelhas com os olhos da compaixão e anunciar a elas que o Reino de Deus está próximo, que o próprio Deus está perto de nós através de seu Filho Jesus Cristo.
Que Deus nos ajude e nos dê a mesma alegria experimentada pelos primeiros discípulos, no cumprimento da nossa missão. Que assim seja.

P. Germanio Bender
http://www.cebi.org.br/noticias.php?noticiaId=5817

Morreu Arturo Paoli

Partiu o homem que sempre esperava o advento de Deus

Ele fez de tudo na vida. Na juventudo foi ateu e marxista. Mas de repente se converteu. Ordenou-se padre durante a guerra. Logo entrou na Resistência contra os nazistas. Em 1949 fizeram-no Assistente da Juventude da Ação Católica. Mas seus métodos libertários não agradaram o do status quo eclesiśtico e o mandaram acompanhar emigrantes italianos que vinham de navio à Argentina.
Na viagem encontrou um Irmãozinho de Jesus, seguidor de Charles de Foucault, cujo carisma é viver no mundo entre os mais pobres. Iniciou-se na Argélia junto ao deserto e entrou na luta de liberação contra a dominação francesa. Depois foi enviado à Argentina. Por anos trabalhou como operário com madeireiros. Foi ao Chile de Pinochet, mas logo seu nome estava na lista: “quem encontrar um desses, pode eliminar”. Esteve por um tempo na Venezuela, mas acabou por instalar-se no Brasil, na periferia de São Leopoldo (RS) e, mais tarde, em Foz do Iguaçu, onde criou várias iniciativas para os pobres, com ervas medicinais, fazenda didática para jovens desamparados e outras organizações populares que ainda persistem hoje.
Teve muitos reconhecimentos que quase sempre rejeitava. Mas o mais importante foi em 29 de novembro de 1999, em Brasília, quando embaixador israelense lhe conferiu a maior comenda a não judeus: “justo entre as nações”. Durante a guerra criou com outros uma rede clandestina que salvou 800 judeus.
Fez-se monge sem sair do mundo, mas sempre dentro do mundo dos lascados e humilhados. Todo o tempo livre dedicava-o à oração e à meditação. Durante o dia recitava mantras e jaculatórias. Foi uma das figuras mais impressionantes que passaram por minha vida, com uma retórica de ressuscitar mortos. Éramos amigos-irmãos.
Estranhamente tinha um jeito próprio de rezar. Foi ele que me contou. Pensava: se Deus se fez gente em Jesus, então foi como nós: fez chichi, cocô, choramingava pedindo peito, fazia biquinho com o que o incomodava como a fralda molhada. No começo, pensava ele, Jesus teria gostado mais de Maria, depois mais de José, coisas que Freud e Winnicott explicam. E foi crescendo como nossas crianças, brincando com as formigas, correndo atrás dos cachorrinhos e, maroto, roubava frutas do quintal do vizinho.
Esse estranho místico, rezava à Nossa Senhora imaginando como ninava Jesus, como lavava no tanque as fraldinhas sujas e como cozinhava o mingau para o Menino e as as comidas fortes para o seu marido carpinteiro, o bom José. E se alegrava interiormente com tais matutações porque assim devia ser pensada a encarnação do Filho de Deus, na linha do Papa Francisco, não como doutrina fria, mas como fato concreto. Sentia e vivia tais coisas na forma de comoção do coração. E chorava com frequência de alegria espiritual.
Por onde chegava, criava sempre ao seu redor uma pequena comunidade na pior favela da cidade. Tinha poucos discípulos. Apenas três que acabavam indo todos embora. Achavam dura demais aquela vida e ainda deviam meditar durante o dia, no trabalho, na rua, na visita aos casebres mais decaídos.
Só, agregou-se então a uma paróquia que fazia trabalho popular. Trabalhava com os sem-terra e com os sem-teto. Corajoso, organizava manifestações públicas em frente à prefeitura e puxava ocupações de terrenos baldios. E quando os sem-terra e sem-teto conseguiam se estabelecer, fazia belas “místicas” ecumênicas com o faz sempre o MST. Mas todos os dias, por volta das 10 da noite, se enfurnava na igreja escura. Apenas a lamparina lançava lampejos titubeantes de luz, transformando as estátuas mortas em fantasmas vivos e as colunas eretas, em estranhas bruxas. E lá se quedava até às 23 horas. Todas as noites. Impassível, olhos fixos no tabernáculo.
Um dia fui procurá-lo na igreja. Perguntei-lhe de chofre:   ‘meu irmão Arturo, você sente Deus, quando depois dos trabalhos, se mete a rezar aqui na igreja? Ele te diz alguma coisa”? Com toda a tranquilidade, como quem acorda de um sono profundo, apenas disse: “Eu não sinto nada. Há muito tempo que não escuto sua voz. Já senti um dia. Era fascinante. Enchia meus dias de música e de luz. Hoje não escuto mais nada. Sofro com a escuridão. Talvez Deus não queira me falar nunca mais.” E então, retruquei eu, “por que continua, todas as noites, aí na escuridão sagrada da igreja”? “Eu continuo”, respondeu, “porque quero estar sempe disponível. Se Ele quiser se manifestar, sair de Seu silêncio e falar, eu estou aqui para escutar. E se Ele, de fato, quiser falar e eu não estiver aqui? Pois, cada vez, ele vem somente uma única vez. Como outrora”.
Saí maravilhado e meditativo por tanto disponibilidade. É por causa dessas pessoas, místicas anônimas, que a Casa Comum, no dizer do Papa Francisco, não é destruída e Deus continua com sua misericórdia sobre a humana perversidade. Elas vigiam e esperam, contra toda a esperança, o advento de Deus que talvez nunca aconteçará. Mas são os pára-raios divinos que recolhem a graça que, silenciosamente, se difunde pelo universo e faz que Deus continue a nos dar o sol e todas as estrelas e penetre fundo no coração de todos os vivem na Casa Comum. E se Deus aparecer haverá gente disponível para ouvi-lo. E chorarão de alegria.
Seu nome é Arturo Paoli que com 102 anos foi finalmente  ver e escutar Deus que lhe falará por toda a eternidade, no dia 13 de julho de 2015 onde vivia em San Martino in Vignale nas colinas de Lucca, Itália.

Leonardo Boff 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

DÉCIMO QUINTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 12.07.2015)

Fiel a Jesus, a Igreja precisa viver em ritmo de missão!

Ainda está viva na nossa memória a recepção pouco positiva que a comunidade de Nazaré dispensou a Jesus, narrada no evangelho do último domingo. O impacto provocado pela sua sabedoria logo se transformou em escândalo por causa da sua origem humilde. Mas isso não é um mero acidente de percurso: este é o método missionário de Jesus! Ele envia os discípulos recomendando despojamento e humildade, pedindo que tomem parte na sua missão. A comunidade cristã é uma assembléia de pessoas chamadas e enviadas, e Paulo diz que Deus nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos e sem ambigüidades no amor, e o amor é a dinâmica e o coração da missão.
A palavra Igreja significa etimologicamente assembléia ou reunião. A Igreja é uma autêntica assembléia de Deus, convocada e reunida por ele e em nome dele. Esta assembléia o representa no mundo. A razão de ser da Igreja é deixar-se enviar, colocar-se a caminho, assumir uma missão no mundo, continuar a própria missão iniciada por Jesus Cristo. Ela é uma assembléia de pessoas enviadas, uma comunidade em missão. Isso significa que a Igreja não é uma sociedade voltada para si mesma, auto-referencial, como fala o Papa Francisco. Ela é uma espécie de movimento para fora, uma entidade ex-cêntrica.
Preparar-se e capacitar-se para a missão que recebemos é sinal de responsabilidade pessoal e de apreço pelos destinatários do serviço que realizamos. No caso da missão que Jesus Cristo confia à comunidade cristã, a preocupação exagerada com os meios e com os recursos não deve travar as iniciativas nem adiar os projetos. O que é indispensável é o mergulho pessoal no Evangelho de Jesus Cristo e a disposição de partilhar gratuitamente a liberdade que de graça recebemos. Como Jesus, seus discípulos não devem se preocupar demais com meios poderosos e técnicas especiais.
Com isso não queremos dizer que a preparação espiritual e intelectual não seja necessária, mas ressaltar que não devemos colocar aquilo que é secundário no lugar do que é primário. Sem a experiência de fé e a liberdade que despoja e simplifica não há curso ou instrumento multimídia que possa ajudar. Sem a atitude de irmão e companheiro não existe missão frutuosa. A vocação missionária não é uma profissão que traz benefícios ou prosperidade individual, mas uma força desestabilizadora com uma dimensão profética, o que nem sempre a faz aceita e aplaudida.
Anunciar “Jesus te ama e te salva!...” é bonito e verdadeiro, mas é pouco e insuficiente. É uma pena que haja missionários que imaginam que se faz necessário defender Jesus diante de um mundo indiferente ou resistente à religião. É o povo de Deus, e não Jesus, que precisa de defensores! E há outros que esquecem que a missão tem uma dimensão ativa, transformadora, libertadora: expulsar demônios, curar doentes, etc. Isso não significa virar exorcista ou curandeiro, mas de criar condições para que as pessoas diminuídas, menosprezadas e oprimidas recuperem plenas condições de vida.
Em cada situação precisamos identificar quem são as pessoas e grupos aos quais são negadas as possibilidades de uma vida plena e agir em favor delas. Mas, por mais que as ações espetaculares de expulsar os demônios e curar os doentes impressionem, a dimensão transformadora e libertadora da missão cristã se mostra melhor noutras iniciativas que dão menos ibope: na corajosa ação da CPT; no delicado e respeitoso trabalho do CIMI; na impressionante atividade da Pastoral da Criança; no ingrato trabalho da Pastoral Carcerária; na anônima dedicação da Pastoral da Saúde...
É uma verdade central da nossa fé que, em Cristo, Deus nos abençoou abundantemente e nos escolheu ainda antes de criar o mundo para sermos pessoas maduras e íntegras no amor. Ele também abriu nossa mente à compreensão do mistério de sua santa vontade, nos adotou como filhos e filhas e nos introduziu na lista dos seus herdeiros. E isso não é pouco, coisa abstrata ou algo para um futuro incerto. O que não podemos é pensar que isso seja mérito ou privilégio. Somos filhos e herdeiros porque ele é bom, nos ama e nos acolhe sem levar em conta nossas ambigüidades e limites.
Jesus Cristo, profeta de Nazaré e missionário do Pai! Tu nos ensinas que a vontade mais genuína do teu e nosso Pai é que o amor e a fidelidade se encontrem, a justiça e a paz se abracem, a fidelidade brote da terra e  a justiça se incline do céu. É isso que tu pedes que anunciemos e realizemos enquanto Igreja discípula e missionária. Por isso, confiantes, te pedimos pelos servidores e servidoras da Palavra, por aqueles cuja missão é, na medida do possível, atrair as pessoas a ti: abençoa o trabalho deles, de modo que realizando-o possam também eles ser atraídos a ti e confirmados na alegria. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Amós 7,12-15 * Salmo 84 (85) * Carta aos Efésios 1,3-14 * Evangelho de Marcos 6,7-13)

Um estilo de vida missionario

PARA UM EXAME COLETIVO

Jesus não envia os seus discípulos de qualquer maneira. Para colaborar no Seu projeto do reino de Deus e prolongar a Sua missão é necessário ter um estilo de vida. Se não é assim, poderão fazer muitas coisas, mas não introduzir no mundo o Seu espírito. Marcos recorda-nos algumas recomendações de Jesus. Destacamos algumas.
Em primeiro lugar, quem são eles para atuar em nome de Jesus, qual é a sua autoridade? Segundo Marcos, ao enviá-los, Jesus «dá-lhes autoridade sobre os espíritos imundos». Não lhes dá poder sobre as pessoas que irão encontrar no seu caminho. Tampouco Ele utilizou o Seu poder para governar mas para curar.
Como sempre, Jesus pensa num mundo mais sadio, libertado das forças malignas que escravizam e desumanizam o ser humano. Os Seus discípulos introduzirão entre as pessoas a Sua força curadora. Abrirão caminho na sociedade, não utilizando um poder sobre as pessoas, mas humanizando a vida, aliviando o sofrimento das pessoas, fazendo crescer a liberdade e a fraternidade.
Levarão apenas «bastão» e «sandálias». Jesus imagina-os como caminhantes. Nunca instalados. Sempre em caminho. Não atados a nada nem a ninguém. Só com o imprescindível. Com essa agilidade que tinha Jesus para fazer-se presente ali onde alguém o necessitasse. O báculo de Jesus não é para mandar, mas para caminhar.
Não levarão «nem pão, nem alforges, nem dinheiro». Não hão de viver obcecados pela sua própria segurança. Levam consigo algo mais importante: o Espírito de Jesus, a Sua Palavra e a Sua Autoridade para humanizar a vida das pessoas. Curiosamente, Jesus não pensa no que têm de levar para serem eficazes, mas no que não hão de levar. Para que não aconteça que um dia se esqueçam dos pobres e vivam encerrados no seu próprio bem-estar.
Tampouco levarão «túnicas para mudar». Vestirão com a simplicidade dos pobres. Não levarão vestes sagradas como os sacerdotes do Templo. Tampouco vestirão como João Baptista na solidão do deserto. Serão profetas no meio das pessoas. A sua vida será sinal da proximidade de Deus a todos, sobretudo, aos mais necessitados.
Atrever-nos-emos algum dia a fazer no seio da Igreja um exame colectivo para deixar-nos iluminar por Jesus e ver como, sem quase nos darmos conta, nos temos afastado do Seu espírito?

José Antônio Pagola

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O Papa Francisco e o ambiente

Papa Francisco: zeloso cuidador da Casa Comum

Tempos atrás escrevemos que o Papa Francisco por causa do patrono que lhe inspirou o nome – Francisco de Assis – teria tudo para ser o grande promotor de uma proposta ecológica mundial. Devia ser ele, pois, lamentavelmente faltam-nos líderes com autoridade e com palavras e gestos convincentes que despertem a humanidade, especialmente, as elites dirigentes, para as ameaças que afetam o destino comum da Terra e da Humanidade e para a responsabilidade coletiva e diferenciada de salvaguardá-lo para todos.
Eis que este desiderato se realizou plenamente com a publicação da encíclica “Laudato si’: cuidar da Casa Comum”. Oferece-nos um texto de grande amplitude – a ecologia integral – de rara beleza intelectual e espiritual, unindo o que era tão caro a São Francisco de Assis e também a Francisco de Roma: o comportamento de cuidado para com a irmã e mãe Terra e um amor preferencial para os condenados da Terra.
Esta conexão atravessa todo texto como um fio condutor. Não há verdadeira ecologia, de expressão nenhuma, seja ambiental, social, mental e seja integral, caso não resgate a humanidade humilhada dos milhões de empobrecidos de nossa história, naqueles nos quais a Terra como mãe é mais agredida e ofendida. O Papa Francisco comparece como zeloso cuidador da Casa Comum. Mostra-se extremamente coerente com a marca registrada da Igreja da libertação latino-americana com sua correspondente teologia que é a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da justiça social e de sua libertação. O oposto da pobreza não é a riqueza. É a justiça social de proporções estruturais e mundiais. A forma mais adequada para enfrentar esta pobreza é a ecologia integral que articula “tanto o grito da Terra quanto o grito do pobre”(n. 49).
A ecologia significa mais que um mero gerenciamento dos bens e serviços escassos da natureza. Ela representa um novo estilo de viver, uma arte nova de habitar diferentemente a Casa Comum de tal forma que todos possam caber nela. Não somente os humanos, o que configuraria o antropocentrismo duramente criticado pela encíclica (nn.115-121), mas todos os seres vivos e inertes, especialmente a grande comunidade de vida que sofre pesada erosão da biodiversidade por causa do predomínio da tecnocracia. Este é um outro nome para identificar o principal causador da crise ecológica globalizada: a fúria produtivista e consumista, digamos nós, numa palavra que o Papa não usa, pelo capitalismo selvagem que visa a acumular de forma ilimitada à custa da devastação da natureza, do empobrecimento das pessoas e do risco de uma mega-catástrofe ecologico-social. Este sistema impõe a todos um comportamento, como enfatiza o Papa que “parece “suicida” (n. 55).
Esta vinculação entre o Grande Pobre (a Terra) e os pobres, como desde cedo o viram os teólogos da libertação, se justifica porque vivemos tempos de extrema urgência: a pisada ecológica da Terra foi já ultrapassada em mais de 30%. A Terra precisa de um ano e meio para repor o que lhe subtraímos pelos nosso consumo durante um ano.
Esta dado nos coloca a questão de nossa sobrevivẽncia coletiva. Temos que mudar se quisermos evitar o abismo. Daí a questão central que a encíclica coloca é: como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra? A resposta é com o cuidado, a fraternidade universal, o respeito a cada ser pois possui valor intrínseco e com a aceitação da interelação de todos com todos.
Neste particular, Francisco de Roma foi buscar inspiração num exemplo vivo e não teórico, em Francisco Assis. Explicitamente diz: “Creio que Francisco seja um exemplo por excelência do cuidado por tudo o que é débil e de uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade” (n.10).
Todos os biógrafos do tempo (Celano, São Boaventura, citados pela encíclica) atestam “o terníssimo afeto que nutria para com todas as criaturas”; “dava-lhe o doce nome de irmãos e irmãs de quem adivinhava os segredos, como quem já gozava da liberdade e da glória dos filhos de Deus”. Libertava passarinhos das gaiolas, cuidava de cada animalzinho ferido e chegava pedir aos jardineiros que deixassem um cantinho livre, sem cultivá-lo, para que as ervas daninhas, ai pudessem crescer, pois todas “elas também anunciam o formosíssimo Pai de todos os seres”.
O Papa adverte que isso não é “um romanticismo irracional, porque influencia sobre as escolhas que determinam nosso comportamento” (n.11). Se não usarmos a linguagem do encantamento, da fraternidade e da beleza em relação com o mundo, “os nossos comportamentos serão aqueles do dominador, do consumidor ou do mero desfrutador dos recursos naturais, incapaz de impôr limites a seus intereses imediatos” (n. 11)
Aqui transparece um outro modo-de-estar no mundo, diferente daquele da modernidade tecnocrática. Nesta, o ser humano está sobre as coisas como quem as possui e domina. O modo-de-estar de Francisco é colocar-se junto com elas para conviver como irmãos e irmãs em casa. Ele intuíu misticamente o que hoje sabemos por um dado de ciência: todos somos portadores do mesmo código genético de base; por isso um laço de consanguinidade nos une, fazendo-nos parentes, primos e irmãos e irmãs uns dos outros; daí a importância de nos respeitarmos e de nos amarmos mutuamente e jamais usarmos de violência entre nós e contra os demais seres, nossos irmãos e irmãs. Esse modo de ser nos poderá abrir um caminho de superação da crise ecológica global.

Leonardo Boff

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Jesus e sua familia em Nazaré

Onde não há fé, Jesus não pode fazer milagre!
Marcos 6,1-13

I. SITUANDO
Nos sete Círculos deste bloco (Mc 3,13-6,13), cresceu o conflito e apareceu o mistério de Deus que envolvia a pessoa de Jesus. Agora, chegando no fim, a narração entra numa curva. Começa a aparecer uma nova paisagem. O texto que meditamos neste encontro é um resumo do segundo bloco e faz a ligação com o terceiro bloco (Mc 6,14 a 8,21). Ele tem duas partes bem distintas, como os dois pratos da balança. A primeira descreve como o povo de Nazaré se fecha frente a Jesus (Mc 6,1-6). A segunda descreve como Jesus se abre para o povo da Galileia enviando os discípulos em missão (Mc 6,7-13).
No tempo em que Marcos escreveu o seu evangelho, as comunidades cristãs viviam uma situação difícil, sem horizonte. Humanamente falando, não havia futuro para elas. A descrição do conflito que Jesus viveu em Nazaré e do envio dos discípulos, que alargava a missão, despertava nelas a criatividade. Pois para quem crê em Jesus não pode haver uma situação sem horizonte.
II. COMENTANDO
Marcos 6,1-3: Reação do povo de Nazaré frente a Jesus
É sempre bom voltar para a terra da gente. Após longa ausência, Jesus também voltou e, como de costume, no dia de sábado, foi para a reunião da comunidade. Jesus não era coordenador, mesmo assim ele tomou a palavra. Sinal de que as pessoas podiam participar e expressar sua opinião. Mas o povo não gostou das palavras dele e ficou escandalizado. Jesus, um moço que eles conheciam desde criança, como é que ele agora ficou tão diferente? O povo de Cafarnaum tinha aceitado o ensinamento de Jesus (Mc 1,22), mas o povo de Nazaré se escandalizou e não aceitou. Motivo? “Esse não é o carpinteiro, filho de Maria?” Eles não aceitaram o mistério de Deus presente num homem comum como eles! Para poder falar de Deus ele teria que ser diferente deles!
Como se vê, nem tudo foi bem-sucedido. As pessoas que deveriam ser as primeiras a aceitar a Boa-nova, estas são as que se recusam a aceitá-la. O conflito não é só com os de fora de casa, mas também com os parentes e com o povo de Nazaré. Eles recusam, porque não conseguem entender o mistério que envolve a pessoa de Jesus: “De onde vem tudo isso? Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Ele não é o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?” Não deram conta de crer. Sobre a expressão “Irmãos de Jesus” veja o Alargando do Círculo 8.
Marcos 6,4-6a: Reação de Jesus diante da atitude do povo de Nazaré
Jesus sabe muito bem que “santo de casa não faz milagre”. Ele diz: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família!” De fato, onde não existe aceitação nem fé, a gente não pode fazer nada. O preconceito o impede. Jesus, mesmo querendo, não pôde fazer nada. Ele ficou admirado da falta de fé deles.
Marcos 6,6b-13: Envio dos doze para a missão
O conflito cresceu e tocou de perto a pessoa de Jesus. Como ele reage? De duas maneiras. 1) Diante do fechamento da sua família e do seu povoado, Jesus deixou Nazaré de lado e começou a percorrer os povoados nas redondezas. 2) Ele abriu a missão e intensificou o anúncio da Boa-nova. Chamando os doze, os enviou com as seguintes recomendações: deviam ir dois a dois, receberam poder sobre espíritos maus, não podiam levar nada no bolso, não deviam andar de casa em casa e, caso não fossem recebidos, deviam sacudir o pó das sandálias e seguir adiante. E eles foram. É o começo de uma nova etapa. Agora já não é só Jesus, mas é todo o grupo que vai anunciar a Boa-nova de Deus ao povo. Se a pregação de Jesus já dava conflito, quanto mais agora, com a pregação de todo o grupo! Se o mistério já era grande, ainda será maior com a missão intensificada.
III. ALARGANDO
Envio e missão
No tempo de Jesus havia vários outros movimentos de renovação. Por exemplo, os essênios e os fariseus. Também eles procuravam uma nova maneira de conviver em comunidade e tinham os seus missionários (cf. Mt 23,15). Mas estes, quando iam em missão, iam prevenidos. Levavam sacola e dinheiro para cuidar da sua própria comida. Pois não confiavam na comida do povo, que nem sempre era ritualmente “pura”.
Ao contrário dos outros missionários, os discípulos e as discípulas de Jesus recebem recomendações diferentes que ajudam a entender os pontos funda¬mentais da missão de anunciar a Boa-nova, que recebem de Jesus e que ainda é a nossa missão:
a) Deviam ir sem nada. Não podiam levar nada, nem bolsa, nem ouro, nem prata, nem dinheiro, nem bastão, nem sandálias, nem sequer duas túnicas. Isto significa que Jesus os obriga a confiar na hospitalidade. Pois quem vai sem nada vai porque confia no povo e acredita que será recebido. Com esta atitude criticavam as leis de exclusão, ensinadas pela religião oficial, e mostravam, pela nova prática, que tinham outros critérios de comunidade.
b) Deviam comer o que o povo lhes dava. Não podiam viver separados com sua própria comida e deviam aceitar a comunhão de mesa. Isto significa que, no contato com o povo, não deviam ter medo de perder a pureza tal como era ensinada na época. Com esta atitude criticavam as leis da pureza em vigor e mostravam, pela nova prática, que tinham outro acesso à pureza, isto é, à intimidade com Deus.
c) Deviam ficar hospedados na primeira casa em que fossem acolhidos. Isto é, deviam conviver de maneira estável e não andar de casa em casa. Deviam trabalhar como todo o mundo e viver do que recebiam em troca, “pois o operário merece o seu salário” (Lc 10,7). Em outras palavras, eles deviam participar da vida e do trabalho do povo, e o povo os acolheria na sua comunidade e partilharia com eles casa e comida. Significa que deviam confiar na partilha. Isto também explica a severidade da crítica contra os que recusavam a mensagem (Lc 10,10-12), pois não recusavam algo novo, mas sim o seu próprio passado.
d) Deviam tratar dos doentes e necessitados, curar os leprosos e expulsar os demônios (Lc 10,9; Mt 10,8). Isto é, deviam exercer a função de “defensor” (goêl) e acolher para dentro do clã, dentro da comunidade, os que viviam excluí¬dos. Com esta atitude criticavam a situação de desintegração da vida comunitária do clã e apontavam saídas concretas.
Estes eram os quatro pontos básicos que deviam marcar a atitude dos missionários ou das missionárias que anunciavam a Boa-nova de Deus em nome de Jesus: hospitalidade, comunhão de mesa, partilha e acolhida aos excluídos (defensor, goêl). Caso estas quatro exigências fossem preenchidas, eles podiam e deviam gritar aos quatro ventos: “O Reino chegou!” (cf. Lc 10,1-12; 9,1-6; Mc 6,7-13; Mt 10,6-16). Pois o Reino de Deus que Jesus nos revelou não é uma doutrina, nem um catecismo, nem uma lei. O Reino de Deus acontece e se faz presente quando as pessoas, motivadas pela sua fé em Jesus, decidem conviver em comunidade para, assim, testemunhar e revelar a todos que Deus é Pai e Mãe e que, portanto, nós, seres humanos, somos irmãos e irmãs uns dos outros. Jesus queria que a comunidade local fosse novamente uma expressão da Aliança, do Reino, do amor de Deus como Pai, que faz de todos irmãos e irmãs.

Carlos Mesters e Mercedes Lopes

Saudades do Pe. Ceolin

Dois anos de uma ausência muito presente!
Hoje, 3 de julho, festa litúrgica de São Tomé,recordamos também dois anos da páscoa definitiva do nosso saudoso Pe. Rodolpho Ceolin msf. São dois anos de uma ausência muito viva, que vai se transformando numa memória muito fecunda.
Há dois anos, naqueles dias, estávamos em assembléia capitular. Frente às indicações prévias para a composição da nova coordenação provincial o Pe. Lotário, que atuava como formador no Juniorado Latino-Americano (Belo Horizonte), procurou-me para uma troca de idéias. Em meio ao nosso diálogo, chegou-nos a notícia da partida do Ceolin.
A notícia, embora esperada, pois o quadro de saúde dele vinha piorando dia-a-dia, deixou-me como que anestesiado, sem reação, mudo. A reflexão com o Lotário foi se esgotando, e tentei me recolher para dormir. Ao deitar, o sono me abandonou, caí na realidade, e as lágrimas e soluços tomaram conta de mim e se estenderam por um bom tempo. Não era tristeza nem desespero, mas aquele sentimento que nos envolve e sufoca quando experimentamos grandes perdas.
Desde então fiz questão de lembrar, relembrar e publicar os significativos laços humanos e espirituais que me ligaram ao Pe. Ceolin. Lancei-me incansável e intrépido na tarefa de resgatar e manter viva sua memória. Não passou um só dia em que eu não tenha agradecido a Deus por ter nos dado este presente e pedido a intercessão dele para que meus pés não se afastem do caminho do Evangelho e da vida missionária.
Tenho a clara impressão de que esta lembrança cotidiana e esta prece confiante têm produzido frutos. Pouco a pouco dou-me conta de que a memória que me sinto obrigado a cultivar – e o faço com imensa satisfação – não é uma homenagem devida a ele mas algo que produz bons frutos em nós. Ele nos estimula imensamente a viver a busca fiel, a amizade fraterna, a dedicação generosa e a serenidade confiante, com os ônus e os bônus que a vida nos cobra.
No trecho da carta aos efésios indicada para a festa de hoje, Paulo nos diz que somos concidadãos dos santos, e não estrangeiros ou gente sem eira nem beira. Estamos integrados num edifício junto com os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como fundamento. É esta convicção que me alegra e consola, também em relação ao Pe. Ceolin: somos irmãos na mesma família, e ele, por sua vida, é santo e apóstolo que nos sustenta e inspira.
Viva na paz sem descanso, Pe. Ceolin! Continue suscitando em nós aquele desejo de incendiar o mundo, de renovar a terra, de cantar as belezas da vida. Continue a nos chamar à criativa fidelidade ao carisma missionário, a insistir na vida fraterna (com suas dores e delícias), a nos apresentar o vulto vivo do Fundador, a manter viva a mensagem de Nossa Senhora da Salette.

Itacir Brassiani msf

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Jesus, o carpinteiro profeta

NÃO DESPREZAR O PROFETA

O relato não deixa de ser surpreendente. Jesus foi rejeitado precisamente na Sua própria terra, entre aqueles que acreditavam conhecê-Lo melhor que ninguém. Chega a Nazaré, acompanhado pelos Seus discípulos, e ninguém sai ao Seu encontro, como sucede por vezes noutros lugares. Tampouco lhe apresentam os doentes da aldeia para que os cure.
A Sua presença só desperta neles assombro. Não sabem quem Lhe poderá ter ensinado uma mensagem tão cheia de sabedoria. Tampouco sabem explicar de onde vem a força curadora das Suas mãos. O único que sabem é que é Jesus, um trabalhador nascido numa família da Sua aldeia. Tudo o mais «parece-lhes escandaloso».
Jesus sente-se «desprezado»: os seus não O aceitam como portador da mensagem e da salvação de Deus. Fizeram uma idéia do seu vizinho Jesus e resistem a abrir-se ao mistério que se encerra na Sua pessoa. Jesus recorda-lhes provérbio que, provavelmente, todos conhecem: «Não desprezam um profeta mais que na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa».
Ao mesmo tempo, Jesus «estranha a falta de fé deles». É a primeira vez que experimenta uma rejeição coletiva, não dos dirigentes religiosos, mas de todo o Seu povo. Não esperava isto dos Seus. A Sua incredulidade chega inclusive a bloquear a Sua capacidade de curar: «Não podo fazer ali nenhum milagre, só curou a alguns doentes...»
Marcos não narra este episódio para satisfazer a curiosidade dos seus leitores, mas para advertir as comunidades cristãs que Jesus pode ser rejeitado precisamente por quem acredita conhecê-lo melhor: os que se encerram nas suas idéias preconcebidas sem abrir-se nem à novidade da Sua mensagem nem ao mistério da sua pessoa.
Como estamos acolhendo Jesus, os que nos cremos «Seus»? No meio de um mundo que se fez adulto, não a nossa fé demasiado infantil e superficial? Não vivemos demasiado indiferentes à novidade revolucionária da Sua mensagem? Não é estranha a nossa falta de fé na Sua força transformadora? Não temos o risco de apagar o Seu Espírito e desprezar a Sua Profecia?
Esta é a preocupação de Paulo de Tarso: «Não apagueis o Espírito, não desprezeis o dom da Profecia. Revei tudo e ficai só com o bom» (1 Tes 5,19-21). Não necessitaremos de algo disto, os cristãos dos nossos dias?

José Antonio Pagola

DÉCIMO QUARTO DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B – 05.07.2015)

Jesus participa da condição dos homens e mulheres comuns.

Um pouco mais ou um pouco menos, a grandeza, a fama e o poder nos fascinam. Fraqueza, pequenez e humildade são realidades que em geral tememos e evitamos. Os ídolos nos parecem modelos dignos de serem imitados, mesmo quando omitem desesperadamente a origem humilde e desprezada e desabam como um castelo de ilusões. Mas o caminho da humanização não passa por estas veredas. E, em Jesus Cristo, Deus define para sempre seu caminho: o ser humano comum e humilhado, sem nenhum outro título ou honra, é seu sacramento, seu interlocutor e seu embaixador no mundo.
Existem pessoas que são desprezadas simplesmente por causa do gênero ou pela orientação sexual: mulheres constantemente humilhadas por uma arcaica e violenta cultura machista; pessoas homoafetivas caçadas como feras perigosas ou abtjetas. Existem também grupos humanos que são desprezados por questões étnicas e raciais: negros que carregam as marcas da escravidão como se dela fossem culpados, vistos sempre com suspeita e considerados inferiores; povos  indígenas catalogados como seres primitivos ou selvagens, exemplares exóticos de um tempo que não existe mais ou entraves para o excludente e predatório desenvolvimento branco.
Apesar dos títulos e imagens de poder que a história associou a Jesus, ele partilhou a sorte das pessoas desprezadas e marginalizadas. Jesus de Nazaré não fez coro com os soberbos e dos satisfeitos, nem se mostrou indiferente ao destino das pessoas humilhadas. Nasceu numa estrebaria, habitou numa cidade insignificante e numa região desprezada, foi trabalhador braçal, misturou-se a grupos sociais suspeitos, foi preso e executado entre ladrões. Em Nazaré, sua cidade Natal, ele era conhecido como um carpinteiro, e seus familiares eram pessoas muito humildes, gente muito comum.
No evangelho de hoje vemos a admiração e a inquietação dos conterrâneos de Jesus sobre a origem do seu carisma. Como conheciam Jesus desde pequeno, perguntavam-se: “Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria?...” Do ponto de vista da origem, Jesus não poderia ser o que dava a impressão de ser... A sabedoria não poderia vir de pessoas comuns e humildes como os habitantes de Nazaré. Por mais que o ensinamento e as ações de Jesus impressionassem, sua pertença a um povoado marginal e a um povo trabalhador era para eles como uma pedra de escândalo.
Jesus fica impressionado com a visão estreita dos seus conterrâneos, com a influência que a ideologia da superioridade das pessoas cultas e poderosas exerce sobre os humildes habitantes da sua aldeia. Por trás dessa influência maléfica estava a idéia da inferioridade e impotência dos pobres, da sua radical e eterna dependência de benfeitores poderosos. Como tantos outros, aquele povo simples havia interiorizado e assimilado sua própria insignificância! Mas, o que mais surpreende, é que parece que o escândalo atinge os próprios familiares e parentes de Jesus...
É isso que deduzimos do provérbio citado por Jesus: “Um profeta só não é estimado na sua pátria, entre seus parentes e familiares...” Aqueles que conheciam as raízes camponesas e as mãos calejadas de Jesus nos trabalhos da carpintaria não conseguiam reconhecer nele os traços do Profeta ou do Messias esperado. Para Jesus, o escândalo dos habitantes de Nazaré diante da sua origem humilde é falta de fé, pois a fé é abertura de mente que permite reconhecer a presença de Deus nas pessoas simples, é acolher as surpresas e a ação inusitada de Deus que se manifesta onde e quando menos se espera.
Chamando a atenção dos cristãos de Corinto, Paulo afirma que prefere orgulhar-se de suas fraquezas e não de seus méritos. “Eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias por causa de Cristo.” Ele tem a convicção de que a força de Deus se revela na humana fraqueza, e, por isso, não corre atrás de revelações e dons extraordinários. Aqueles que acreditam em Jesus Cristo seguem o caminho do amor que serve, do amor a fundo perdido, sem se importarem com o sucesso e o retorno. Sabem que seguem um servo, e não um patrão!
Jesus de Nazaré, carpinteiro numa aldeia insignificante, escândalo para os próprios conterrâneos e familiares... Ensina-nos a apreciar a fraqueza em vez do poder, a humildade em vez da soberba. Ajuda-nos a manter nossos olhos fixos em ti, nosso Senhor e Servo. Como tu, queremos confiar na liberdade e na força que nos vem do Espírito do Pai e da tua Palavra, e não no nosso próprio poder de convencimento e de pressão ou nas ações espetaculares. E que nós jamais esqueçamos que tu partilhas as nossas origens e não te envergonhas de nos chamar de irmãos e irmãs. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Profeta Ezequiel 2,2-5 * Salmo 122 (123) * 2ª Carta aos Coríntios 12,7-10 * Evangelho de Marcos 6,1-6)