Não dixemos que nos roubem a alegria da missão!
A Igreja
católica tomou consciência de que a missão faz parte do seu código genético, e
proclama que esta não é apenas mais uma das suas múltiplas tarefas, nem uma responsabilidade
de apenas algumas pessoas. Em 2007, na Conferência
de Aparecida, os bispos da América Latina e do Caribe colocaram esta
questão no centro das preocupações da Igreja na América Latina e convocaram
todos os seus membros a serem discípulos e missionários de Jesus Cristo. Na sua
mensagem para a jornada mundial das missões, o papa Francisco insiste mais uma
vez: “a Igreja nasceu em saída.”
Na
perspectiva do evangelho de hoje, a missão não consiste propriamente em semear
a mensagem do Reino de Deus onde o cristianismo ainda não lançou raízes, mas em
ir aos arrendatários da “vinha do Senhor” para recolher os frutos esperados.
Como missionários, somos enviados àqueles que foram investidos de autoridade ou
ocupam posições de liderança política e religiosa para verificar se realmente
se dedicam ao povo. A missão é ir àqueles que se apropriaram da vinha do
Senhor. Uma missão que tem uma clara dimensão crítica e profética.
Esta
missão é tão urgente quanto difícil e conflituosa. A parábola de Jesus menciona
as agressões e espancamentos sofridos pelas pessoas enviadas. Quando os
missionários não se contentam em propor doutrinas e celebrar ritos, correm o
risco de serem pesssoas indesejáveis e sofrerem violências nas mãos dos
‘malvadamente maus’ ou ‘canalhas’, como diz Mateus. A história remota e recente
também registra as calúnias e torturas, as prisões e o martírio sofridos pelos
profetas e testemunhas. Em alguns países da África e do Oriente Médio, mas não
só, isso continua terrivelmente atual.
Digamos
uma vez mais, para que fique claro: a missão como a entendemos hoje não
consiste em colher frutos para a instituição eclesial ou multiplicar suas
agências, mas em cobrar o estabelecimento do direito de Deus no mundo: a
implantação da justiça para os pobres, o reconhecimento da dignidade dos
desprezados, a primazia dos últimos, o cuidado e a bondade gratuita a todas as
criaturas. Se estes frutos não forem encontrados, o Reino de Deus deve ser
subtraído às elites e autoridades constituídas e entregue a pessoas que
produzam esses frutos.
Jesus é o
missionário enviado pelo Pai, modelo e o caminho a ser seguido por todos os
missionários. Ele não se negou a pagar o preço que a missão lhe exigiu: foi
caluniado, desprezado, descartado e crucificado. Foi tratado como uma pedra que
os pedreiros descartam porque consideram sem valor, inadequada e problemática no
seu projeto de sociedade e de mundo. Mas, para ele, isso não se configurou numa
tragédia. Pelo contrário, a rejeição acabou nos revelando sua opção pessoal e o
princípio norteador da sua vida.
O
princípio cardeal da missão de Jesus e dos seus discípulos é ir solidariamente
ao encontro dos rejeitados e excluídos para estabelecer, em nome do Pai que os
envia, uma primazia e uma dignidade que jamais prescreve. Os grupos humanos e
sociais aparentemente problemáticos e disfuncionais são a pedra-de-toque do Reino
de Deus. Sem o anúncio de uma Boa Notícia aos pobres e sem a reversão social
que coloca os últimos em primeiro lugar, não há Igreja nem missão fiel a Jesus.
É daqui que brota a alegria cristã, alegria inerente ao Evangelho, como vem
sublinhando o papa Francisco.
E esta é
a perspectiva do trabalho missionário: subverter os esquemas, inverter as
prioridades, afirmar os excluídos como indispensáveis no projeto de um mundo
que se queira humano. É nisso que a Igreja precisa empenhar de forma contínua
todos os seus membros, todos os seus esforços e os melhores meios de que dispõe.
A missão segue seu caminho de baixo para cima, da periferia para o centro, dos
últimos para os primeiros. A parábola da pedra rejeitada, mas recolocada por
Deus no centro, é a parábola da missão. Não deixemos que nos roubem essa
alegria!
Deus pai e mãe, cuidador e amante
apaixonado da tua vinha: continua a suscitar homens e mulheres conscientes da
própria fragilidade e da força do teu amor e envia-os para cuidar do teu povo.
Que eles não desanimem quando forem tratados como pedras inúteis na construção
dos muros. Que eles sintam a companhia inspiradora de Teresinha, André,
Ambrósio, Mateus, Francisco e tantos outros. E que esta comunidade que nasce do
lado aberto do teu filho empenhe seus melhores membros e meios na missão de
testemunhar a comunhão fraterna e de anunciar a boa notícia aos pobres. Assim
seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Profeta
Isaías 5,1-7 * Salmo 79 (80) * Carta aos Filipenses 4,6-9 * Mateus 21,33-43)
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