A morte não têm nenhum poder sobre a vida de quem ama.
É
possível celebrar a morte, o fim sem volta da existência humana? Não seria a
morte sempre uma tragédia, uma perda irreparável? É verdade que procuramos
desesperadamente construir pontes – com os tijolos das palavras e dos ritos e
dos símbolos, do amor saboreado e da fé teimosa – sobre o abismo que separa os
que estamos aqui e as pessoas queridas que se foram. Mas a morte seria mesmo
apemas um abismo ou um muro entre duas terras firmes, o aqui e o além, o fim
obscuro e lamentável da nossa bela, apesar de tudo, mas sempre precária
existência?
Não lamentamos
a morte das pessoas que consideramos más, ou que não tiveram uma influência
positiva sobre nós. Conhecemos gente que se dispõe a antecipar o fim da vida de
pessoas a quem consideram inimigas, e até da própria vida, quando lhes parece
difícil, triste, sem sentido e sem futuro. Mas tudo muda de figura quando se
trata do fim de uma vida plena de sentido ou de uma pessoa que queremos bem e
nos é preciosa. A morte das pessoas que nos são caras abre as portas da crise e
nos chama à busca de sentido. Se a morte não assusta, ao menos entristece.
No
evangelho de hoje, Maria, irmã de Marta e Lázaro, procura em Jesus um sentido
para a morte de uma pessoa justa, boa e querida. Começa cobrando a demora e o
aparente descaso de Jesus: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria
morrido!...” Jesus tinha sido informado da enfermidade do amigo Lázaro, e o
desejo de prolongar e tornar menos difícil a vida das pessoas que amamos é
muito normal. Jesus se comove com a dor de Maria, de Marta e dos amigos e
amigas que as acompanham. Sua comoção e suas lágrimas suscitam admiração.
“Vejam o quanto era amigo dele!...”
Mas, na
boca de outros, aparece um questionamento que também nos ronda, especialmente
quando da partida mais ou menos trágica dos nossos entes queridos: “Se ele
curou os cegos e os mudos, se ele nos ama de verdade, porque permite que isso
aconteça?” Jesus começa perguntando onde colocaram Lázaro, mas Maria o adverte que já está
se decompondo e cheirando mal. Então é a vez de Jesus questionar: “Eu não lhe
disse que, se acreditar, você verá a glória de Deus?” Não é o milagre que nos
leva a crer; é a fé que abre nossos olhos e nossas mãos para uma dimensão
indestrutível da vida!
Por trás
do diálogo tenso entre Jesus e Maria está uma questão muito importante e atual:
o que esperamos de Jesus? Cura, prolongamento da vida, reestabelecimento de uma
situação do passado, ou vida plena, vida com uma densidade e uma força que
nenhuma forma de morte pode estancar? Porque é Vida e caminho de amor e
compaixão que a ela conduz, Jesus é ressurreição, é expressão da glória de Deus
e caminho de vida plena. Com seu modo de ser e de agir, com sua proposta de
vida, ele suscita vida e, por isso, também a re-suscita. Nele encontramos a vida saborosa e intensa que
desejamos.
Como
Láazaro, quem adere a Jesus Cristo e escuta sua Palavra, quem refaz o seu
caminho, quem vive sob impulso do seu Espírito e por ele se deixa guiar, sai
para fora, não se deixa amarrar por nada, continua suscitando vida. A vida de
tais pessoas é mais que uma história a ser recordada, louvada ou lamentada: é
percurso que continua aberto, Travessia ainda em curso, beleza que continua
atraindo, dinamismo que continua movendo e sustentando outras vidas. E isso sem
entrar na complicada questão de uma existência pós-histórica, em moldes
semelhantes à nossa vida presente.
Como
cristãos, cremos que a vida humana, e todas as expressões da vida, é pascal, ou
seja: é Travessia, Passagem, Caminho. A história – nas suas dimensões de
passado, presente e futuro – e o corpo – nas suas dimensões de interioridade e
exterioridade – são a paisagem, o chão e a expressão da vida, mas não a
esgotam, nem a detém. Quem desiste de peregrinar rumo ao outro mundo possível,
renega a fé em Jesus Cristo e morre definitivamente, mesmo que continue
biologicamente vivo. Mas uma vida doada pela Vida não pode ser tragada pela
morte.
Jesus de Nazaré, Unigido do Pai para
suscitar e ressuscitar a Vida! Também tu viveste a fragilidade e amaste
desmedidamente. Como a tua, também nossa existência é pó que o vento leva, é
erva que o vento seca. Ajuda-nos a vivê-la em ti, no teu espírito, no dinamismo
da tua compaixão humanamente divina e sem medo do nada da morte, pois a bondade
tua e do teu e nosso Pai vem desde sempre e dura para sempre. Ensina-nos a
cumprir a apaixonante Travessia do nosso viver, e que a lembrança daqueles que
entraram na morada definitiva ilumine e perfume nossa estrada. Assim seja!
Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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