Qual é o mandamento maior da lei?
Os poderosos
armam ciladas contra quem está com o povo
No evangelho
para este final de semana, a comunidade de Mateus apresenta-nos Jesus ensinando
o mandamento maior no templo de Jerusalém (cf. Mateus 21,23; 24,1). Auxiliado
pela sinagoga, o templo era o pilar de um sistema que garantia o ensino e o cumprimento das
leis, bem como a aplicação das penas para quem não as cumprisse.
Nesse templo,
mais uma vez, alguns fariseus procuram Jesus para “pô-lo à prova” (Mateus
22,35). Assim já haviam feito ao armarem, junto com herodianos, uma cilada em
torno do pagamento dos impostos aos imperadores de Roma, a fim de
“apanhá-lo por alguma palavra” (Mateus 22,15). Este relato foi o evangelho do
domingo passado, quando, tanto representantes da religião oficial de Jesus
(fariseus) bem como do império romano (partidários de Herodes), já haviam se
dado conta de quanto o projeto de Jesus era perigoso para os seus privilégios.
Ainda mais depois que Jesus também “fechara a boca dos saduceus” (Mateus
22,34). Os saduceus compunham o partido judaico mais poderoso naquele momento.
Eles juntavam os que controlavam a religião a partir do templo, os sacerdotes,
e os que detinham o poder sobre o comércio em Jerusalém, os anciãos. Hoje,
diríamos que é o partido do capital financeiro com apoio da grande mídia
empresarial.
O conflito
entre diferentes projetos de vida leva-nos a perceber que a plataforma do Reino
de Deus revoluciona todos os sistemas, de ontem e de hoje, grandes ou pequenos,
dentro ou fora de nós. No momento eleitoral que estamos vivendo no Brasil,
vemos claramente esse conflito ainda presente. Apesar de todos os limites
impostos por um sistema político e econômico intrinsecamente injusto, quem não
percebe que ainda hoje os poderosos armam golpes contra quem procura melhorar a
vida do povo, especialmente dos mais pobres, chamados por eles de “menos
informados”, ignorantes?
No tempo de
Jesus, não era diferente, como percebemos na narrativa da liturgia deste final
de semana. Fariseus partem pra cima de Jesus com uma nova armadilha:
“Mestre, qual é o mandamento maior da lei?” (Mateus 22,36). Em resposta, Jesus
faz memória da centralidade do amor nas Escrituras de seu povo. Dessa forma, ao
colocar o amor como motivação maior para todo o nosso agir, Jesus
torna relativas todas as leis, doutrinas e tradições. Elas somente estão
conforme a vontade de Deus, caso tiverem, como fonte primeira, o amor.
Jesus acusa
esses fariseus de traírem o projeto de Deus ao colocarem a letra acima do espírito da
lei. Incomodados pela acusação de Jesus, ficaram sem resposta e
silenciaram. Porém, como podemos ler na narrativa seguinte ao nosso texto,
novamente eles se reuniram. Seria para preparar outro golpe? (Mateus 22,41). No
entanto, segundo o relato de Mateus, a partir de agora é Jesus quem passa a
desmascará-los, fazendo perguntas (Mateus 22,42) e acusações fortes contra
fariseus, incluindo também doutores da lei (Mateus 23,1-36), de modo que
“ninguém podia responder-lhe nada. E a partir daquele dia, ninguém se atreveu a
interrogá-lo” (Mateus 22,46). Estavam nus, totalmente desmascarados.
Jesus resgata
o espírito da lei
Em que parte
das Escrituras Jesus busca o espírito da lei, o princípio do amor? Para o
primeiro mandamento, ele recorre a um dos livros da lei judaica, o Deuteronômio
(6,4-5): “Amarás o Senhor, teu Deus...”. É um amor intenso, isto é, com todo o
nosso ser: coração e alma, força vital e mente.
O segundo, ele
o encontra em outro escrito do Pentateuco, o livro do Levítico (19,18): “Amarás
o teu próximo como a ti mesmo”. Também esse é um amor profundo, pois é amar o
próximo tanto quanto amamos a nós próprios. Segundo o sermão da montanha
(Mateus 5-7), Jesus diz o mesmo em outras palavras, resumindo a lei e os
profetas, isto é, todas as Escrituras: “Tudo que desejais que as pessoas vos
façam, fazei-o vós a elas” (Mateus 7,12). Jesus vai além do senso comum que
dizia: “Não faça às outras pessoas o que não queres que te façam”. Ele propõe
um amor mais intenso. E amar intensamente é acolher de coração. É cuidar com
corpo e com alma. É escutar com mente aberta. É solidariedade, força de vida...
O amor é o
centro da vida nutrida em Deus, pois Deus é amor (1 João 4,8.16). Segundo o
apóstolo Paulo, se andamos no caminho de Deus, vivemos o amor que gera vida, “pois
toda a lei se resume neste único mandamento: amarás o teu próximo como a ti
mesmo” (Gálatas 5,14; Romanos 13,9). Portanto, “o amor é o cumprimento pleno da
lei” (Romanos 13,10). Ao dizer que “toda lei e os profetas dependem desses dois
mandamentos” (Mateus 22,40), Jesus torna todas as Escrituras relativas. Elas
têm sentido somente quando estão em relação ao amor e dele dependem. Somente o
amor é absoluto e dá sentido às Escrituras. O amor, portanto, é critério para reler
qualquer texto da Bíblia.
Os judeus mais
piedosos haviam catalogado todas as leis do Pentateuco. Chegaram a relacionar
613 leis. Dessas, 365 eram proibições como, por exemplo, “não matarás” (Êxodo
20,13). E 248 eram leis afirmativas como “lembra-te de santificar o dia de
sábado” (Êxodo 20,8). Uma quantidade tão grande de leis era difícil para o povo
cumprir. De um lado, por não saber ler e, por isso, não conhecer as leis em
seus detalhes. De outro, por não ter, na luta cotidiana pela sobrevivência,
condições de cumprir a lei em todos os seus pormenores.
Conforme uma informação que encontramos no evangelho segundo João, fariseus diziam que “esse povinho que desconhece a lei, são uns malditos” (cf. João 7,47-49). Segundo essa postura preconceituosa e intolerante de fariseus, as pessoas “menos informadas” sobre a lei e, em consequência, não a cumprindo, seriam amaldiçoadas por Deus. E essa era a situação da maioria do povo pobre daquele tempo. Apenas uma minoria considerava-se abençoada por Deus pelo fato de ser “mais informada” e cumprir a lei, bem como as tradições orais sobre o puro e o impuro.
Conforme uma informação que encontramos no evangelho segundo João, fariseus diziam que “esse povinho que desconhece a lei, são uns malditos” (cf. João 7,47-49). Segundo essa postura preconceituosa e intolerante de fariseus, as pessoas “menos informadas” sobre a lei e, em consequência, não a cumprindo, seriam amaldiçoadas por Deus. E essa era a situação da maioria do povo pobre daquele tempo. Apenas uma minoria considerava-se abençoada por Deus pelo fato de ser “mais informada” e cumprir a lei, bem como as tradições orais sobre o puro e o impuro.
Ao dar valor
relativo às inúmeras prescrições e ao colocar o amor como único princípio no
cuidado e promoção da vida, Jesus abre a possibilidade aos pobres de também
fazerem parte das bênçãos do Pai. Para muitos fariseus, por considerarem os
pobres “menos informados” sobre a lei, estes estariam excluídos dessas bênçãos
de Deus. Somente eles achavam ter esse privilégio. No entanto, em sua prática,
Jesus derruba os muros que impediam o acesso dos pobres ao Reino. E mais.
Alegra-se porque são justamente eles que acolheram a boa nova, enquanto os que
se achavam “os mais informados”, porém, prisioneiros de inúmeras regrinhas e
preconceitos, fecharam-se ao projeto de Deus (Mateus 11,25). Assim, diante da
dificuldade para cumprir tantas leis, Jesus propõe um caminho alternativo, o
caminho do amor.
Caminhemos pela estrada do amor
Caminhemos pela estrada do amor
O caminho do
amor é um novo jeito de caminhar, é uma nova prática. Sua vivência não é algo
abstrato, teórico, mas é um amor bem concreto. Antes de procurar um próximo
para amar, importa tornar-se próximo de quem precisa de solidariedade. É isso
que a comunidade de Lucas quer-nos lembrar ao acrescentar, à narrativa em que
revela o mandamento do amor, a parábola do samaritano misericordioso (Lucas
10,29-37). Conforme a comunidade de Mateus, Jesus lembra-nos das principais
atitudes de solidariedade: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o
Reino preparado para vós desde a criação do mundo. Pois tive fome e me destes
de comer. Tive sede e me destes de beber. Era sem teto e me acolhestes. Estive
nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me” (Mateus
25,34-36). Definitivamente, o caminho do amor é o caminho da solidariedade.
As comunidades
de João, diferentemente das de Mateus, Marcos e Lucas, não separam o mandamento
de Jesus em dois: amar a Deus, de um lado, e o próximo, de outro. Elas vão mais
fundo e identificam o amor a Deus com o amor ao próximo: “Se alguém disser:
‘amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão
a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4,20).
Ademais, essas
comunidades consideram insuficiente “amar o próximo como a si mesmo”. É preciso
ir além: “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis
amar-vos uns aos outros” (João 13,34; 15,12.17). O amor deve ser sem limites,
tal como Jesus mesmo amou, isto é, sendo fiel ao projeto do Pai até as últimas
consequências. E sabemos que essa fidelidade lhe custou a vida. Porém, ela
também é a razão fundamental porque ele continua vivo, presente na luta de quem
o segue pelo caminho da justiça do Reino.
Ó Deus de
ternura e de bondade,
diante da crise em que este mundo se encontra,
permite-nos que teu amor nos conduza
na superação de todas as estruturas de morte
que ameaçam a vida no planeta. Amém!
diante da crise em que este mundo se encontra,
permite-nos que teu amor nos conduza
na superação de todas as estruturas de morte
que ameaçam a vida no planeta. Amém!
Ildo Bohn Gass
http://www.cebi.org.br/noticias.php?secaoId=1¬iciaId=5189
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