Todos nós guardamos muito vivos na memória alguns lugares, gestos, pessoas, encontros e acontecimentos. Eles não caem na vala comum das coisas rotineiras, obrigatórias e matemáticas. São experiências, pessoas e lugares sacramentais, capazes de evocar lembranças bonitas e sustentar longos percursos. Jericó é um desses lugares especiais para Jesus e para os cristãos.
Lucas nos diz que Jesus havia tomado a firme decisão de partir para Jerusalém (cf. Lc 9,51). No caminho entre as aldeias dos pobres e a capital dos opressores, já bem perto de Jerusalém, está Jericó. É um oásis no meio do deserto. Um lugar de passagem e descanso. Um lugar rico em possibilidades de encontros. Encontros ocasionais ou esperados, superficiais ou profundos. Num só relance (cf. Lc 18,35-19,10), Lucas nos fala de dois encontros extremamente sugestivos com Jesus no oásis de Jericó.
Da margem para o caminho
A primeira narração faz memória de um cego e mendigo. Seu lugar era a beira da estrada. Lá ele esperava que os transeuntes se compadecessem dele e deixassem algo sobre seu manto estendido no chão. Percebendo a agitação do povo que passava, o homem desconfiou que algo uma pessoa importante deveria estar passando. Ficou sabendo que era Jesus, o homem de Nazaré, que subia a Jerusalém.
O cego e mendigo esqueceu de pedir esmola e implorou compaixão. "Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!" O pessoal mandou que se calasse, mas ele gritou mais forte ainda, expressando seu desejo de um gesto e de um encontro que mudassem sua vida. O peregrino de Nazaré parou e pediu que levassem o homem até ele.
"O que você quer que eu faça por você?" Jesus não tinha nada para dar. Mas podia e queria fazer algo. Tudo o que aquele homem excluído queria era ver de novo. Nada mais. E esse seu querer, conjugado com sua confiança no jovem peregrino, abriu seus olhos de vez. E ele deixou a beira do caminho e começou a seguir Jesus pelo caminho.
De cima para baixo
Na seqüência, temos a memória de um homem rico e execrado chamado Zaqueu. Jesus está atravessando a cidade, e Zaqueu mora nela. Ele é chefe dos cobradores de impostos, é rico e não precisa mendigar na beira da estrada. Mas é curioso e deseja ver, no meio da multidão, quem é Jesus. Sua estatura pequena e a multidão que rodeia Jesus são empecilhos. Ele corre na frente e sobe numa figueira para poder ver.
A situação é engraçada. Jesus pára, olha para cima e vê Zaqueu. "Desça depressa, porque hoje eu quero ficar em sua casa..." Mesmo sendo mal-visto pelo judaísmo oficial, que o considera um pecador a ser evitado, Zaqueu pensa que precisa subir para encontrar Jesus. Pensa que é a prática correta das leis e costumes é que possibilitam o encontro com Deus. E acaba descobrindo que Deus mesmo vem ao encontro dos pecadores e, desse amor que não conhece fronteiras, brota um rio impetuoso de solidariedade e de partilha. Porque também ele é filho de Abraão, sente-se chamado à ser justo e solidário com o povo.
Uma busca pessoal
Estamos no tempo de Advento, de espera e de preparação. O Natal está se aproximando. Também nós desejamos ter um encontro vivo e transformador com Deus. O que precisamos fazer? Antes de tudo, buscar Deus com todas as nossas forças. Não cansar de pedir que ele tenha piedade de nós. Não permanecer simplesmente como um a mais na multidão. Jamais ficar satisfeitosr com as moedas medíocres do saber e do poder. Ouvir atentamente e suplicar com confiança. E nossos olhos se abrirão para reconhecer Deus na humana vulnerabilidade e segui-lo nos confrontos e fracassos.
Em segundo lugar, descer. Aprendemos a gostar demais das alturas, dos pedestais. Confiamos demais nos velhos valores da superioridade e e do sucesso. Damos um valor muito grande às instituições. Precisamos encontrar Deus num movimento de êxodo de nós mesmos em direção aos outros e das instituições em direção à vida concreta. Esse êxodo não é só horizontal, mas também vertical: de cima para baixo, do grande ao pequeno, do superior ao inferior, do sucesso ao fracasso, de céu aos infernos, da glória à cruz, do palácio ao estábulo.Pe. Itacir Brassiani msf
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