quinta-feira, 9 de outubro de 2014

SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA APARECIDA (ANO A – 12.10.2014)

O desejo de Maria é que os povos tenham vida abundante.

Nesta segunda semana do mês dedicado à animação missionária das nossas comunidades temos a significativa festa de Nossa Senhora Aparecida, a Mãe Negra de um país multicultural mas não totalmente livre da praga do racismo. Mergulhemos no acontecimento da Mãe Aparecida e deixemo-nos iluminar e orientar pela Palavra de Deus, dispostos a acolher o que ela quer nos ensinar sobre a missão nos tempos atuais. Não seria tempo de proclamar que o cumprimento cego das leis de mercado favorece apenas a festa de alguns, à custa da miséria de muitos?
O evangelista João nos lembra discretamente que houve uma festa de casamento, para a qual Jesus, sua mãe e seus discípulos estavam convidados. Ao longo da história, o povo de Deus soube captar essa presença em inúmeros momentos e numa enorme diversidade de cores. E descobriu em Maria os traços de uma mulher que se apresenta como discípula do próprio filho, como mãe da comunidade fiel, como companheira de caminhada, como consoladora dos aflitos,  como conselheira admirável, como estrela de uma manhã radiosa, como arca da aliança entre povos divididos....
Maria gosta de ser discreta, mas nunca indiferente. Mesmo quando ninguém vê que falta vida e alegria, ela vê e fala. Maria vê que nem todos têm acesso à festa da vida e compreende que a orgia dos opressores e dos indiferentes não pode durar para sempre. Somente a misericórdia de Deus deve se estender de geração em geração! Maria nos ensina que faz parte da tarefa dos missionários alertar para a falência dos sistemas que confiam cegamente na concorrência e no acúmulo, e a denunciar a carência desumana à qual grandes multidões estão acorrentadas.
Como mãe e intercessora, Maria pede a intervenção de Jesus, mas nem sempre o faz com palavras. O povo brasileiro soube entender que, ao assumir a cor escura dos negros escravizados, Maria estava gritando em alto e bom tom a dignidade que lhes era negada e denunciando a violência do sistema escravagista. Quando até os discípulos do seu Filho escravizavam os negros em seus conventos e fazendas, Maria se fez presente na dor e na cor própria deles. Este foi um grito profético que dizia que faltava vinho, que o sangue de muitos era derramado em benefício de poucos.
Como missionários, temos muito a aprender com Maria. São reais os riscos de pensar e desenvolver a missão como um projeto de tutela de povos considerados sempre menores e inferiores; ou como uma empresa colonialista ou desenvolvimentista, que confunde modernização técnica com humanização; ou ainda como um projeto doutrinal e fundamentalista, centrado na Igreja e nas suas leis e tradições, com o objetivo de expandir a Igreja e não de servir ao povo. A missão da Igreja não pode ter outra meta que não esta: lutar por abundante vida para o povo de Deus.
Maria nos ensina também que precisamos lembrar ao povo que a única alternativa às falências e carências da nossa sociedade é fazer o que Jesus pede. O caminho da liberdade pessoal e social é a palavra-ação de Jesus Cristo: a abertura à intervenção criadora de Deus; a confiança na própria dignidade e capacidade; a solidariedade e a colaboração; a convicção de que tudo aquilo que é feito em vista do bem dos outros produz seus frutos, cedo ou tarde. “Façam o que ele mandar...” É isso que os missionários precisamos lembrar e relembrar ao mundo e à Igreja.
Maria pede aos servidores que façam o que Jesus diz. E, mesmo sem compreender o sentido da ordem recebida, eles o fazem. O resultado da acolhida desta Palavra é vinho bom e abundante, fraternidade e alegria duradouras, o reino de Deus chegando antecipadamente em forma de sacramento. Isso confirma minha convicção de que a missão tem como objetivo fundamental ajudar os povos a descobrir e colocar em ação seus próprios recursos e possibilidades de gerar vida em benefício de todas as criaturas, e de fazê-la sempre mais abundante e boa.
Deus, pai e mãe, que em Maria revelaste tua ternura feminina e materna. Guia e acompanha tua Igreja na subida para a festa da Aliança e na descida para a Cafarnaum do nosso cotidiano. Abre nossos ouvidos à tua e nossa Mãe, que, atenta às dores e necessidades da humanidade,  nos pede para ir além dos terços e missas e fazer o que seu filho nos ordena. E ajuda-nos a perceber os pequenos e promissores sinais do teu reino na concretude incontornável da vida cotidiana. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf
(Ester 5,1-2; 7,2-3 * Salmo 44 (45) * Apocalipse 12,1-16 * João 12,1-11)

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