quarta-feira, 5 de novembro de 2014

João 2,12-25

Uma faxina na casa de Deus: Jesus é o novo templo (cf. Jo 2,13-25)

1. Situando 
O início da atividade de Jesus foi apresentado dentro do esquema de uma semana. Agora, ao iniciar a descrição dos sinais que acontecem no sábado prolongado, o Quarto Evangelho adota o esquema das festas. Sábado é festa! Todos os sinais relatados por João estão relacionados, de uma ou de outra maneira, com festas importantes da vida do povo: casamento (Jo 2,1), Páscoa (Jo 2,13; 6,4; 11,55; 12,12; 13,1), Tendas (Jo 7,2.37), Pentecostes (Jo 5,1), Dedicação do Templo (Jo 10,22).
Os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas colocam a expulsão do templo no fim da atividade de Jesus, pouco antes da sua prisão, como um dos motivos que levaram as autoridades a prender e matar Jesus. O Evangelho de João coloca o mesmo episódio no começo da atividade de Jesus. É para que as comunidades entendam que a nova imagem de Deus, revelada por Jesus, não está mais no antigo templo de Jerusalém, mas sim no novo templo, que é Jesus. Não se pode colocar remendo novo em pano velho (Mc 2,21).
2. Comentando
2,13-14: Na festa da Páscoa, Jesus vai ao Templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio
Os outros evangelhos relatam apenas uma única visita de Jesus a Jerusalém durante a sua vida pública, aquela em que ele foi preso e morto. O Evangelho de João traz informações mais exatas. Ele diz que Jesus ia a Jerusalém nas grandes festas. Ir a Jerusalém significava ir ao templo para encontrar-se com Deus. No casamento em Caná, apareceu o contraste entre o vazio do Antigo e a abundância do Novo. Aqui aparece o contraste entre o antigo templo, que virou casa de comércio, e o novo templo, que é Jesus.
2,15-16: Jesus faz uma faxina no templo
No templo, havia o comércio de animais para os sacrifícios e havia as mesas dos cambistas, onde o povo podia adquirir a moeda do imposto do templo. Vendo tudo isso, Jesus faz um chicote de cordas e expulsa do templo os vendedores com seus animais. Derruba as mesas dos cambistas, joga o dinheiro no chão e diz aos vendedores de pombas: “Tirem essas coisas daqui! Não façam da casa do meu Pai uma casa de comércio!” O gesto e as palavras de Jesus lembram várias profecias: a casa de Deus não pode ser transformada em covil de ladrões (Jr 7,11); no futuro não haverá mais vendedor na casa de Deus (Zc 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de oração para todos os povos (Is 56,7).
2,17: Os discípulos procuram entender o gesto de Jesus
Vendo o gesto de Jesus, os discípulos lembraram outras frases e fatos do Antigo Testamento: o salmo que diz: “O zelo de tua casa me devora” (Sl 69,10), e o profeta Elias que dizia: “Eu me consumo de  zelo pela  causa  de  Deus” (1Rs 19,9.14). Naquele tempo diziam: “A Bíblia se explica pela Bíblia”. Ou seja, só Deus consegue explicar o sentido da Palavra de Deus. Por isso, se os gestos de Jesus são Palavra de Deus, então devem ser iluminados e interpretados pela Palavra de Deus presente na Escritura. Isso ajuda a atualizar o significado das coisas que Jesus fez e falou, e a manter viva a sua presença no meio de nós. Aqui se percebe como é importante o mutirão de memória para lembrar outros textos da Bíblia.
2,18-20: Diálogo entre Jesus e os judeus
Tocando no templo, Jesus tocou no fundamento da religião do seu povo. Os judeus, isto é, os líderes, perceberam que ele tinha agido com muita autoridade. Por isso, pedem que apresente os documentos: “Que sinal você nos dá para agir desse jeito?” Jesus responde: “Podem destruir esse templo e em três dias eu o levantarei!”.
Jesus falava do templo do seu corpo, que seria destruído pelos judeus e em três dias seria totalmente renovado pela ressurreição. Os judeus tomaram as palavras de Jesus ao pé da letra e zombaram dele: “Levaram 46 anos para fazer este templo e você o levantará em três dias!” É como se dissessem com desprezo: “Vá enganar outro!” Sinal de que nada entenderam do gesto de Jesus, ou não quiseram entendê-lo!
2,21-22: Comentário do evangelista
Os discípulos também não entenderam o significado desta palavra de Jesus. Foi só depois da ressurreição que compreenderam que ele estava falando do templo do seu corpo. A compreensão das coisas de Deus só acontece aos poucos, em etapas.
A expulsão dos comerciantes tinha ajudado a entender as profecias do Antigo Testamento. Agora, é a luz da ressurreição que ajuda a entender as palavras do próprio Jesus. Jesus ressuscitado é o novo templo, onde Deus se faz presente no meio da comunidade.
2,23-25: Comentário do evangelista sobre a fé imperfeita de algumas pessoas
Naqueles dias da festa da Páscoa, estando Jesus em Jerusalém, muita gente começou a crer nele por causa dos sinais que ele fazia. O evangelista comenta que a fé da maioria destas pessoas era superficial, só da boca para fora. Este breve comentário sobre a imperfeição da fé das pessoas deixa uma pergunta importante na nossa cabeça: “Então, como é que eu devo fazer para crescer na fé?” A resposta será dada na conversa de Jesus com Nicodemos, sobre a qual vamos meditar no próximo círculo.
3. Alargando
Para os judeus do tempo de Jesus, o centro do mundo, o lugar onde o céu tocava na terra (Ez 5,5; 38,12; 43,7.12) era o “Santo dos Santos” no templo de Jerusalém. Sendo o lugar central da religião, o culto no templo regulava a vida cotidiana de todos. O judeu piedoso, não importando o lugar em que morasse, deveria ir ao templo uma vez na vida. Mesmo no lugar mais distante, quando fazia suas orações, a pessoa devia orientar seu corpo em direção a Jerusalém e ao templo (Sl 138,2; 1Rs 8,44). O templo era o lugar para onde convergiam as multidões de romeiros, três vezes ao ano, por ocasião das grandes festas nacionais (Ex 23,17; Jo 2,13; 5,1; 7,2).
Sendo de família judia, Jesus segue a prática religiosa de sua gente. Por ser o primogênito de José e de Maria, ele foi apresentado a Deus no templo quando nasceu (Lc 2,22-28). Aos 12 anos, fez o ritual de passagem para a vida adulta, lendo um trecho da Lei diante dos escribas do templo (Lc 2,41-45). Com seus familiares participava das romarias anuais por ocasião das festas (Lc 2,41; Jo 2,13). Durante sua vida pública, Jesus toma atitudes de verdadeiro profeta, denunciando os desvios do culto celebrado no templo. Seu gesto de expulsar do santuário os cambistas e os vendedores lembra as palavras de Miqueias (Mq 3,11-12), de Jeremias (Jr 26,1-18) e de Isaías (Is 66,1-4). Retomando as palavras de Oseias (Os 6,6), Jesus proclama a superioridade da misericórdia sobre os sacrifícios (Mt 12,7-8).
As primeiras comunidades dos seguidores e seguidoras de Jesus eram todas formadas por gente vinda do judaísmo da Palestina. No início, estas pessoas continuavam ligadas ao templo e frequentavam o santuário para rezar (At 2,46; 3,1). Mas, com o tempo, judeus helenistas e samaritanos entraram na comunidade. Estas pessoas não tinham uma ligação tão profunda com o templo de Jerusalém. Principalmente os samaritanos, que tinham seu próprio santuário no alto do monte Garizim (Jo 4,20). A presença destas pessoas fez com que as comunidades começassem a perceber que a prática libertadora de Jesus tornava inúteis os sacrifícios apresentados pelos sacerdotes no templo.
Depois do ano 70, com a destruição do templo, as comunidades releram as palavras de Jesus e concluíram que o templo de Jerusalém estava ultrapassado. A Glória de Deus não habitava mais naquele espaço! As comunidades do Discípulo Amado foram as que mais avançaram nesta reflexão. Elas concluíram que, em Jesus, Palavra de Deus feita carne, reside a Glória de Deus (Jo 1,14). Jesus é o novo templo. O corpo de Jesus, ou seja, a sua realidade humana, é o local em que habita a plenitude da Divindade (Jo 2,21-22). Deus não se prende a nenhum santuário, nem o de Jerusalém nem o do monte Garizim (Jo 4, 21). O que o Pai quer são os verdadeiros adoradores, aquelas pessoas que manifestam Deus em suas vidas por meio do amor ao próximo. Estas são as que o adoram “em espírito e verdade” (Jo 4,23). O verdadeiro templo de Deus é a comunidade, onde as pessoas são todas sacerdotes e sacerdotisas, “as pedras vivas”, que continuamente oferecem a Deus o autêntico sacrifício espiritual (1Pd 2,4-5). Por isso mesmo, no Evangelho de João, a limpeza da casa de Deus acontece no início da vida pública de Jesus.
Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino

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