sábado, 26 de novembro de 2011

O DIABO É POBRE


 
Nas cidades do nosso tempo, imensos cárceres que trancam os prisioneiros do medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser ternos.
Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, não confie. Os amos do mundo dão a voz de alarme. Eles, que impunemente violam a natureza, sequestraam países, roubam salários e assassinam multidões, nos advertem.
“Cuidado! Os perigosos acossam, tocaiados nos subúrbios miseráveis, mordendo invejas, engolindo rancores.”
Os perigosos, os pobres: os pobres-diabos, os mortos das guerras, os presos dos cárceres, os braços disponíveis, os braços descartáveis.
A fome, que mata calando, mata os calados. Os especialistas – os pobrólogos – falam por eles. E nos contam em que não trabalham, o que não comem, o quanto não pesam, o quanto não medem, o que não têm, o que não pensam, o que não votam, em que não crêem.
Só nos falta saber por que os pobres são tão pobres. Será porque sua fome nos alimenta e sua nudez nos veste?
(Eduardo Galeano, Espelhos, uma história quase universal.
 L&PM Editores, Porto Alegre, 2008, p. 116).

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