sexta-feira, 2 de março de 2012

Em memória delas

Nestes dias em que temos a oportunidade e a obrigação de fazer memória do significado histórico, antropológico e social da mulher na sociedade e na Igreja, assim como da discriminação e da violência de que foram e continuam sendo vítimas, recolho e publico breves biografias de mulheres que, entre tantas outras igualmente anônimas, merecem ser lembradas. Todos estes recortes biográficos estão no livro Espelhos, de Eduardo Galeano (L&PM Editores, Porto Alegre, 2008), que recomendo vivamente, tanto pelo estilo como pelo conteúdo.



Juana
Como Teresa de Ávila, Juana Inês de la Cruz se fez monja para evitar a jaula do matrimônio. Mas também no convento seu talento ofendia. Tinha céerebro de homem aquela cabeça de mulher? Por que escrevia com letra de homem? Por que queria pensar, se cozinhava tão bem?
E ela, zombando, respondia: “O que podemos saber as mulheres, a não ser filosofias de cozinha?”
Como Teresa, Juana escrevia, embora o sacerdote Gaspar de Astete já tivesse advertido que “à donzela cristã não lhe é necessário saber escrever, e pode ser-lhe danoso.” Como Teresa, Juana não apenas escrevia como, para aumentar o escândalo, escrevia indubitavelmente bem.
Em séculos diferentes, e em diferentes margens do mesmo mar, Juana, a mexicana, e Teresa, a espanhola, defendiam por falado e por escrito a desprezada metade do mundo. Como Teresa, Juana foi ameaçada pela inquisição. E a Igreja, a sua Igreja, a perseguiu por cantar o humano tanto ou mais que o divino, e por obedecer pouco e perguntar demais.
Com sangue, e não com tinta, Juana assinou o seu arrependimento. E jurou silêncio para sempre. E muda, morreu. (p. 136)

Um comentário:

Rita Maria FC Andreatta disse...

Fantático, inteligente e sumamente oportuno - esse estilo Galeano só merece elogios e mutíssimos obrigadas por parte de nós,as mulheres de hoje, que trazem no dna as mulheres de sempre.