segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Desafios atuais à Vida Religiosa (6)


Desafio 6: Viver a minoridade com alegria e convicção

O Evangelho é um caminho que, quando percorrido com fidelidade lúcida e criativa, nos leva a descer, a ceder o lugar, a servir, a deixar os primeiros e ocupar os últimos lugares. E assim foi desde o início, desde Jesus, e nas melhores páginas que o cristianismo escreveu na história e nas testemunhas mais verdadeiras que gerou. Como no episódio do batismo de Jesus, quando Deus contempla seus filhos e filhas no meio da multidão pecadora mas desejosa de preparar estradas para o Messias, ele fala: “Estes são os filhos e filhas que eu amo e que me dão prazer!”

Infelizmente o cristianismo ocidental, e com ele a vida religiosa, adquiriu status e importância social e política. A hegemonia estatística entre os movimentos religiosos, temperada pelo elitismo dos seus membros, pouco a pouco levou o cristianismo e a vida religiosa ao sentimento e à postura de superioridade, de grandeza. Mesmo depois da devastadora crise do século XVIII, a vida religiosa conheceu um renascimento espiritual e numérico que confirmou sua ilusão de potência social e eclesial que ainda hoje é recordado entre suspiros e saudades.

Por aqui podemos compreender o sentimento de angústia e a preocupação que anda tirando o sono e o vigor dos religiosos e religiosas, especialmente da Europa e das Américas, diante da vertiginosa queda numérica que vem experimentando a partir da segunda metade do século passado. Mesmo quando não ocupa a agenda prioritária dos seminários e encontros, o tema costuma estar presente nas rodas de conversa e se insinua numa espécie de busca desesperada de vocações, de qualquer tipo e em qualquer lugar.

Mas um segundo fruto deste resvalo para caminhos paralelos ao Evangelho é a nem sempre bem disfarçada luta por espaços entre os/as religiosos/as e a hierarquia eclesiástica, entre dioceses e institutos religiosos. Esta disputa tem muito a ver com a busca de relevância e de poder, ou seja, de visibilidade e de influência na Igreja e na sociedade. Tudo como se o reconhecimento e o poder fossem salvo-condutos e garantes para a autenticidade e a fecundidade da vida religiosa, como se sua condição fosse a de senhora e não a de serva e como seu o seu lugar fosse entre os maiores e não entre os menores, entre os primeiros e não entre os últimos.

O mar não está para peixes grandes... O tempo que se chama hoje não está para triunfalismos. E isso não apenas por uma questão de respeito à sensibilidade social, mas principalmente por fidelidade ao Evangelho, a Regra suprema da vida religiosa. A vida religiosa é desafiada a recuperar criativamente sua condição de servidora da humanidade e seu lugar entre os menores e despojados de poder, inclusive na Igreja. Sem nenhum maniqueísmo, seu lugar é mais caminhando junto dos leigos e leigas que inclinada aos pés da hierarquia ou dos altares. Se não resgatar esse espírito, perderá sua capacidade e missão de fermento e sal.

Discutindo as crises e possibilidades da vida religiosa apostólica, o Pe. Carlos Palacios nos interpela, com sua costumeira capacidade provocativa:  “Somos capazes de aceitar que a pobreza do ser a que está reduzida sob muitos aspectos a vida religiosa apostólica possa ser uma palavra que Deus nos dirige hoje, tenha um sentido e possa ser fecunda? Podemos conceber e acolher em paz que a situação humilhada da vida religiosa apostólica hoje pode nos aproximar do evangelho e de Jesus mais que o triunfalismo histórico da vida religiosa apostólica no passado? E que a diminuição quantitativa possa ser o caminho para crescer em qualidade e para uma maior vitalidade espiritual?”

Itacir Brassiani msf

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