Convido você a acompanhar imaginariamente a Sagrada Família na sua caminhada de fé, do primeiro domingo do Advento ao primeiro anúncio missionário de Jesus. Já sabemos que o profeta Isaías ocupa um lugar central na liturgia do Advento e conhecemos o apreço que Jesus tinha por ele e como nele encontrou inspiração para sua missão. Imagino que a mensagem desse profeta consolou, animou e consolou José e Maria nos nove meses de ‘advento’ de Jesus: “Tu és o nosso pai; nós somos o barro e tu és o nosso oleiro; todos nós somos a obra de tuas mãos” (Is 63). Eles permitiram que Deus os fosse modelando pouco a pouco.
Parece que a Sagrada Família encontrou em Isaías indicações claras de ação. “Abram um caminho no deserto. Aplainem uma estrada para o nosso Deus. Aterrem os vales e aplainem as colinas” (Is 40). “Ele me enviou para dar boas notícias aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos” (Is 61). A Sagrada Família descobriu que a fidelidade a Deus comporta uma decidida parcialidade em favor dos pobres. O cântico de Maria e a ação de Jesus o demonstram sobejamente.
Mas não esqueçamos o impacto e a surpresa que a palavra de um outro profeta, que era também parente, provocou naquela família de Nazaré: “Depois de mim vai chegar alguém que é mais forte do que eu... Eu não mereço sequer desamarrar a correia das sandálias dele...” Maria e José descobriram que o filho não lhes pertencia, que os superava em sabedoria e graça e os precedia nos caminhos de Deus. E Jesus entendeu que Deus é grande porque assume o que é pequeno.
Longe do aconchego e da segurança de sua humilde casa em Nazaré, Maria e José acolheram o filho esperado no abandono de uma estrebaria, entre animais e pastores. Contemplando a vulnerabilidade daquele corpinho, Maria e José se perguntaram onde estavam os sinais do Deus forte, o manto da realeza e a fogueira na qual seriam queimadas as armas de guerra e as roupas manchadas de sangue (Is 9). Mas também se maravilharam com o que contavam os pastores proscritos, e passaram horas meditando sobre o que significaria tudo o que estavam vivendo.
Com o passar do tempo esses acontecimentos – junto com as palavras misteriosas de Simeão e de Ana, as mensagens recebidas nos sonhos, o duro exílio no Egito – foram ficando no passado e o filho de Maria e José se mostrava absolutamente normal: crescia lentamente; aprendia a língua da sua gente e a religião dos seus pais; apreciava muito as esperanças que seu povo cultivava; crescia também em graça e sabedoria. Com 12 anos tomou distância dos pais e discutiu com os doutores da lei em Jerusalém. José e Maria jamais esqueceriam as palavras fortes e misteriosas que disse quando o repreenderam: “Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”
O constrangimento e o medo tocaram Maria e José quando receberam a visita e os presentes de um grupo de estrangeiros. O que teria de tão especial aquele menino para atrair gente de tão longe? A presença de pagãos não traria a impureza para a família? Os pagãos também teriam dignidade e seriam abençoados por Deus? Como poderia a glória de Deus habitar numa criança e se manifestar a todos os povos, sem nenhuma espécie de exclusão? E, se aqueles magos haviam se encontrado com o sanguinário Herodes, o menino não estaria correndo perigo?
Mas depois desse acontecimento aquela família mergulhou na mais absoluta normalidade. Algo novo veio a acontecer apenas quando o filho de Isabel e Zacarias se retirou para o deserto e convocou o povo a preparar as estradas para o encontro com Deus. Jesus, Maria e José foram ao seu encontro nas margens do rio Jordão. Ressoram fortemente as conhecidas palavras de Isaías: “Farei com vocês uma aliança definitiva... Cada um volte para Javé e ele terá compaixão...” (Is 55). E José e Maria acompanharam atônitos o filho entrando na água para ser batizado. Viram o céu se abrindo, uma pomba pairando sobre ele e ouviram uma voz que vinha do céu: “Tu és meu filho amado; em ti eu encontro meu agrado.” O que significaria tudo isso?
E daí para frente tudo mudou radicalmente. Jesus foi se distanciando mais e mais do núcleo familiar, passou a viver com um grupo de seguidores e começou a anunciar que o Reino de Deus estava chegando. Pedia que o povo acreditasse nessa boa notícia e mudasse de mentalidade. E então José e Maria se deram conta de que conheciam pouco ou nada o próprio filho e entraram no exigente caminho de discernir e abrir-se ao mistério de Deus encarnado na humanidade daquele que também tinha seu sangue. E passaram a fazer parte de uma família que não conhece os laços de sangue: a família daqueles acolhem e praticam a Palavra do reino de Deus.
Itacir msf
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