domingo, 13 de novembro de 2011

É PRECISO CONJUGAR VIGILÂNCIA, CRIATIVIDADE E COMPROMISSO.

(Pr 31,1013.19-20.30-31; Sl 127/128; 1Ts 5,1-6; Mt 25,14-30)
O Ano Litúrgico se aproxima do fim. A festa de Cristo Rei fará a passagem entre o Tempo Comum e o Tempo do Advento, com o qual iniciamos o Novo Ano e preparamos a festa do Natal de Jesus. É uma passagem marcada pela serenidade que brota da Confiança. Mas o tempo dos homens nem sempre segue este ritmo e este clima, e nuvens carregadas ameaçam a economia de alguns países europeus (Grécia e Itália à frente) e deixa de sobreaviso os países que tentam a duras penas emergir do lamaçal no qual o sistema econômico internacional os lançou. Por mais que, a exemplo da mulher do livro dos Provérbios, os povos pobres trabalhem, poupem e reformem suas instituições, conseguem muito pouco em termos de desenvolvimento econômico, humano e social. Esperando a vinda do Cristo Salvador e a realização plena do seu Reino, os cristãos somos chamados a entrar de cheio nas tensões e possibilidades deste momento histórico e a apresentar na celebração os frutos da fé corajosa e responsável naquele cuja manifestação esperamos com alegria e confiança.
“Ela vale mais do que as jóias...”
É prazeroso escutar o trecho da Palavra de Deus proposto na primeira leitura. Em que pesem as contradições de uma tradição bíblica e de uma Igreja que não conseguem reconhecer às mulheres o lugar que lhes cabem por vontade de Deus, a figura feminina é apresentada como protótipo da pessoa que crê. “Ela vale mais do que as jóias. Seu marido confia nela plenamente e não terá falta de recursos. Ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto todos os dias de sua vida.”
Esta mulher, virtuosa e forte, modelo de fé e responsabilidade diante de Deus, é louvada pela sua intensa atividade e diligência no trabalho. Mas não é apenas por isso: ela é elogiada também por seu amor e solidariedade pelos necessitados. “Abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre.” É um elogio que não vem de vozes bajuladoras, mas dos próprios frutos da sua ação. “Proclamem o êxito de suas mãos, e na praça louvem-na as suas obras!”
“Chamou seus empregados e lhes confiou seus bens...”
Por mais que algumas vozes se levantem e gritem diversamente, Deus confia plenamente na pessoa humana. E o testemunho mais claro e indiscutível dessa confiança e apreço é a encarnação do próprio Filho de Deus, a assunção plena da condição humana, com todas as suas tensões e possibilidades. A nós Deus não confia apenas uma doutrina a ser defendida e ensinada, uma mensagem a ser transmitida. Ele coloca em nossas mãos a tarefa de dirigir o curso da história e nela realizar seu Projeto.
Jesus ilustra essa verdade com a parábola dos talentos (ou tarefas). É o próprio Deus que chama seus adoradores/a e lhes entrega seus bens e espera que cada um/a corresponda a esta confiança de acordo com suas próprias possibilidades. “A um ele deu cinco talentos, a outro deu dois, e ao terceiro, um.” A cada qual de acordo com a sua capacidade. Sua confiança é tão absoluta que ele viaja sem nenhuma preocupação. Deus sabe em quem coloca sua confiança.
É evidente que o que Deus espera daqueles/as que nele acreditam e esperam não é que multipliquem horas de adoração, doutrinas abstratas, leis pesadas e morais estreitas. “Vão e façam discípulos meus em todos os povos! Assim como o Pai enviou a mim, eu envio vocês! Amem-se uns aos outros como eu amei vocês!” E poderiamos multiplicar infinitamente as citações. Trata-se de anunciar e dinamizar o Reino de Deus acolhendo os pobres, consolidando a justiça, amando sem distinção.
 “Trabalhou com eles e lucrou outros cinco.”
O desenrolar da parábola deixa claro seu objetivo: sublinhar que Deus espera que a confiança depositada em nós se mostre antes de tudo na responsabilidade ativa e criativa. É por isso que Jesus coloca nos lábios do homem anônimo o elogio que o próprio Deus pronuncia diante dos fiéis que agem responsavelmente: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais! Venha participar da minha alegria!”
Confiança com confiança se paga! Mas a confiança que responde, a confiança responsável, se mostra na capacidade de correr riscos, na coragem de sujar as mãos e encarnar-se na historia, pois é nela que se esconde e se expande o Reino de Deus. O que Deus nos confia é um fermento, e o fermento cumpre seu destino somente quando se mistura à farinha e a faz a massa crescer. O que Deus nos confia é o dinamismo do seu amor, e o amor morre quando não é transformado em ação.
 “Fiquei com medo e escondi o teu talento no chão.”
Infelizmente, alguns mal-entendidos e algumas intenções discutíveis levam muitos cristãos a uma atitude irresponsável: em nome da defesa da fé, concebem, dão à luz e fazem crescer uma Igreja separada do mundo, centrada nas doutrinas e leis, seduzida por uma vaga idéia de alma, enamorada dos poderes elitistas e excludentes. E mais: gastam todas as suas limitadas forças para resgatar ritos e línguas de um tempo que não existe mais.
Esta atitude é bem representada pelo sujeito que, mesmo tendo recebido sua parte de responsabilidade, age guiado pelo medo. “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo escondi o meu talento no chão.” Não plantou; escondeu! Aquilo que ele pensa ser fidelidade ou responsabilidade diante das coisas sagradas não passa e medo e de preguiça! “Servo mau e preguiçoso!”
“Sejamos vigilantes e sóbrios.”
No belo e complexo tempo que nos é dado viver e testemunhar a fé, percebo, entre outros, dois exigentes desafios: o primeiro, ao qual aludi acima, é o da encarnação da fé e da esperança no coração do mundo, nas ações e movimentos culturais, sociais, políticos e econômicos, evitando uma postura escapista e religiosista; o segundo é fazer isso sem soberba, numa atitude de quem deseja dialogar e colaborar com algo que não nos pertence e nos ultrapassa.
É isso que transparece no trecho da carta de Paulo aos Tessalonicenses que meditamos hoje. Em meio a anúncios desencontrados e tensões que produzem medo, os cristãos somos chamados a viver como filhos da luz, em pleno dia. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios.” Penso que um pouco de sobriedade não faria mal à Igreja de hoje. Sobriedade, vigilância e ação criativa e criadora.
É claro que isso não tem nada de passividade. Dom Helder Camara, de cuja confiança ilimitada na graça de Deus ninguém duvida, escrevia com certo humor, em plena agitação conciliar em torno da colegialidade episcopal (21.09.1964): “O que ocorrerá na Basílica? Talvez o pior. Talvez o melhor. Talvez a batalha seja adiada... Depois de ter feito o possível e uma ponta do impossível, deixo tudo, tranquilamente, nas mãos de Deus.”
“Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia.”
Todos esperamos, com maior ou menor ardor e com conotações um pouco diversas, a manifestação de Jesus Cristo e seu Reino. O que importa é que esta espera não seja passiva ou medrosa, e, menos ainda, moralista e opressora. Livremo-nos deste sono, desta letargia de quem vive cercado de escuridão, não consegue ver direito e se contenta em repetir “paz e segurança” quando tantos tipos de guerras mantém abertas e insaciáveis suas gargantas e boa parte da humanidade não sabe o que é segurança.
Concluo convidando a rezar esta bela oração, escrita por Dom Helder Camara durante o Concílio Vaticano II (29.09.1964) e dirigida ao Anjo São Miguel, misturando confiança, desabafo e compromisso. “Ajuda a Igreja de Cristo a reencontrar os perdidos caminhos da Pobreza. Ajuda-a na abertura de portas: que nenhuma seja fechada por ela, mas se abram todos os diálogos e irrompa hora nova e única para os teólogos, encarregados não só de aprofundar o Vaticano II, mas de preparar o Vaticano III... Ajuda-nos no esforço de levar à prática as decisões conciliares, sopro renovador da face da terra. Ajuda-a, sobretudo, a ajudar a humanidade no acerto do desencontro que a muitos pode parecer mania: o diálogo entre o mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido...” Amém. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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