Cada ano, após Pentecostes, desde o século XIV, nós celebramos a festa da
Trindade Santa: a festa de Deus, o Deus único e trino, o Deus em pessoas. Eu
lia o comentário de Gérard Sindt na revista Signes d’aujourd’hui, que dizia: “O
nosso Deus é um Deus pessoal. Em Cristo, nós descobrimos Deus em pessoas (no
plural), que nos ensina a nossa personalidade relacional” e – eu acrescentaria
– comunional.
De fato, Deus é relação e comunhão com a sua criação, conosco. E por que
isso? Simplesmente porque Deus é Amor. No Ângelus do dia 22 de maio de 2005, o
Papa Bento XVI convidava as pessoas a reconhecer que Deus é único, que ele é
Pai, Filho e Espírito Santo, que ele não é solidão, mas comunhão perfeita, pois
Deus é Amor. Eis aí a grande revelação que Cristo nos trouxe: o Ser de Deus é o
Amor em estado puro.
Então, Deus não poderia fazer outra coisa senão amar. De fato, o amor não
existe se não for movimento, reciprocidade, dom, acolhida, relação e comunhão.
Na história, Deus não cessou de se revelar e ele continua a fazê-lo hoje, pois
se é Deus ele não pode ser e não pode existir mais que como Fonte de Amor, o
amor criado que dá a vida, que se multiplica, que se expande e nos faz
descobrir sempre mais Deus.
Para falar em Deus, precisamos defini-lo como relação, dom, partilha,
comunicação, intercâmbio, comunhão. A única maneira de alcançar a totalidade é
necessariamente três pessoas em Deus, porque o Amor tem isto de particular: é
preciso que exista um terceiro: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos
outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12).
O Amor não volta àquele que ama; se dá a outro, daí seu crescimento e a sua
fecundidade. Também, o Amor não se fusiona; ele estabelece uma relação
interpessoal. É o que faz dizer ao padre francês Léon Paillot: “Deus, nosso Deus
é essencialmente relação, intercâmbio. Mas é preciso uma terceira pessoa para
que todos os Eu se tornem um Nós”.
Não podemos falar de um Deus Pai sem que haja uma relação de amor com um
dos filhos gerados por ele. E se não houvesse nada além do que o Pai e o Filho,
poderíamos pensar que eles se bastariam a si próprios: o Pai dá a vida e o
Filho a recebe... Porém, isso faria um Deus limitado, centrado em si próprio.
E, portanto, diz o teólogo Gérard Sindt: “Deus, na Bíblia, tende ao
descentramento de si próprio, e é o Espírito que é o operador. Ele é a
fecundidade operacional de Deus, a sua feminilidade e a sua maternidade. A
feminidade, ela própria, é experiência de Deus”.
E Gérard Sindt acrescenta: “Quando se fala de pessoas em Deus, é sempre o
Espírito que é mais difícil de expressar. Ele representa aqui a terceira
pessoa, isto é, “nós”. Nós estamos envolvidos, portanto, do mistério de Deus,
da Trindade. Também, para que haja comunhão, é preciso três pessoas; se não
houvesse mais do que duas, seria simplesmente uma relação. Assim, o Espírito
assegura a fecundidade do Amor do Pai ao seu Filho que partilha conosco.
Mas o que nos dizem as três leituras de hoje sobre Deus?
Deuteronômio
4,32-40: Estamos no Antigo Testamento, a Antiga Aliança, e o autor
do Deuteronômio se maravilha diante deste Deus diferente dos outros deuses; não
é uma força escura ou impessoal como os outros deuses: Deus está, juntamente,
longe e perto: “Javé é o único Deus, tanto no alto do céu, como aqui em baixo,
na terra” (Dt 4,39). Ele fala ao homem (Dt 4,33) e ele se escolheu um povo (Dt
4,34).
Essas duas coisas fazem parte da sua singularidade. Poderíamos ter pensado
que Deus é incomunicável, que o mundo dos homens e o mundo de Deus não se
encontram nunca, que eles não falam a mesma língua... Mas não! É tudo o
contrário: com Deus existe uma comunicação possível, uma proximidade admirável,
e não morremos! (Dt 4,33). Deus liberou seu povo da escravidão (Dt 4,34), e ele
quer a felicidade dos seres humanos que ele escolheu (Dt 4,40).
Esse antigo texto do Deuteronômio não conhecia certamente o Deus Trino tal
como o conhecemos hoje e que foi definido pela Igreja do século IV. Mas já
podemos entrever sinais da Trindade, nos versículos 35-38, que o lecionário
infelizmente cortou na liturgia deste domingo: fala-se da Palavra, do Verbo
(segunda pessoa da Trindade), e do Fogo, do Espírito (terceira pessoa da
Trindade). É uma antecipação do Deus relação e comunhão, tal como hoje é
confessado.
Romanos
8,14-17: Na sua carta aos Romanos, São Paulo nomeia as três
pessoas em Deus, sem mesmo conhecer o conceito da Trindade. Além do mais, ele
nos integra na família trinitária: “Todos os que são guiados pelo Espírito de
Deus são filhos de Deus” (Rom 8,14). É o Espírito que segura o vínculo entre
Deus e nós; ele nos tira dos nossos medos e das nossas escravidões, e nos faz
reconhecer Deus como Pai (Rom 8,15).
Além disso, diz São Paulo, nós somos como Cristo: “E se somos filhos, somos
também herdeiros: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo” (Rom 8,17). E
São Paulo acrescenta: “uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos,
também participaremos da sua glória” (Rom 8,17).
Mas atenção para não cair na teologia do martírio como necessidade de
salvação! O que São Paulo quer dizer é que nas nossas experiências humanas de
libertação e de sofrimento, nós somos como Cristo; assemelhamo-nos a ele. Assim
como ele, nós também devemos assumir a nossa condição humana até o fim, isto é,
até a morte, para ressuscitar como Cristo.
É evidente que no momento em que São Paulo escreve a sua carta, a
perseguição cristã fazia parte do programa. Mas, hoje, como não é mais o caso,
nós não devemos inventar silícios, como parecem propô-lo algumas correntes
conservadoras cristãs. Nós não devemos levar mais do que os silícios que a vida
nos impõe: os nossos limites humanos, as nossas capacidades, a doença, o
sofrimento e a morte. A Sexta-Feira Santa precede sempre o Domingo de Páscoa.
Foi o caso de Jesus de Nazaré e será o caso para nós também.
Mateus
28,16-20: Em nenhum lugar da Bíblia nós encontramos uma fórmula
trinitária tão explícita e elaborada como no final do Evangelho de Mateus, onde
assistimos ao envio missionário dos apóstolos, na noite da Páscoa: “Portanto,
vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
Segundo os exegetas, essa fórmula se constituiu na liturgia do batismo, no
final do século I. Isso não quer dizer que o evangelista Mateus conhecia o Deus
Trino como o conhecemos hoje; ele utiliza simplesmente o nome de Deus, revelado
na história, como um Pai, por Jesus Cristo seu Filho, no Espírito de Cristo que
nos habita. Devemos salientar que para Mateus o batismo não está reservado a um
povo em particular; ele é universal: “todos os povos” (Mt 28,19).
A missão consiste, então, em batizar, em fazer discípulos. Não aderindo a
uma doutrina, mas sim entrando numa comunidade de fé que se enraíza em Deus,
pelo Espírito Santo que nos habita. É evidente que a pessoa que ensina é
importante, mas ele diz respeito aos mandamentos que Cristo nos deu:
“ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês” (Mt 28,20)... Porém, de
fato, estes mandamentos se resumem num só: “Amem-se uns aos outros, assim como
eu amei vocês” (Jo 15,12).
O nosso Amor deve ser fecundo, voltado aos outros, para que ele produza
frutos, e que ele revele outros rostos do Deus Amor, outras pessoas em Deus,
pelo Espírito Santo. Apesar das dúvidas que surgem e que persistem sobre Deus,
da parte desses próximos (Mt 28,17), Cristo nos confirma a sua presença, pois
ele mora em nós pelo seu Espírito: “ensinando-os a observar tudo o que ordenei
avocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt
28,20).
Concluindo, eu gostaria simplesmente de propor a vocês esta bela reflexão
do exegeta francês Jean Debruynne sobre o evangelho desse domingo: “Trata-se de
fazer discípulos e fazer discípulos não é recrutar mão-de-obra ou procurar fiéis.
Antes de qualquer coisa, trata-se de ir. Ir é partir, é sair. É ser livre. Ir é
o contrário de estar fechado na verdade, e prisioneiro dos seus princípios. Ir
é caminhar para a frente, e não de ré. Ir é um sinal de confiança. Vá! É uma
decisão. Trata-se de aprender a guardar os mandamentos e não guardá-los na
geladeira. O único mandamento é amar!”.
Raymond Gravel
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