O Rei do Universo é o solidário servidor dos necessitados.
“Ele me enviou… para anunciar uma boa nova aos pobres...” (inscrição na
fachada de uma sinagoga em Nazaré)
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Nosso ano
litúrgico termina com a festa de Cristo, Rei do Universo. Essa festa foi
instituída oficialmente em 1955, pelo Papa Pio XII, mas hoje temos consciência
de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e, ao mesmo tempo, destacar
o mistério de Jesus Cristo que, com sua paixão pelo povo e sua vida empenhada
em favor dos marginalizados, venceu a opressão e a morte e inaugurou um Novo
Tempo, regido pela paz, pela solidariedade e pela partilha. Nesta festa, o que deve
sobressair não são nossos indiscretos desejos de superioridade e poder, mas a
utopia do bom rei que, como o bom pastor, vela sobre seu povo e o governa na
justiça e na paz.
Na
primeira carta aos Coríntios, Paulo começa sublinhando que Jesus Cristo
experimentou a morte solidária com todos os seres humanos para abrir a todos o
caminho da ressurreição. Ele é o primeiro, como as primícias da colheita
oferecidas no culto de gratidão a Deus. Nele todos viveremos! Sua verdadeira
realeza consiste em destruir os poderes que oprimem a humanidade, os inimigos
dos seres humanos, entre os quais o último e mais potente é a morte. Não apenas
a morte que vem no final da vida, mas também a morte imposta como ameaça e como
fato pelas instituições que oprimem. Esta vitória escatológica que realiza a
realeza de Jesus Cristo tem como meta possibilitar que o amor e a vida que vem
de Deus seja tudo em todos.
O parábola
proclamada na festa de Cristo Rei faz parte dos ‘discursos escatológicos’ de
Jesus. Esse gênero literário é um recurso para falar não propriamente daquilo
que deve acontecer no fim do mundo,
mas para apresentar aquilo que realmente vale enquanto dura nossa vida no mundo. Esse discurso de Jesus
nos leva imaginariamente ao fim dos tempos para destacar o que realmente tem
valor no percurso da história. É claro que, izendo que o Filho do Homem virá ‘na sua glória’ e se sentará em se ‘trono
glorioso’, Lucas está comparando Jesus a um rei.
A expressão ‘Senhor’ também tem o mesmo sentido, pois esse era o apelativo com
que o povo se dirigia aos chefes, reis e imperadores.
Esta
parábola também aproxima Jesus da imagem do juiz,
e isso é compreensível numa cultura que atribuía ao rei as funções
legislativas, executivas e judiciárias. “Todos os povos serão reunidos diante
dele e ele separará uns dos outros,
como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” Nesta parábola, julgar significa
discernir o verdadeiro valor das ações concretas das pessoas, separadas em dois
grupos, a partir daquilo que fizeram e não dos títulos honoríficos ou das meras
intenções. Mas é interessante perceber que, mesmo
no papel de juiz, Jesus age como pastor. Por isso, a festa de Cristo Rei vai de mãos
dadas com a imagem do Bom Pastor, de Jesus servidor da humanidade.
Não
podemos esquecer que os evangelhos nos mostram que Jesus decidiu sentar-se à
mesa como conviva dos pecadores, e não como juiz na mesa de um tribunal. Sua
vida comprova que ele foi ao encontro e assumiu a causa dos marginalizados. Ele
não os esperou sentado na cadeira pretensamente neutra dos juízes. E, além de
se apresentar como pastor, juiz e filho do homem, Jesus se identifica com o servo. João Batista o anuncia como
‘cordeiro de Deus’, como aquele que dá a
vida em resgate por muitos. E no confronto com as autoridades do seu tempo
e com as ambições de poder dos próprios discípulos, o próprio Jesus declara:
“Eu estou no meio de vocês como quem está
servindo” (Lc 22,27).
O mais
importante, porém, está um pouco escondido na instigante parábola que ouvimos.
Diante da pergunta sobre o momento e a forma concreta do nosso serviço a Jesus,
ele responde: “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram...”
Jesus é filho da humanidade, irmão dos
homens e mulheres mais necessitados, mais concretamente: irmão daqueles que
passam fome e sede, dos migrantes e doentes, dos pobres e presidiários. Um
culto que queira ser agradável serviço a Deus não pode prescindir do amor
solidário e libertador aos pobres, não pode passar ao largo das necessidades do
próximo, pois estaria deixando de lado o próprio Cristo rei.
Deus pai e mãe, pastor do rebanho e
protetor dos pequenos! Neste dia em que celebramos meio sem jeito teu Filho
como Rei do Universo, te pedimos: purifica nossa liturgia e nossa mente e a das
autoridades da Igreja de todo desejo de honra e de poder. Confirma-nos no lugar
do servo, lugar que teu Filho ocupou e que não lhe será tirado. Fortalece os
leigos e leigas que, de mil e uma maneiras, tornam efetivo o reinado de Jesus
Cristo e transformam o mundo. E concede a todos nós a graça de te reconhecer,
amar e servir atenta e delicadamente nos nossos irmãos e irmãs. Amém! Assim
seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Profeta Ezequiel 34,11-17 * Salmo 22 (23) * 1ª Carta aos Coríntios
15,20-28 * Mateus 25,31-46)
Um comentário:
Ótima reflexão, parabéns!
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