quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ELOGIO À FRUGALIDADE

O termo frugalidade, que evoca moderação na forma de se alimentar, conduz minhas lembranças inexoravelmente aos nômades de minha infância. Seu modo de viver lhes ensinou a distinguir entre aquilo que é indispensável, aquilo que é necessário e aquilo que é supérfluo. Os modestos objetos que eles carregavam sobre seus dromedários exprimiam de forma paradoxal mais a força e a majestade de sua vida que a precariedade. Se nós ajuntamos a essa modéstia uma habitação constituída de uma simples toalha, a frugalidade atingirá seu ponto mais alto no seio do mundo tórrido do deserto. No outro extremo, no deserto de gelo, nós também encontramos povos que se confrontam com os últimos limites da sobrevivência e que foram capazes de sobreviver.
Entre esses dois extremos se organizaram no percurso dos séculos um número incalculável de modos de viver relativamente frugais, todos geradores de cultura e, a despeito de tudo, fonte de alegria. Entendam-me bem! Não se trata de fazer uma apologia do passado. Sofrimento, violência do homem contra o homem e escravidão sempre marcaram a história do gênero humano. Além disso, as grandes civilizações originais não foram capazes de se alegrar sem acumula recursos vultosos. Algumas dessas civilizações comprometeram de tal modo seu meio natural que acabaram morrendo, e o deserto que provocaram sepultaram-nas sob sua areia.
Com o nascimento do mundo industrial nós entramos numa era essencialmente mineral: a era da combustão, da termodinâmica e da entropia superativa. A "petrolítica", se é possível se expressar nesses termos, aboliu definitivamente todo e qualquer princípio de frugalidade. Ela é, ao contrário, o elogio da produtividade, da superconsumação definido pelo dogma do crescimento superexponencial servido por uma tecnologia eficaz. Todas as nações são convidadas a se desenvolver segundo um modelo dopado pela dilapidação do planeta, e se tornam empresas competitivas preparando as crianças para contribuírem no aumento do PIB mediante o trabalho devotado e sua capacidade elástica de consumir.
Consumir abundantemente é visto mesmo como um ato cívico e vital para a economia, com o sentimento de uma falta crônica habilmente trabalhado pela publicidade, especialista na manipulação mental. A insaciabilidade e a frustração permanentes, muitas vezes programadas, se tornam um aguilhão sempre mais indefinido num ambiente de falsa penúria, gerando massivamente coisas supérfluas e montanhas de dejetos que, por sua vez, se tornam fontes de novas atividades... À esta aberração é necessário acrescentar que o sistema que produz as mercadorias que devem ser consumidas gera, ao mesmo tempo, o desemprego e a exclusão de inumeráveis cidadãos incapazes de consumi-las.
Nesse contexto, a frugalidade adquire um caráter salutar e pode contribuir para o nascimento de uma nova ordem cultural, fundada sobre a idéia de temperança. A frugalidade solicita meu engajamento pessoal e minha responsabilidade. Eu sou frugal porque eu tenho consciência de habitar um planeta com recursos limitados e entregues a uma pilhagem ilimitada. Eu sei também que os bens da terra são distribuídos de forma desigual e injusta. O supérfluo de uns representa o indispensável de outros, e instaura uma espécie de antropofagia indireta. Eu sou frugal porque eu quero me libertar do consumismo e me libertar do estatuto do consumidor manipulado, ao qual a ideologia da mercadoria quer me reduzir, sem considerar minha dignidade. Eu sou frugal porque não quero contribuir para tornar impossível a vida das gerações futuras.
Para além das questões individuais, a frugalidade ajuda a construir coletivamente, através de uma educação especifica aos filhos, uma economia re-localizada, uma autonomia coletiva que reduza o recurso desmedido à energia combustível e à dissipação massiva dos recursos, que gera degradações irrecuperáveis na natureza e empobrecimento humano.
Mas eu sou plenamente consciente das contradições que ameaçam meu comportamento cotidiano e das incoerências que me impõem uma organização da qual nos sentimos reféns impotentes, fazendo concessões a uma realidade que conscientemente eu recuso. Mas eu sei que uma ordem diferente, inspirada pela inteligência da própria vida, é realmente possível, e eu quero contribuir para que essa mudança aconteça. Eu sei também que nós não temos outra escolha. Talvez a frugalidade exterior seja inspirada e determinada por uma frugalidade interior, capaz de moderar minhas ambições, meu desejo de poder e todas as outras pulsões prejudiciais à paz universal.
Pierre Rabhi
(Publicado em Faim e Développement Magazine, N° 199-200 (Janeiro de 2005), p. 21).
Traduzido por Itacir Brassiani msf.

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