sábado, 16 de abril de 2016

Os bispos catolicos e o momento atual do Brasil

DECLARAÇÃO DA CNBB SOBRE O MOMENTO NACIONAL
“Quem pratica a verdade aproxima-se da luz” (Jo 3,21).

Nós, bispos católicos do Brasil, reunidos em Aparecida, na 54ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), frente à profunda crise ética, política, econômica e institucional pela qual passa o país, trazemos, em nossas reflexões, orações e preocupações de pastores, todo o povo brasileiro, pois, “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (Gaudium et Spes, 1).
Depois de vinte anos de regime de exceção, o Brasil retomou a experiência de um Estado democrático de direito. Os movimentos populares, organizações estudantis, operárias, camponesas, artísticas, religiosas, dentre outras, tiveram participação determinante nessa conquista. Desde então, o país vive um dos mais longos períodos democráticos da sua história republicana, no qual muitos acontecimentos ajudaram no fortalecimento da democracia brasileira. Entre eles, o movimento “Diretas Já!”, a elaboração da Carta Cidadã, a experiência das primeiras eleições diretas e outras mobilizações pacíficas.
Neste momento, mais uma vez, o Brasil se defronta com uma conjuntura desafiadora. Vêm à tona escândalos de corrupção sem precedentes na história do país. É verdade que escândalos dessa natureza não tiveram início agora; entretanto, o que se revela no quadro atual tem conotações próprias e impacto devastador. São cifras que fogem à compreensão da maioria da população. Empresários, políticos, agentes públicos estão envolvidos num esquema que, além de imoral e criminoso, cobra seu preço. 
Quem paga pela corrupção? Certamente são os pobres, “os mártires da corrupção” (Papa Francisco). Como pastores, solidarizamo-nos com os sofrimentos do povo. As suspeitas de corrupção devem continuar sendo rigorosamente apuradas. Os acusados sejam julgados pelas instâncias competentes, respeitado o seu direito de defesa; os culpados, punidos e os danos, devidamente reparados, a fim de que sejam garantidas a transparência, a recuperação da credibilidade das instituições e restabelecida a justiça. 
A forma como se realizam as campanhas eleitorais favorece um fisiologismo que contribui fortemente para crises como a que o país está enfrentando neste momento.
Uma das manifestações mais evidentes da crise atual é o processo de impeachment da Presidente da República. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acompanha atentamente esse processo e espera o correto procedimento das instâncias competentes, respeitado o ordenamento jurídico do Estado democrático de direito.  
A crise atual evidencia a necessidade de uma autêntica e profunda reforma política, que assegure efetiva participação popular, favoreça a autonomia dos Poderes da República, restaure a credibilidade das instituições, assegure a governabilidade e garanta os direitos sociais. 
De acordo com a Constituição Federal, os três Poderes da República cumpram integralmente suas responsabilidades. O bem da nação requer de todos a superação de interesses pessoais, partidários e corporativistas. A polarização de posições ideológicas, em clima fortemente emocional, gera a perda de objetividade e pode levar a divisões e violências que ameaçam a paz social
Conclamamos o povo brasileiro a preservar os altos valores da convivência democrática, do respeito ao próximo, da tolerância e do sadio pluralismo, promovendo o debate político com serenidade. Manifestações populares pacíficas contribuem para o fortalecimento da democracia. Os meios de comunicação social têm o importante papel de informar e formar a opinião pública com fidelidade aos fatos e respeito à verdade
Acreditamos no diálogo, na sabedoria do povo brasileiro e no discernimento das lideranças na busca de caminhos que garantam a superação da atual crise e a preservação da paz em nosso país. “Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a se preocupar com a construção de um mundo melhor” (Papa Francisco). 
Pedimos a oração de todos pela nossa Pátria. Do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, invocamos a bênção e a proteção de Deus sobre toda a nação brasileira.
Aparecida - SP, 13 de abril de 2016.

Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB

Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
 
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

sexta-feira, 15 de abril de 2016

João 10,27-30

“O Pai e eu somos um” (Jo 10,27-30)


O texto de hoje situa-se no contexto de uma polêmica nos arredores do Templo, entre Jesus a as autoridades judaicas, na ocasião da Festa da Dedicação do Templo. Nos versículos anteriores, as autoridades desafiaram Jesus para que se declarasse abertamente o Messias. Ele respondeu que já tinha mostrado isso muitas vezes, através das suas obras, mas que eles não queriam acreditar, pois não eram as suas ovelhas.
Assim, fica claro que as ovelhas são os discípulos, pois o verdadeiro discípulo ouve a palavra do Senhor e o segue. São conhecidos por Ele. E aqui cumpre lembrar que na linguagem bíblica, a palavra “conhecer” tem conotações mais profundas do que no nosso uso comum. Significa não tanto um saber intelectual, mas uma intimidade profunda do amor. Assim, a bíblia muitas vezes até usa o verbo “conhecer” para significar relação sexual. Assim, Maria questiona o anjo, pois Ela “não conhece” homem (Lc 1, 34). O verdadeiro discípulo é aquele ou aquela que realmente tem um relacionamento de intimidade com Deus e que põe em prática a sua palavra. E quem conhece Jesus, conhece o Pai, pois “o Pai e eu somos um”, como diz Jesus no nosso texto.
O versículo 28 afirma que Jesus dá a vida eterna aos seus seguidores. Esse é um tema típico de João, e outros textos do evangelho podem nos ajudar a aprofundá-lo. No Último Discurso, Jesus explica em quê consiste a vida eterna: “A vida eterna é esta: que eles conhecem a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que tu enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3). Mais uma vez, liga o conceito da vida eterna com O de “conhecer”. Mas em que consiste “conhecer” a Deus?
O profeta Jeremias pode nos esclarecer. Em um trecho onde ele enfrenta o Rei Joaquim e o condena por não pagar os salários dos seus operários na construção do seu palácio, Jeremias diz o seguinte, referindo-se ao falecido rei justo Josias: “Ele julgava com justiça a causa do pobre e do indigente; e tudo corria bem para ele! Isso não é conhecer-me?, oráculo de Javé” (Jr 22, 16). Conhecer Deus não é em primeiro lugar um exercício intelectual, mas uma atitude de vida: a prática da justiça, especialmente em favor do oprimido e fraco.
Segundo João, então, a vida eterna é o prêmio de quem pratica a justiça de Deus - proposta dos discípulos de Jesus - e não dos que “sabem” muita coisa sobre Deus, mas que não praticam a justiça - representados no texto de hoje pelas autoridades do templo.
O nosso texto nos traz motivo de muita coragem, pois afirma que ninguém vai arrancar o verdadeiro discípulo da mão de Jesus (v. 28). Mas, também nos desafia para que verifiquemos se somos realmente discípulos verdadeiros, se conhecemos Jesus e o Pai, isto é, se praticamos a justiça do seu projeto. Pois a prova de ser verdadeiro discípulo está na prática das obras do Pai, e não no conhecimento teórico de religião.
Pe. Tomaz Hughes SVD

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O evangelho dominical - 17.04.2016

ESCUTAR A SUA VOZ E SEGUIR OS SEUS PASSOS


A cena é tensa e conflituosa. Jesus está a passear dentro do recinto do templo. De repente, um grupo de judeus rodeia-O acossando-O com ar ameaçador. Jesus não se intimida, critica-os abertamente pela sua falta de fé: «Vós não acreditais porque não sois ovelhas minhas». O evangelista diz que, ao terminar de falar, os judeus tomaram pedras para apedreja-Lo.
Para provar que não são ovelhas Suas, Jesus atreve-se a explicar-lhes o que significa ser dos Seus. Só destaca os traços, os mais essenciais e imprescindíveis: «As Minhas ovelhas escutam a minha voz… e seguem-Me». Depois de vinte séculos, os cristãos necessitamos recordar de novo que o essencial para ser a Igreja de Jesus é escutar a Sua voz e seguir os Seus passos.
Em primeiro lugar é despertar a capacidade de escutar Jesus. Desenvolver muito mais nas nossas comunidades essa sensibilidade, que está viva em muitos cristãos simples que sabem captar a Palavra que vem de Jesus em toda a Sua frescura e sintonizar com a sua Boa Nova de Deus. João XXIII disse numa ocasião que «a Igreja é como uma velha fonte de aldeia de cuja torneira há de correr sempre água fresca». Nessa Igreja velha de vinte séculos temos de fazer correr a água fresca de Jesus.
Se não queremos que a nossa fé se vá diluindo progressivamente em formas decadentes de religiosidade superficial, no meio de uma sociedade que invade as nossas consciências com mensagens, slogans, imagens, comunicados e reclames de todo o gênero, temos de aprender a colocar no centro das nossas comunidades a Palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus, nosso único Senhor.
Mas não basta escutar a Sua voz. É necessário seguir Jesus. Chegou o momento de decidirmos entre contentar-nos com uma «religião burguesa» que tranquiliza as consciências mas afoga a nossa alegria, ou aprender a viver a fé cristã como uma aventura apaixonante de seguir a Jesus.
A aventura consiste em acreditar naquilo que Ele acreditou, dar importância ao que Ele deu, defender a causa do ser humano como Ele a defendeu, aproximar-nos dos indefesos e desvalidos como Ele se acercou, ser livres para fazer o bem como Ele, confiar no Pai como Ele confiou e enfrentar-nos com a vida e a morte com a esperança com que Ele se enfrentou.
Se quem vive perdido, só ou desorientado, pode encontrar na comunidade cristã um lugar onde se aprende a viver juntos de forma mais digna, solidária e liberta seguindo Jesus, a Igreja estará oferecendo à sociedade um dos seus melhores serviços.
José Antonio Pagola

quarta-feira, 13 de abril de 2016

ANO C – QUARTO DOMINGO DA PASCOA – 17.04.2016

O testemunho de amor e serviço é despertador de vocações!

A fé em Deus se mostra mais pelas ações que pelos ritos, orações e palavras.  É isso que Jesus afirmara na discussão com as autoridades religiosas em plena festa da dedicação do Templo, em Jerusalém. Os chefes do Templo procuram-no para questiona-lo: “Até quando nos deixarás em suspenso? Se tu és o Messias, o Cristo, dize-nos abertamente!” E Jesus retruca: “Eu já vos disse, mas vós não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim” (Jo 10, 24-25). Respostas descritivas, discursos e argumentos dizem sempre menos do que a eloquência das ações e relações...
Mas Jesus não deixa de apresentar suas credenciais de Messias, de missionário do Pai: as ações que realiza em favor da humanidade, especialmente em favor dos últimos da escala social. No debate com as autoridades do judaísmo, ele nega a legitimidade de uma fé que não tenha apoio nas ações. Para Jesus, quem é profundamente solidário e compassivo ao lado do ser humano também está com Deus. E quem está de alguma maneira contra o ser humano, mesmo que invoque o nome de Deus e participe de ritos religiosos, está, de fato, contra ele. Este é o critério que aufere a autenticidade à nossa fé!
Jesus diz que dá a vida eterna ao seu rebanho, que ninguém o toma da sua mão. Mas ser ovelha do rebanho de Jesus Cristo, implica em escutar sua Palavra, aderir a ela e seguir seus passos, exige assumir sua pró-existência como dinamismo fundamental da vida. Crer nas obras que defendem e resgatam a dignidade humana e multiplica-las é mais importante que crer na sua Palavra (cf. Jo 10,38). Crer em Jesus significa segui-lo, dar continuidade à sua obra. Entregar-se sem reservas à luta pelo bem da humanidade, especialmente das pessoas humilhadas. “Eu as conheço e elas me seguem...”
A autenticidade e a fecundidade da nossa fé em Jesus não está na multiplicação de atividades desconexas e sem alma. O denominador comum das múltiplas ações que expressam nossa fé é o amor, o dinamismo básico e permanente que nos move no reconhecimento do outro como outro, na defesa da sua dignidade inviolável e na priorização das suas necessidades humanas fundamentais, inclusive em detrimento das nossas. É o amor que faz da vida de Jesus e da nossa uma pró-existência, uma vida empenhada em favor dos outros, dos pobres e necessitados.  É o amor é que nos faz humanos, que nos dá à luz como pessoas.
O amor autenticamente humano e cristão também não reconhece nenhum tipo de fronteira: rompe com os muros levantados em nome da religião, da raça, da classe, do sangue, dos interesses individuais. Porque parte do outro, da exterioridade em relação a todos os sistemas e instituições, o amor é o único dinamismo capaz de globalizar verdadeiramente o mundo, sem excluir ninguém. É isso que testemunham Paulo e Barnabé: eles abrem as fronteiras rígidas do judaísmo aos povos não-judeus. E, experimentando esta acolhida e respeito, os cristãos de origem não-judaica vivem uma grande alegria. E nem a violenta perseguição movida por mentes medrosas e violentas os fazem voltar atrás.
Mas aqui precisamos lembrar de novo que o amor não se resume a um princípio formal ou um sentimento interior. Sem deixar de ser uma opção fundamental e um horizonte iluminador e crítico, o amor não existe fora das infinitas e pequenas ações que o encarnam na realidade. Poderíamos dizer que o amor não existe em si mesmo, que ele não é isso ou aquilo, mas ‘vai sendo’ na imensa constelação de ações que afirmam, confirmam e potencializam a vida e a dignidade das pessoas, começando pelas que nos são próximas e chegando àquelas que deslocamos para longe.
Neste dia mundial de oração pelas vocações, jornada que vem sendo realizada há mais de 50 anos, pedimos a Deus que as autoridades eclesiásticas tenham a coragem de abrir novos caminhos e possibilidades ministeriais. É um tremendo paradoxo enfatizar a necessidade da vida sacramental e, ao mesmo tempo, fazer os sacramentos dependerem unicamente de homens celibatários, dificultando assim o acesso do povo à graça sacramental. Faz sentido em pleno século XXI e diante de tanta necessidade excluir a metade feminina da humanidade do acesso ao ministério ordenado?
Jesus amado, Cordeiro de Deus e Bom Pastor! Através dos homens e mulheres que vivem a vocação como serviço e compaixão fazes teu amor libertador chegar a todas as gerações. Mediante estas pessoas, a maioria delas anônimas, enxugas as lágrimas do teu povo. Faz com que nossa palavra e nosso testemunho ajude a Boa Notícia do teu Reino a chegar a todos os rincões da terra. Tu nos fizeste, nos chamaste e somos teus. Possamos então realizar com desvelo e criatividade a missão que nos confiaste, membros diferentes de um único corpo no qual bate um único coração. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 13,43-52 * Salmo 99 (100) * Apocalipse de S. Joao  7,14-17 * Evangelho de João 10,27-30)

terça-feira, 12 de abril de 2016

DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES - 2016

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO 
PARA O 53º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES
 (17 de Abril de 2016 - IV Domingo da Páscoa)
A Igreja, mãe de vocações

Amados irmãos e irmãs!
Como gostaria que todos os batizados pudessem, no decurso do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, experimentar a alegria de pertencer à Igreja! E pudessem redescobrir que a vocação cristã, bem como as vocações particulares, nascem no meio do povo de Deus e são dons da misericórdia divina! A Igreja é a casa da misericórdia e também a «terra» onde a vocação germina, cresce e dá fruto.
Por este motivo, dirijo-me a todos vós, por ocasião deste 53º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, convidando-vos a contemplar a comunidade apostólica e a dar graças pela função da comunidade no caminho vocacional de cada um. Na Bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, recordei as palavras de São Beda, o Venerável, a propósito da vocação de São Mateus: «Miserando atque eligendo» (Misericordiae Vultus, 8). A ação misericordiosa do Senhor perdoa os nossos pecados e abre-nos a uma vida nova que se concretiza na chamada ao discipulado e à missão. Toda a vocação na Igreja tem a sua origem no olhar compassivo de Jesus. A conversão e a vocação são como que duas faces da mesma medalha, interdependentes continuamente em toda a vida do discípulo missionário.
O Beato Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, descreveu os passos do processo da evangelização. Um deles é a adesão à comunidade cristã (cf. n. 23), da qual se recebeu o testemunho da fé e a proclamação explícita da misericórdia do Senhor. Esta incorporação comunitária compreende toda a riqueza da vida eclesial, particularmente os Sacramentos. A Igreja não é só um lugar onde se crê, mas também objeto da nossa fé; por isso, dizemos no Credo: «Creio na Igreja».
A chamada de Deus acontece através da mediação comunitária. Deus chama-nos a fazer parte da Igreja e, depois dum certo amadurecimento nela, dá-nos uma vocação específica. O caminho vocacional é feito juntamente com os irmãos e as irmãs que o Senhor nos dá: é uma con-vocação. O dinamismo eclesial da vocação é um antídoto contra a indiferença e o individualismo. Estabelece aquela comunhão onde a indiferença foi vencida pelo amor, porque exige que saiamos de nós mesmos, colocando a nossa existência ao serviço do desígnio de Deus e assumindo a situação histórica do seu povo santo.
Neste Dia dedicado à oração pelas vocações, desejo exortar todos os fiéis a assumirem as suas responsabilidades no cuidado e discernimento vocacionais. Quando os Apóstolos procuravam alguém para ocupar o lugar de Judas Iscariotes, São Pedro reuniu cento e vinte irmãos (cf. Act 1, 15); e, para a escolha dos sete diáconos, foi convocado o grupo dos discípulos (cf. Act 6, 2). São Paulo dá a Tito critérios específicos para a escolha dos presbíteros (cf. Tt 1, 5-9). Também hoje, a comunidade cristã não cessa de estar presente na germinação das vocações, na sua formação e na sua perseverança (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 107).
A vocação nasce na Igreja. Desde o despertar duma vocação, é necessário um justo «sentido» de Igreja. Ninguém é chamado exclusivamente para uma determinada região, nem para um grupo ou movimento eclesial, mas para a Igreja e para o mundo. «Um sinal claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar harmonicamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos» (Ibid., 130). Respondendo à chamada de Deus, o jovem vê alargar-se o próprio horizonte eclesial, pode considerar os múltiplos carismas e realizar assim um discernimento mais objetivo. Deste modo, a comunidade torna-se a casa e a família onde nasce a vocação. O candidato contempla, agradecido, esta mediação comunitária como elemento imprescindível para o seu futuro. Aprende a conhecer e a amar os irmãos e irmãs que percorrem caminhos diferentes do seu; e estes vínculos reforçam a comunhão em todos.
A vocação cresce na Igreja. Durante o processo de formação, os candidatos às diversas vocações precisam de conhecer cada vez melhor a comunidade eclesial, superando a visão limitada que todos temos inicialmente. Com tal finalidade, é oportuno fazer alguma experiência apostólica juntamente com outros membros da comunidade, como, por exemplo, comunicar a mensagem cristã ao lado dum bom catequista; experimentar a evangelização nas periferias juntamente com uma comunidade religiosa; descobrir o tesouro da contemplação, partilhando a vida de clausura; conhecer melhor a missão ad gentes em contato com os missionários; e, com os sacerdotes diocesanos, aprofundar a experiência da pastoral na paróquia e na diocese. Para aqueles que já estão em formação, a comunidade eclesial permanece sempre o espaço educativo fundamental, pelo qual se sente gratidão.
A vocação é sustentada pela Igreja. Depois do compromisso definitivo, o caminho vocacional na Igreja não termina, mas continua na disponibilidade para o serviço, na perseverança e na formação permanente. Quem consagrou a própria vida ao Senhor, está pronto a servir a Igreja onde esta tiver necessidade. A missão de Paulo e Barnabé é um exemplo desta disponibilidade eclesial. Enviados em missão pelo Espírito Santo e pela comunidade de Antioquia (cf. At 13, 1-4), regressaram depois à mesma comunidade e narraram aquilo que o Senhor fizera por meio deles (cf. At 14, 27). Os missionários são acompanhados e sustentados pela comunidade cristã, que permanece uma referência vital, como a pátria visível onde encontram segurança aqueles que realizam a peregrinação para a vida eterna.
Dentre os agentes pastorais, revestem-se de particular relevância os sacerdotes. Por meio do seu ministério, torna-se presente a palavra de Jesus que disse: «Eu sou a porta das ovelhas (...). Eu sou o bom pastor» (Jo 10, 7.11). O cuidado pastoral das vocações é uma parte fundamental do seu ministério. Os sacerdotes acompanham tanto aqueles que andam à procura da própria vocação, como os que já ofereceram a vida ao serviço de Deus e da comunidade.
Todos os fiéis são chamados a consciencializar-se do dinamismo eclesial da vocação, para que as comunidades de fé possam tornar-se, a exemplo da Virgem Maria, seio materno que acolhe o dom do Espírito Santo (cf. Lc 1, 35-38). A maternidade da Igreja exprime-se através da oração perseverante pelas vocações e da ação educativa e de acompanhamento daqueles que sentem a chamada de Deus. Fá-lo também mediante uma cuidadosa seleção dos candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada. Enfim, é mãe das vocações pelo contínuo apoio daqueles que consagraram a vida ao serviço dos outros.
Peçamos ao Senhor que conceda, a todas as pessoas que estão a realizar um caminho vocacional, uma profunda adesão à Igreja; e que o Espírito Santo reforce, nos Pastores e em todos os fiéis, a comunhão, o discernimento e a paternidade ou maternidade espiritual.
Pai de misericórdia, que destes o vosso Filho pela nossa salvação e sempre nos sustentais com os dons do vosso Espírito, concedei-nos comunidades cristãs vivas, fervorosas e felizes, que sejam fontes de vida fraterna e suscitem nos jovens o desejo de se consagrarem a Vós e à evangelização. Sustentai-as no seu compromisso de propor uma adequada catequese vocacional e caminhos de especial consagração. Dai sabedoria para o necessário discernimento vocacional, de modo que, em tudo, resplandeça a grandeza do vosso amor misericordioso. Maria, Mãe e educadora de Jesus, interceda por cada comunidade cristã, para que, tornada fecunda pelo Espírito Santo, seja fonte de vocações autênticas para o serviço do povo santo de Deus.
Cidade do Vaticano, 29 de Novembro – I Domingo do Advento – de 2015.

Franciscus

sexta-feira, 8 de abril de 2016

O pescador, o discípulo e o missionario

“A Rede Não Arrebentou” (Jo 21, 1-19)


Quase todas as traduções da Bíblia intitulam o capítulo 21 de João como “Apêndice” ou “Epílogo”. Realmente, em uma primeira edição, o evangelho terminava no capítulo 20. Mas, devido a uma situação nova nas comunidades, se tornou necessária a adição do último capítulo. Essa situação era a fusão de dois tipos de comunidades cristãs: as da tradição sinótica ou apostólica, e as da tradição da comunidade do Discípulo Amado. Essa fusão aconteceu pelo fim do primeiro século e é simbolizada nos versículos 15-18, onde Pedro recebe a primazia e a missão de pastor dos discípulos. Mas somente depois de ter afirmado três vezes que amava Jesus. A comunidade do Discípulo Amado aceita a função apostólica de Pedro, mas insiste que antes de ser apóstolo é mais fundamental ser discípulo, ou seja, amar Jesus.
A primeira parte do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da “pesca milagrosa” de Lucas (Lc 5,1-11). Mas o contexto, pós-ressurrecional, é diferente. Como sempre, no Quarto Evangelho devemos prestar atenção aos símbolos, sejam eles pessoas, eventos, ou números. Chama a atenção que - embora seja a terceira aparição de Jesus - os discípulos não o reconhecem. Isso demonstra que a presença de Jesus depois da Ressurreição, embora real, não é igual à sua presença durante a sua vida terrestre. Quem O reconhece primeiro é o Discípulo Amado, pois só quem vê com olhos de amor reconhece e vê além das aparências. Como foi o amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro em Cap. 20, é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a presença de Jesus ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama. Pedro o será somente depois da sua profissão de amor (vv. 15-17).
A pesca simboliza a missão dos discípulos. Segundo muitos estudiosos, embora existam outras hipóteses também, o número de 153 peixes se baseia no fato de que os zoólogos gregos da antiguidade achavam que existiam no mundo 153 espécies de peixe. Então, o Evangelho está dizendo que a Igreja (simbolizada pela rede) pode abraçar o universo inteiro, todos os povos e culturas. É interessante que, diferente da história em Lucas, a rede não se rompe! A diversidade de culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e não deve levar a rompimento da unidade, sem que se imponha a uniformidade (a palavra grega que João usa para “romper” é “schisma”). Certamente essa visão deve desafiar e questionar tantas tendências de centralização e rigidez que ainda existem na Igreja hoje!
O nó da questão está na entrega da missão a Pedro. Ele deve ser o Bom Pastor das ovelhas e dos cordeiros, dos membros das comunidades. Mas, as ovelhas não pertencem a ele: ele é apenas o Pastor; as ovelhas pertencem ao Senhor! Aqui Pedro recebe esta grande missão que nos Sinóticos ele recebe na estrada de Cesaréia de Felipe. Mas mais importante do que a sua função é a sua vocação de discípulo: aquele que ama e segue o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente poderá pastorear os seus seguidores. Se, no primeiro capítulo do Evangelho, Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo 1, 40-42), agora recebe o convite do próprio Mestre: “Siga-me", pois no amor Ele fez a opção pelo discipulado.
Todos nós recebemos o mesmo convite: “Siga-me”. Seja qual for a nossa função e missão na Igreja, elas só terão sentido na medida em que realmente amarmos Jesus - um amor que só é autêntico se amarmos os outros, na luta comum em favor da construção de um mundo onde todos/as possam “ter vida e vida em abundância” (Jo 10,10), pois “se Deus nos amou a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11).
Pe. Tomaz Hughes SVD

quinta-feira, 7 de abril de 2016

O evangelho dominical

SEM JESUS NÃO É POSSÍVEL

O encontro de Jesus ressuscitado com os Seus discípulos junto ao lago da Galileia está descrito com clara intenção catequética. No relato está subjacente o simbolismo central da pesca no meio do mar. A sua mensagem não pode ser mais atual para os cristãos: apenas a presença de Jesus ressuscitado pode dar eficácia ao trabalho evangelizador dos Seus discípulos.
O relato descreve-nos, em primeiro lugar, o trabalho que os discípulos levam a cabo na obscuridade da noite. Tudo começa com uma decisão de Simão Pedro: «Vou pescar». Os restantes discípulos aderem a ele: «Também nós vamos contigo». Estão de novo juntos, mas falta Jesus. Saem para pescar, mas não embarcam escutando a Sua chamada, mas sim seguindo a iniciativa de Simão Pedro.
O narrador deixa claro que este trabalho se realiza de noite e resulta infrutuoso: «aquela noite não colheram nada». «noite» significa na linguagem do evangelista a ausência de Jesus que é a Luz. Sem a presença de Jesus ressuscitado, sem o Seu alento e a Sua palavra orientadora, não há evangelização fecunda.
Com a chegada do amanhecer, Jesus apresenta-se. Desde a margem, comunica com os Seus por meio da Sua Palavra. Os discípulos não sabem que é Jesus, só o reconhecem quando, seguindo docilmente as Suas indicações, conseguem uma pesca surpreendente. Aquilo só se pode dever a Jesus, o Profeta que um dia os chamou para serem «pescadores de homens».
A situação de não poucas paróquias e comunidades cristãs é crítica. As forças diminuem. Os cristão mais comprometidos multiplicam-se para abarcar todo o tipo de tarefas: sempre os mesmos e os mesmos para tudo. Temos de continuar a intensificar os nossos esforços e procurando o rendimento a qualquer preço, ou temos de nos deter para cuidar melhor da presença viva do Ressuscitado no nosso trabalho?
Para difundir a Boa Nova de Jesus e colaborar eficazmente no Seu projeto, o mais importante não é «fazer muitas coisas», mas cuidar melhor da qualidade humana e evangélica do que fazemos. O decisivo não é o ativismo mas sim o testemunho de vida que possamos irradiar os cristãos.
Não podemos ficar-nos na «epiderme da fé». São momentos de cuidar, antes de mais nada, o essencial. Enchemos as nossas comunidades de palavras, textos e escritos, mas o decisivo é que, entre nós, se escute a Jesus. Fazemos muitas reuniões, mas a mais importante é a que nos congrega cada domingo para celebrar a Ceia do Senhor. Só Nele se alimenta a nossa força evangelizadora.
José Antonio Pagola

ANO C – TERCEIRO DOMINGO DA PASCOA – 10.04.2016

O dinamismo da missão brota do amor a Jesus Cristo.

Estimulados por Pedro, outros seis discípulos, representantes de uma comunidade aberta aos pagãos, estão em plena missão. Aparentemente fazem tudo do jeito certo, mas a frustração enche o barco e faz pesar o coração. “Não pescaram nada naquela noite...” Jesus lhes havia dito que era preciso realizar as obras de Deus enquanto é dia, porque “vem a noite, quando ninguém poderá trabalhar” (Jo 9,4). Não estaria faltando a eles um vínculo profundo com Jesus Cristo? Ou será que faltava colocar em prática a lição do despojamento radical?... “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só...” (Jo 12,24).
Os discípulos não haviam percebido que Jesus continuava presente e próximo nos altos e baixos da missão. “Já de manhã, Jesus estava na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus...” Cegos pela catarata do fracasso, não conseguiam mais ver o essencial. Mas, mesmo que aqueles olhos cansados não conseguissem ver, Jesus Cristo continuava sendo uma presença discreta e fecunda nas idas e vindas dos discípulos. E continuava tratando-os com amizade e afeto: “Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?” Com esta pergunta, Jesus também os leva a mergulhar na própria e dura realidade das carências.
Obedecendo a Jesus, os discípulos recomeçam o trabalho e são surpreendidos pelos resultados. Pegam ‘uma multidão’ de peixes. Será que não era exatamente ali, no lado direito do barco, que estava a ‘multidão’ de doentes, cegos, coxos e paralíticos que não conseguiam caminhar por si mesmos? Não seriam eles os primeiros interlocutores e beneficiários da missão da comunidade cristã? O segredo do êxito da missão da Igreja não estaria exatamente em voltar-se aos oprimidos? De qualquer modo, os discípulos obedecem à Palavra de Jesus Cristo e o trabalho dá frutos.
Na obediência ao pedido de Jesus Cristo está embutida uma relativização dos próprios conceitos e, frequentemente, uma desobediência às ordens vindas dos sistemas de coerção. Perseguidos, presos e ameaçados pelas autoridades, os apóstolos obedecem a Deus, deixam a prisão e, ao invés de fugir, vão à praça e continuam intrepidamente a missão! E os frutos inesperados do trabalho abrem os olhos deles para a presença de Jesus, embora só o discípulo amigo seja capaz de reconhecê-lo e passar a notícia adiante. Então Pedro, fazendo as vezes de líder, ‘amarra a túnica na cintura’ e se lança, no mar, no serviço.
Em seguida, todos são recebidos por Jesus com pão e peixe, e o alimento oferecido por Jesus é completado pelo que eles produziram com o próprio trabalho. Ninguém pergunta pela identidade de Jesus, pois, agora, isso estava claro para todos. Para arrematar a ceia à beira da praia, Jesus se dirige a Pedro perguntando: “Simão, filho de João, tu me amas mais que estes?” Ele interroga o líder do grupo e faz questão de sublinhar sua origem e sua expectativa de um Messias poderoso e bem-sucedido. No fundo, quer fazer Pedro revelar se sua liderança tem motivação e horizonte evangélicos. Amar Jesus significa dedicar-se ao seu rebanho, e não há missão e autoridade eclesial sem amor a Jesus.
Quem pergunta é o Cordeiro imolado, o humilhado exaltado e confirmado por Deus. Só ele é digno de receber honra, glória e poder para sempre. E Pedro responde afirmando sua amizade por Jesus. Estaria ele lembrado das palavras ditas por Jesus na última ceia: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando” (Jo 15,13-14)? A cada resposta afirmativa de Pedro, Jesus acrescenta um mandato: “Cuida dos meus cordeiros. Sê pastor das minhas ovelhas. Cuida das minhas ovelhas.”
Trata-se de providenciar segurança e alimento para os mais pequenos e humildes (cuidar dos cordeiros); liderar conduzindo à liberdade (pastorear as ovelhas); guiar à vida dando a própria vida (cuidar das ovelhas). São variações de uma mesma e única missão. A missão confiada a Pedro e à comunidade está voltada para fora. As ovelhas e os cordeiros pertencem a Jesus, e não de Pedro ou da Igreja... De qualquer modo, sem amor pelo Cristo despojado e sem disposição de dar a vida pelo próximo não há autoridade evangelicamente legítima, não há missão frutuosa.
Jesus de Nazaré, pão da vida, pescador de outros mares, mestre na escola do bem viver: queremos ser teus discípulos e aprender na tua escola. Estamos dispostos a estar contigo onde quer que estejas, participando da tua missão. Queremos permanecer unidos a ti, alimentando-nos à tua mesa, obedientes e livres, dispostos a testemunhar um amor mais forte do que a morte. Queremos seguir teus passos, passos de um humilhado no qual reside toda glória desejável e possível. Oxalá aprendamos a te amar antes e mais que tudo e que todos, pois nos ensinas que não há verdadeira autoridade sem amor a ti. Assim seja! Amém!

Itacir Brassiani msf
(Atos dos Apóstolos 5,17-32.40-41 * Salmo 29 (30) * Apocalipse 5,11-14 * Evangelho de João 21,1-19)

domingo, 3 de abril de 2016

Uma soluçao para a crise politica

URGÊNCIA E EQUILÍBRIO
O Brasil está precisando sair, urgentemente, da crise em que se encontra. Ela atingiu um nível perigoso, que pede equilíbrio e responsabilidade de todos, para que se evite, em absoluto, o risco de uma convulsão social, que pode degenerar para a desordem e para a violência, com graves consequências para toda a nação.
A hora é de grandeza de ânimo e de disposição para o diálogo, e não para retaliações e represálias mesquinhas e irresponsáveis.
A gravidade da crise pede um novo patamar de entendimento político, que garanta a possibilidade de um consenso maior, que resulte num projeto de enfrentamento global dos problemas gerados pela crise generalizada em que o país se vê envolvido.
Para chegarmos rapidamente a este novo consenso, se requer, indiscutivelmente, o respeito à ordem constitucional, que se torna tanto mais necessária quanto mais grave for a situação.
As normas constitucionais são referência indispensável, para se ter um ponto de partida firme e seguro para todos.
O respeito absoluto à constituição leva ao fulcro da crise política em que o país foi mergulhado.
É evidente e inequívoco que a crise política foi agudizada pela instauração do processo de impeachment, hora em tramitação no Congresso Nacional.
Com clareza e lealdade, é preciso constatar que este processo tem um equívoco de origem, que o torna espúrio e perverso. Pois ele foi introduzido como instrumento de represália contra o Executivo por parte do Presidente da Câmara Federal, que usou do seu cargo para proteger interesses pessoais.
Além desta origem espúria, que por só já seria suficiente para sua rejeição, o processo de impeachment não tem consistência objetiva. Pois não existe o que a Constituição pede para estes casos, isto é, que tenha havido delitos graves e claros por parte do governante. As acusações são inconsistentes.
Agora, criado o impasse, cabe ao Congresso Nacional encaminhar a sua solução. Para que se saia rapidamente deste atoleiro político em que a nação foi lançada de maneira irresponsável, o Congresso tem os instrumentos em suas mãos.
A solução mais rápida, e recomendável, é que a própria Comissão criada para analisar o pedido de impeachment o rejeite, e o elimine de vez, para deixar o campo livre para os urgentes entendimentos para a definição de um amplo e generoso conjunto de medidas para o adequado enfrentamento desta crise, que ameaça o futuro do país.
O caminho constitucional está traçado. Cabe a cada um de nós, mas sobretudo aos detentores dos Poderes Públicos, agir com lealdade e nobreza de ânimo, para o bem do povo brasileiro.
A crise traz os graves riscos que a acompanham. Mas oferece a oportunidade de deixar para a história o testemunho patriótico de nossa geração.
A hora é agora. O Brasil precisa de nossa participação lúcida e responsável.

Dom Demétrio Valentini – Bispo Emérito de Jales     

sexta-feira, 1 de abril de 2016

O evangelho dominical

NÃO SEJAS INCRÉDULO MAS SIM CRENTE!
A figura de Tomé como discípulo que resiste a acreditar, tem sido muito popular entre os cristãos. No entanto, o relato evangélico diz muito mais deste discípulo céptico. Jesus ressuscitado dirige-se a ele com umas palavras que têm muito de chamada insistente, mas também de convite de amor: «Não sejas incrédulo, mas sim crente». Tomé, que leva uma semana resistindo a acreditar, responde a Jesus com a confissão de fé mais solene que podemos ler nos evangelhos: «Senhor meu e Deus meu».
Que experimentou este discípulo em Jesus ressuscitado? Que foi o que transformou o homem até então cheio de dúvidas e vacilante? Que percurso interior o levou do ceticismo até à confiança? O surpreendente é que, segundo o relato, Tomé renuncia a verificar a verdade da ressurreição tocando as feridas de Jesus. O que o abre à fé é Jesus mesmo com o seu convite.
Ao longo destes anos, temos mudado muito por dentro. Fizemo-nos mais céticos, mas também mais frágeis. Fizemo-nos mais críticos, mas também mais inseguros. Cada um de nós tem de decidir como quer viver e como quer morrer. Cada um de nós tem de responder a essa chamada que, mais tarde ou mais cedo, de forma inesperada ou como fruto de um processo interior, nos pode chegar de Jesus: «No sejas incrédulo, mas sim crente».
Talvez, necessitemos de despertar mais o nosso desejo de verdade. Desenvolver essa sensibilidade interior que todos temos para perceber, mais para lá do visível e do tangível, a presença do Mistério que sustenta as nossas vidas. Já não é possível viver como pessoas que sabem tudo. Todos, crentes e não crentes, ateus e agnósticos, caminhamos pela vida envoltos em trevas. Como diz Paulo de Tarso, procuramos a Deus fazendo tentativas.
Porque não enfrentar o mistério da vida e da morte confiando no Amor como última Realidade de tudo? Este é o convite decisivo de Jesus. Mais de um crente sente hoje que a sua fé foi-se convertendo em algo cada vez mais irreal e menos fundamentado. Não sei. Talvez, agora que não podemos já apoiar a nossa fé em falsas seguranças, estejamos aprendendo a procurar Deus com um coração mais humilde e sincero.
Não podemos esquecer que uma pessoa que procura e deseja sinceramente acreditar, para Deus é já crente. Muitas vezes, não é possível fazer muito mais. E Deus, que compreende a nossa impotência e debilidade, tem os Seus caminhos para encontrar-se com cada um e oferecer-lhe a sua salvação.
José Antonio Pagola