Oposição de palanque
No Brasil, atualmente, não temos oposição política séria. O que temos é
umaoposição de palanque que não faz política no sentido verdadeiro
da expressão, mas apenas barulho, correndo atrás de “escândalos”, como urubu
atrás de carniça. Uma oposição sedenta de exibicionismo e dos holofotes da
mídia, fazendo puro sensacionalismo.
Oposição séria faz política, entendida como busca do bem comum, dos
cidadãos e das cidadãs de uma nação. Já na Grécia antiga a política (politichè)
era a arte de cuidar bem dos interesses da polis, ou seja, da
cidade, o que significava cuidar bem do bem das pessoas que compunham as
cidades-estados gregas. Neste sentido o conceito de política cultivado pelos
gregos se aproxima bastante da visão romana, que falava da “res publica”
(origem da palavra “república), isto é, da “coisa pública”, daquilo que é do
interesse de todas as pessoas. Salvaguardadas as devidas proporções, pois
sabemos o que gregos e romanos aprontaram, é possível afirmar que, tendo
presente a origem da política e da república, ser político ou fazer política é
um direito e um dever de todo cidadão ou cidadã. Fazer política é engajar-se e
comprometer-se com projetos sérios, críveis e factíveis, em favor de todas as
pessoas. Não é subir em palanques e tribunas para falar bonito, especialmente
para criar sensacionalismo e pretender, com isso, angariar votos para si mesmo
ou para o próprio partido.
No Brasil, atualmente e com as devidas exceções, faz-se oposição por
oposição. Ser oposição é sinônimo de atuação para aniquilar o partido
adversário, independentemente de saber se isso vai contribuir ou não para o bem
das cidadãs e dos cidadãos. Fazer oposição, especialmente para os partidos que
representam as elites brasileiras e seus interesses, é colocar-se
contra de qualquer jeito, de modo a criar sérios entraves para o
partido (ou partidos) que está no poder. Os interesses da nação, do povo, ficam
em segundo plano ou até mesmo não são considerados.
A situação é ainda muito mais grave ao percebermos que os que atualmente
fazem oposição política são quase todos pessoas sem credibilidade.
Também os partidos de oposição, com raríssimas exceções, são partidos
desacreditados. Quem, no Brasil, está na oposição política? Em primeiro lugar
estão políticos e partidos que representam não o povo, e seus interesses, mas a
elite brasileira. São políticos e partidos que simbolizam o que há de mais
nojento na política brasileira. O PSDB, por exemplo, tenta fugir do rótulo de
partido conservador e atrasado, mas, nas últimas eleições, com a candidatura de
Aécio Neves, atraiu os eleitores mais retrógados, preconceituosos, e
discriminadores. Ficou visível a identificação desses últimos com o partido. E,
em nenhum momento da campanha, o PSDB se manifestou de maneira clara e decisiva
contra determinados comportamentos e atitudes, como, por exemplo, o preconceito
contra os nordestinos. As manifestações eram lacônicas e ambíguas, visando
explicitamente não espantar os eleitores ultraconservadores e de direita. Nas
aparências o PSDB se apresenta como partido social e democrático, mas, na
prática, comporta-se como truculento e viciado, a ponto de atrair certos tipos
de eleitores.
Na oposição estão também todos os partidos que se intitulam “de
esquerda”. Mas, além de divididos e com um discurso ultrapassado, seguem a
mesma lógica da oposição por oposição. Recusam-se a participar do jogo democrático
e terminam por não ter uma incidência significativa sobre a “res publica”.
Falta a esses partidos muita dose de realismo e de capacidade para entender que
política não é o mesmo que angelismo e que não existem decisões totalmente
puras e isentas de ambiguidades. Participar implica, pois, aceitar a negociação
e o diálogo, visando antes de tudo a democracia e o bem do povo. Muitas vezes é
preferível ceder do que ser intransigente, puritano e, com isso, deixar de
contribuir mais significativamente.
Convém recordar aqui um elemento da Psicologia: como em outra situações
também na política os semelhantes se atraem. A sabedoria popular
rural já nos ensina isso a bastante tempo, quando afirma que “a vaca pintada
sempre procura uma camarada”. Assim sendo, os atuais oposicionistas e seus
partidos atraem os seus semelhantes. Se a oposição é uma oposição puramente de
palanque, acreditando que estamos sempre em época de eleições, é claro que os
seus simpatizantes vão ser pessoas do mesmo estilo. Pessoas que confundem
política com politicagem, com jogo sujo, com “o quanto pior, melhor”.
O que acabo de dizer ficou bem visível no retorno teatral de
Aécio Neves ao Senado, após ser derrotado nas eleições presidenciais. Seu
retorno foi marcado pelo tom rancoroso, arrogante, espalhafatoso, de candidato
derrotado e fracassado que não aceitou as regras da democracia representativa,
achando que a diferença de mais de três milhões de votos é uma bobagem. Ao
prometer, em suas encenações teatrais (naquilo que Mino Carta chamou de “ópera
bufa”), que faria oposição sistemática a Dilma e ao PT, Aécio, porta-voz do
PSDB, de seus aliados e de seus simpatizantes da direita ultraconservadora,
declarou explicitamente que ele e os que ele representa não se importam com a
“res publica”.
Ficou bem explícito na “ópera bufa” de Aécio Neves que a mentalidade
da casa-grande ainda prevalece no âmbito das elites
brasileiras, que continuam tratando os demais brasileiros como meros habitantes
de uma senzala. Quem se opôs a tal visão no passado foi chamado de
comunista. Agora, a moda é acusar de serem “bolivarianos” aqueles que resistem
em aceitar o jogo sujo dessas elites. Hoje – diz Mino Carta (Carta Capital,
12/11/14, p. 20), a palavra mofada – comunismo – é substituída por
“bolivariano”.
E o pior de tudo – continua Mino Carta – é que, entre aqueles que
enxergam “bolivarianos de tocaia” por toda parte, estão pretensos intelectuais,
artistas, jornalistas e até magistrados. “O besteirol anda solto a serviço do
mofado elitismo golpista e exibe o atraso cultural do País”, diz enfaticamente
Mino (ibidem). É como se voltássemos a crer que comunistas devoram
criancinhas. Isso tudo poderia ser uma piada se não fosse tão trágico. Poderia
se admitir isso de algumas pessoas, mas não de quem frequenta universidades,
ocupa suas cátedras ou dos que se autoproclamam “formadores de opinião
pública”.
A quase totalidade da oposição é formada de hipócritas e ama cultivar a
hipocrisia. É incapaz de olhar para trás e de ver o estrago que já causou ao
país no passado. Faz discurso demagógico, mas “na prática a teoria é outra”.
Ainda pensa que somos todos idiotas. Tudo isso, e mais outras coisas, coloca
necessariamente a oposição na cesta do conservadorismo e da direita. Uma
oposição barulhenta, formada por senhores e poucas madames que ainda tratam o
Brasil como uma senzala fustigada pela casa-grande. Como no passado, ficam
furiosos e querem fustigar os que não aceitam mais ficar na senzala, a serviço
desses senhores das elites. A reação histérica de alguns representantes dessas
elites à legítima e democrática eleição de Dilma Rousseff revelou claramente
essa mentalidade escravocrata, coronelista e golpista que afeta a maioria da
oposição e dos que a ela se aliam. Não há como não dar razão a José Saramago, o
qual, numa entrevista a um jornal, em 25/10/1995, fez a seguinte afirmação:
“Estamos cada vez mais cegos, porque cada vez menos queremos ver. Todos nós
somos cegos da Razão”.
José Lisboa Moreira de Oliveira
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