Amazônia: Velhos e novos
instrumentos do saque
No inicio da invasão europeia
os índios eram tolerados porque os portugueses e espanhóis necessitavam deles
para localizar as riquezas de seu interesse e como mão-de-obra para
explorá-las. Mas na medida em que o invasor foi criando os seus próprios instrumentos
para localização e exploração das mesmas, foi dispensando os donos da casa e
ficou agressivo, criando leis e instrumentos de dominação. Dentre as leis a injusta
lei da propriedade privada da terra é simplesmente arrasadora para os povos
indígenas.
A brutalidade contra os povos
indígenas vem crescendo desde o início da colonização até hoje. No início
atingia as comunidades enquanto retirava principalmente os homens das aldeias
para escravizá-los aos interesses de exploração das riquezas descobertas e nas
fazendas. No período moderno uma classe desses descendentes europeus procura
simplesmente despojar os povos indígenas de seus territórios tirando-lhes todas
as condições de sobrevivência, cultural e física.
Em meados do século XX todos os
rios já haviam sido explorados e foi preciso ir território adentro para
descobrir e espoliar os últimos depósitos das riquezas amazônicas. Agora os
espoliadores já dispõe de todos os instrumentos, leis favoráveis, mapeamento
das riquezas e maquinário para explorar o território, dispensando qualquer
colaboração autóctone para transpor os obstáculos que se apresentam.
Assim todos os governos,
ditatoriais e democráticos, começam a romper as florestas e o alto dos rios e
igarapés como se fossem “vazios demográficos”. A entrega dos empreendimentos
novos na Amazônia a empresas, ficções criadas pelo homem e por isso, sem
consciência e sem responsabilidade, alivia, aparentemente, a ciência congênita
ou consciência dos mandantes dos crimes atuais. E o almoxarifado da Amazônia começa
a ser conhecido e saqueado em todas as suas dimensões: terra, rios, peixes,
seixo, minerais, madeira, plantas medicinais, fontes energéticas... A gente que
está aí, “não existe mais” e se existe não deveria existir, porque é apenas
“estorvo do desenvolvimento”! A Zona Franca de Manaus, “vaca sagrada” dos
governantes de hoje, foi um dos instrumentos modernos mais eficazes criados
para desapropriar o povo Amazônida.
Em 1976, acompanhei o drama das
populações, indígena e seringueira do Acre, quando a Ditadura Militar entregou
os seringais a empresários sulistas, dispensando a mão-de-obra das famílias e
comunidades ali existentes e pressionando-as a saírem sem rumo. Em longa
caminhada entre o alto rio Purus e o Envira e na margem dos mesmos, encontrei
famílias perplexas e sem destino. Tentei convencê-las sobre os seus direitos.
No dia seguinte o barquinho do “marreteiro” em que viajava foi cercado por
jagunços dos novos donos do Seringal Califórnia, já transformado em fazenda.
Armados ameaçavam com xingamentos e apelavam para as novas leis criadas através
da SUDAM para o (des)envolvimento da Amazônia.
Dias depois, quando numa favela
de Feijó, formada por famílias seringueiras já expulsas, contava das frutas que
havia comido na minha passagem por seringais abandonados por eles, todos caíram
em pranto. Um ano depois subindo outro rio, o Juruá, me defrontei com dezenas
de canoas com tolda improvisada, descendo o rio rumo Manaus. O refúgio final de
toda esta gente foi a Zona Franca de Manaus.
Ali, já despejados de seus direitos, ficaram meros “invasores”. 90% dos
bairros de Manaus foram criados por famílias despejadas do território da
Amazônia. Vi as barracas desses “invasores” formando bairros como Compensa,
Alvorada, Flores, até os mais recentes.
Muitos manauaras, descendentes
dessas vítimas, que vivem hoje sobre o asfalto e o cimento e da “nova” educação
imposta pelas autoridades, ainda não se deram conta a que serviu a Zona Franca,
projeto espoliador dos direitos de seus pais e cremadora do seu futuro, achando
que a sua expulsão do interior foi um benefício que as ditaduras lhes
prestaram. Simultaneamente, com a Zona Franca, instalou-se por todo o
território amazônico o agronegócio devastador da biodiversidade pela
monocultura eurocêntrica e contaminadora do território mediante o uso de
agrotóxicos.
As hidrelétricas começaram a
barrar os rios. A população remanescente, já exígua, se tornou impotente para
resistir à esses “monumentos da insanidade humana”: Balbina, Belo Monte, Girau,
Santo Antonio... e hoje já são poucas as comunidades que dão respaldo aos
Munduruku em sua resistência contra os projetos hidrelétricos ameaçadores do
mais belo sistema fluvial do mundo: o Tapajós.
Mineradoras e garimpos ferem
por toda a parte o ecossistema e agridem as leis do país, invadindo territórios
indígenas e saqueando sem controle as riquezas minerais e ameaçando a gente que
resiste em seus domínios. A propósito leia-se: “Mineração e violações de direitos: O Projeto Ferro Carajás S11D, da
VALE SA. Relatório da Missão de Investigação e Incidência”, de Cristiane
Faustino e Fabrina Furtado. Apontem-nos pelo menos um posto ou centro sério de
controle mineral em toda a região amazônica.
Hoje a grande preocupação dos
mandantes da Amazônia é a construção de mais e mais portos para acelerar o
saque. Estive há poucas semanas em Santarém, hoje um dos alvos principais, e
constatei in loco, a virulência dos
saqueadores para acelerar a construção de portos para a exportação de commodities: madeira, soja, minérios. E
eles vêm do mundo inteiro. A Cargill já controla o principal porto da cidade.
Mas o mais ousado projeto é dos
chineses, que pretendem construir em Santarém, além de um porto, uma estrada de
ferro Santarém-São Paulo. Desde o Império praticamente não se construiu mais
nenhuma estrada de ferro de interesse do povo brasileiro, para sua locomoção e
para transporte de seus produtos. Mas quando se trata de saquear a Amazônia, há
dinheiro para tudo. Está aí a estrada de ferro Carajás-São Luiz, de propriedade
da Vale do Rio Doce, ex-estatal, praticamente doada pelo Governo FHC a donos
privados.
Para incentivar este modelo de
exportação de commodities,
modernizam-se portos, constroem-se hidrelétricas e linhões que conduzem a
energia rumo aos centros onde se articula a entrega da região ao poder
multinacional. E toda essa modernização, apoiada pelas autoridades locais e
distantes, só tem uma finalidade: agilizar o saque do almoxarifado Amazônia.
Os interesses das grandes
empresas vão prevalecendo com muito custo econômico para o país e sem os
consequentes benefícios sociais. Todos estes empreendimentos são construídos
sem consulta séria à população afetada, no caso, comunidades indígenas, quilombolas
e ribeirinhas e sem atender a proteção ambiental. Aos pobres atingidos por
estes projetos, como ao povo do Antigo Testamento, em sua impotência, resta
apenas pedir a maldição de Deus para as pessoas que comandam empresas iníquas e
constroem obras da maldade. Segundo a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), responsável pela autorização
da atividade portuária, “70% da movimentação de embarcações na Amazônia hoje é
para o transporte de minério de ferro, seguido dos produtos metalúrgicos e da
soja”.
Em todo esse processo, de 1540
até hoje, uma coisa permanece constante: o perfil espoliador de todos os
mandantes, dos colonos portugueses aos dirigentes atuais. Nada construíram
realmente visando o povo local e regional. Suas cabeças continuam poluídas com
o mesmo sentimento da Família Real Portuguesa: saquear, saquear, exportar e
exportar. Veja a mais recente descoberta. O Governador do Amazonas José Melo
descobriu que a água da Amazônia também pode servir como mercadoria de
exportação.
Enquanto isto, o seixo dos
rios, necessário para a sobrevivência da vida subaquática foi espoliada para a
construção dos arranha-céus da Zona Franca de Manaus. E a alimentação, fácil e
sadia, das comunidades amazônicas vai desaparecendo. Nos últimos 40 anos o
peixe diminuiu em tamanho e quantidade. Da mesma forma as florestas. As
deliciosas frutas restantes na floresta devastada que antes alegravam grandes e
pequenos e eram acessíveis, sem dinheiro, agora viraram mercadoria, sumindo
paulatinamente da mesa do povo empobrecido da Amazônia.
Casa da Cultura do
Urubuí, 15 de maio de 2015,
Egydio Schwade
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