O desejo de Maria é que
os povos tenham vida abundante.
Nesta
segunda semana do mês dedicado à animação missionária das nossas comunidades
temos a significativa festa de Nossa Senhora Aparecida, a Mãe Negra de um país
multicultural mas não totalmente livre da praga do racismo. Mergulhemos no
acontecimento da Mãe Aparecida e deixemo-nos iluminar e orientar pela Palavra
de Deus, dispostos a acolher o que ela quer nos ensinar sobre a missão nos
tempos atuais. Não seria tempo de proclamar que o cumprimento cego das leis de
mercado favorece apenas a festa de alguns, à custa da miséria de muitos?
O
evangelista João nos lembra discretamente que houve uma festa de casamento, para
a qual Jesus, sua mãe e seus discípulos estavam convidados. Ao longo da
história, o povo de Deus soube captar essa presença em inúmeros momentos e numa
enorme diversidade de cores. E descobriu em Maria os traços de uma mulher que
se apresenta como discípula do
próprio filho, como mãe da comunidade
fiel, como companheira de caminhada,
como consoladora dos aflitos, como conselheira
admirável, como estrela de uma manhã
radiosa, como arca da aliança entre
povos divididos....
Maria
gosta de ser discreta, mas nunca indiferente. Mesmo quando ninguém vê que falta
vida e alegria, ela vê e fala. Maria vê que nem todos têm acesso à festa da
vida e compreende que a orgia dos opressores e dos indiferentes não pode durar
para sempre. Somente a misericórdia de Deus deve se estender de geração em
geração! Maria nos ensina que faz parte da tarefa dos missionários alertar para
a falência dos sistemas que confiam cegamente na concorrência e no acúmulo, e a
denunciar a carência desumana à qual grandes multidões estão acorrentadas.
Como mãe
e intercessora, Maria pede a intervenção de Jesus, mas nem sempre o faz com
palavras. O povo brasileiro soube entender que, ao assumir a cor escura dos
negros escravizados, Maria estava gritando em alto e bom tom a dignidade que
lhes era negada e denunciando a violência do sistema escravagista. Quando até
os discípulos do seu Filho escravizavam os negros em seus conventos e fazendas,
Maria se fez presente na dor e na cor própria deles. Este foi um grito
profético que dizia que faltava vinho, que o sangue de muitos era derramado em
benefício de poucos.
Como
missionários, temos muito a aprender com Maria. São reais os riscos de pensar e
desenvolver a missão como um projeto de tutela de povos considerados sempre
menores e inferiores; ou como uma empresa colonialista ou desenvolvimentista, que
confunde modernização técnica com humanização; ou ainda como um projeto
doutrinal e fundamentalista, centrado na Igreja e nas suas leis e tradições,
com o objetivo de expandir a Igreja e não de servir ao povo. A missão da Igreja
não pode ter outra meta que não esta: lutar por abundante vida para o povo de
Deus.
Maria nos
ensina também que precisamos lembrar ao povo que a única alternativa às
falências e carências da nossa sociedade é fazer o que Jesus pede. O caminho da
liberdade pessoal e social é a palavra-ação de Jesus Cristo: a abertura à
intervenção criadora de Deus; a confiança na própria dignidade e capacidade; a
solidariedade e a colaboração; a convicção de que tudo aquilo que é feito em
vista do bem dos outros produz seus frutos, cedo ou tarde. “Façam o que ele
mandar...” É isso que os missionários precisamos lembrar e relembrar ao mundo e
à Igreja.
Maria
pede aos servidores que façam o que Jesus diz. E, mesmo sem compreender o
sentido da ordem recebida, eles o fazem. O resultado da acolhida desta Palavra é
vinho bom e abundante, fraternidade e alegria duradouras, o reino de Deus
chegando antecipadamente em forma de sacramento. Isso confirma minha convicção
de que a missão tem como objetivo fundamental ajudar os povos a descobrir e
colocar em ação seus próprios recursos e possibilidades de gerar vida em
benefício de todas as criaturas, e de fazê-la sempre mais abundante e boa.
Deus, pai e mãe, que em Maria revelaste
tua ternura feminina e materna. Guia e acompanha tua Igreja na subida para a
festa da Aliança e na descida para a Cafarnaum do nosso cotidiano. Abre nossos
ouvidos à tua e nossa Mãe, que, atenta às dores e necessidades da
humanidade, nos pede para ir além dos
terços e missas e fazer o que seu filho nos ordena. E ajuda-nos a perceber os
pequenos e promissores sinais do teu reino na concretude incontornável da vida
cotidiana. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Ester 5,1-2; 7,2-3 * Salmo 44 (45) * Apocalipse 12,1-16 * João 12,1-11)
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