Nestes dias em que temos a oportunidade e a obrigação de fazer memória do significado histórico, antropológico e social da mulher na sociedade e na Igreja, assim como da discriminação e da violência de que foram e continuam sendo vítimas, recolho e publico breves biografias de mulheres que, entre tantas outras igualmente anônimas, merecem ser lembradas. Todos estes recortes biográficos estão no livro Espelhos, de Eduardo Galeano (L&PM Editores, Porto Alegre, 2008), que recomendo vivamente, tanto pelo estilo como pelo conteúdo.
Emily
Aconteceu em Amherst, em 1886. Quando Emily Dickinson morreu, a família descobriu mil e oitocentos poemas guardados em seu quarto.
Tinha vivido na ponta dos pés, e na ponta dos pés escreveu. Não publicou mais que onze poemas em toda a sua vida, quase todos anônimos ou assinados com outro nome.
De seus antepassados puritanos herdou o enfado, marca de distinção de sua raça e de sua classe: proibido se tocar, proibido se dizer. Os cavalheiros faziam politica e negócios, e as demais perpetuavam a espécie e viviam doentes.
Emily viveu a solidão e o silêncio. Trancada em seu quarto, inventava poemas que violavam as leis, as leis da gramática e as leis do seu próprio confinamento, e ali escrevia uma carta por dia à sua cunhada Susan, e as mandava pelo correio, embora ela morasse na casa ao lado.
Esses poemas e essas cartas fundaram seu santuário secreto, onde quiseram ser livres suas dores escondidas e seus proibidos desejos. (p. 213-214)
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