Deus assume o lugar do ser humano mais humilhado.
(Is 50,4-7; Sl 21/22; Fil 2,6-11; Mc 11,1-10)
Depois de cinco semanas de preparação, eis que se abrem as portas de uma semana que vale uma vida. Com ramos e flores, faixas e bandeiras, cânticos e palavras de ordem, percorremos ruas e reunimo-nos nos templos para aclamar nosso líder manso e humilde. “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!” Só alguém infinitamente grande é capaz de fazer-se tão pequeno e tão próximo. Na celebração que abre a Semana-santa, somos convidados/as acompanhar Jesus no seu caminho de fidelidade. Ele oferece generosamente sua vida, bebe o cálice num só golpe e realiza plenamente a vontade do Pai. Ao lado de refrões que declaram que é bendito Aquele que vem em nome do Senhor, elevemos nossas palavras de ordem: Que a saúde se estenda sobre a terra! Que o SUS priorize o atendimento de às necessidades básicas de saúde do povo brasileiro, garantindo a qualidade, a universalidade e a gratuidade.
“Como um simples homem...”
Preciso despir as fantasias de poder e de sucesso quando meditamos sobre a entrada de Jesus em Jerusalém. Não tem nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na sua capital montado num jumento. Nada de cortejos de honra, de generais e cavalos vistosos, que Marcos parece satirizar na sua narrativa. Como diz o hino de Paulo, Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um servidor, um simples homem, esvaziado de interesses escusos e obediente às necessidades dos outros.
O profeta Jesus vem da Galiléia e chega à capital do seu país dominado pelos romanos. O povo da periferia da capital o aclama como filho e herdeiro de Davi. Essa gente, como o velho Simeão, sabia reconhecer neste “simples homem” Aquele que vem em nome de Deus e atualiza sua ação libertadora. E isso contrasta com a fria acolhida por parte do povo de Jerusalém e com o medo indisferçável dos próprios discípulos.
O grupo que acompanha Jesus aclama o despontar do reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Jesus, porém, não realiza as ações de poder que eles esperavam: chega ao templo, olha tudo e se retira em Betânia sem fazer nada. Ele é o ouvinte da Palavra do qual fala o profeta Isaías, e dessa escuta obediente brota uma palavra que desperta os adormecidos e encoraja os acorrentados pela doença e pelo medo.
“Vocês todos vão ficar desorientados...”
Mais uma vez, frente ao caminho seguido por Jesus Cristo não é possível alimentar nossos mitos de sucesso fácil e irresponsável. Não exageremos na ênfase sobre a acolhida que ele teve na entrada da cidade. Uma leitura atenta nos ajudará a perceber que o evangelista dá destaque à escolha da montaria. A entrada de Jesus montado num jumento é uma poderosa sátira dirigida aos libertadores militares conhecidos no passado ou esperados para o futuro.
Ademais, o entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo de gente que vinha do interior não se sustentará por muito tempo. Os gritos de ‘hosana’ – Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente pedido ‘crucifica-o’, fruto da frustração popular e da manipulação interesseira das autoridades. Os próprios discípulos que o haviam acompanhado e frequentado suas lições sentem-se irremediavelmente desoriantados e defraudados em suas expectativas.
“Fiquem aqui e vigiem...”
A divisão que se criou entre os discípulos e a real possibilidade da traição não fazem Jesus mudar de plano. É verdade que ele se sente abatido e chega a perguntar-se sobre o rumo a seguir. No momento crucial, depois da festa de acolhida e da ceia de despedida, Jesus enfrenta um discernimento difícil. Pede aos discípulos que fiquem com ele e vigiem. “Tudo é possível para ti. Afasta de mim este cálice... ” Essa experiência permanece como um alerta para os discípulos e discípulas que esperam facilidades.
“Vigiem e rezem para não caírem em tentação.” Para Jesus, oração é o momento de confronto profundo com a vontade do Pai, com a missão escrita em caracteres confusos e exigentes. E para nós, seus discípulos/as, a oração continua sendo um convite a discernir com retidão e coerência os caminhos que levam à vida em abundância. Muitas vezes temos a impressão de que é mais cômodo deixar a oração de lado e seguir o róseo caminho do menor esforço, do “cada um para si e Deus para todos”.
Mas este já seria outro caminho. Pilatos cinicamente escolhe o caminho mais fácil: lavar as mãos, fazer a vontade da maioria e assim receber o apoio popular que faltava ao seu poder despótico. É o fácil caminho da indiferença diante da dor dos outros, da rápida incriminação dos lutadores, da alegre bajulação dos poderosos, da arrogante pretensão de ser o único artífice do próprio bem-estar. Todos/as precisamos vigiar para não cairmos em tentação...
“Ele era mesmo o Filho de Deus...”
Aquele que o povo simples havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus, permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. A cruz era considerado lugar absolutamente vazio da presença Deus, a negação mais absoluta da realeza ou de qualquer forma de liderança, sinônimo de horror, de fracasso, de culpa, de impotência, de abandono.
“O Messias, o rei de Israel... Desça agora da cruz para que vejamos e acreditemos”, provocam muitos, entendendo que a divindade se mostra no poder, no cuidar de si mesmo, no salvar a própria pele. Tanto para os fiéis judeus como para os soldados romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da peretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido. O próprio Jesus parece mergulhar neste turbilhão: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”
Mas da boca de um soldado pagão vem a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “De fato, esse homem era mesmo o Filho de Deus.” O que viu aquele soldado naquela cruz envolta em trevas? Viu aquilo que Simeão reconhecera 30 anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que vivem e morrem defendendo a vida. Naquele homem esvaziado, anulado e descartado, mas, ao mesmo tempo, absolutamente fiel ao seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade e o brilho da glória de Deus diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico treme.
“Vou contar tua fama aos meus irmãos...”
A Campanha da Fraternidade nos lembra que podemos ser curados de uma doença, inclusive de uma doença considerada mortal, mas não podemos vencer a mortalidade. Mas não podemos também aceitar passivamente a morte que é consequência do descaso pela vida, resultado da pobreza, dos acidentes, da violência e outros pecados. Ultimamente, a saúde deixou de ser uma questão de caridade e passou a ser vista como direito. Mas corre o risco de se tornar um negócio, refém de um mercado sem coração. Por isso, precisamos unir a prece confiante e a busca de bênção à reinvidicação de um Sistema de Saúde Pública de qualidade.
Nada de divorciar a fé em Jesus da nossa responsabilidade social! Com ramos nas mãos, aclamemos com alegria inocente e esperança convincente o profeta Jesus de Nazaré. Acompanhemos de perto seus passos, acolhamos seus gestos, escutemos suas palavras. Superemos a tentação de segui-lo de longe e evitar maiores riscos, como fizeram Pedro e os outros. Não esqueçamos que tantos discípulos e discípulas pelos séculos a fora permaneceram com ele, comungaram seu destino, transformaram a fé em ação social e política e se tornaram semente. E são tantos/as, graças a Deus.
“Mas tu, Senhor, não fiques longe...”
Senhor, Deus de amor, Pai de bondade, nós vos louvamos e agradecemos pelo dom da vida, pelo amor com que cuidas de toda a criação. Vosso filho Jesus Cristo, em sua misericórdia, assumiu a cruz dos enfermos e de todos os sofredores, e sobre eles derramou a esperança de vida em plenitude. Enviai-nos, Senhor, o vosso Espírito. Guia a vossa Igreja, para que ela, pela conversão, se faça sempre mais solidária às dores e enfermidades do povo, e que a saúde se difunda sobre a terra. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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