Pacto
das Catacumbas da Igreja serva e pobre
No
dia 16 de novembro de 1965, há 47 anos, poucos dias antes do encerramento do Vaticano II,
cerca de 40 padres conciliares celebraram uma Eucaristia nas Catacumbas de Domitila,
em Roma,
pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Depois dessa celebração, assinaram o "Pacto das Catacumbas". O
documento é um desafio aos "irmãos no Episcopado" a levar adiante uma
"vida de pobreza", uma Igreja "serva e pobre", como
sugerira o Papa João
XXIII. Os signatários – entre eles muitos brasileiros e
latino-americanos, embora muitos outros aderiram ao pacto mais tarde – se
comprometiam a viver em pobreza, a renunciar a todos os símbolos ou privilégios
do poder e a pôr os pobres no centro do seu ministério pastoral. O texto teve
uma forte influência sobre a Teologia da Libertação, que surgiria nos anos
seguintes. Vale a pena ler e meditar sempre de novo.
Nós,
Bispos, reunidos no Concílio
Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida
de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa
em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a
todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força
de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas
respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da
Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de
nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também
com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça,
comprometemo-nos ao que se segue:
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Dom Helder, um dos mentores do Pacto |
1)
Procuraremos
viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação,
à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue (cf. Mt 5,3;
6,33s; 8,20);
2)
Para
sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje
(fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem
esses signos ser, com efeito, evangélicos). (cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6). Nem
ouro nem prata.
3)
Não
possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio
nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras
sociais ou caritativas (cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33s).
4)
Cada
vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa
diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel
apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos
(cf. Mt 10,8; At. 6,1-7).
5)
Recusamos
ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a
grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser
chamados com o nome evangélico de Padre (cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15).
6)
No
nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode
parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos
ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos
serviços religiosos) (cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19).
7)
Do
mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja,
com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão.
Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação
normal no culto, no apostolado e na ação social (cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor
12,4).
8)
Daremos
tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao
serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e
economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras
pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou
sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários
compartilhando a vida operária e o trabalho (cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At
18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27).
9)
Cônscios
das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas,
procuraremos transformar as obras de "beneficência" em obras sociais
baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as
exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes (cf. Mt
25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s).
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Catacumba de Domitila, Roma |
10) Poremos tudo em obra para que
os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e
ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias
à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em
todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna
dos filhos do homem e dos filhos de Deus (cf. At 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e
9; 1Tim 5, 16).
11) Achando a colegialidade dos
bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas
humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da
humanidade - comprometemo-nos: a) a participarmos, conforme nossos meios, dos
investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres; b) a requerermos
juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho,
como o fez o Papa Paulo VI na ONU,
a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações
proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres
saírem de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar,
na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes,
religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço;
assim: a) esforçar-nos-emos para "revisar nossa vida" com eles; b) suscitaremos
colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns
chefes segundo o mundo; c) procuraremos ser o mais humanamente presentes,
acolhedores...; d) mostrar-nos-emos
abertos a todos, seja qual for a sua religião (cf. Mc 8,34s; At 6,1-7; 1Tim
3,8-10).
13) Tornados às nossas dioceses
respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução,
rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.
Ajude-nos
Deus a sermos fiéis.