Festa do Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo [Jo 18, 33-37]
“Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz”
A Igreja Católica, no último
domingo do Ano Litúrgico, celebra a festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do
Universo. A festa foi estabelecida na época dos governos totalitários
nazistas, fascistas e comunistas, nos anos antes da Segunda Guerra, para
enfatizar que o único poder absoluto é de Deus. Nos dias de hoje, em que
milhões padecem as consequências de um novo tipo de totalitarismo disfarçado, o
do poder econômico inescrupuloso, torna-se atual a inspiração original da festa
– que Deus é o único Absoluto. Em um mundo que não ateu, mas idolátrico, pois
presta culto ao lucro, a festa de hoje nos desafia para que revejamos as nossas
atitudes e ações concretas para descobrir o que é para nós, na verdade, o valor
absoluto das nossas vidas.
O evangelho a ser refletido no
próximo domingo (22/11) é inspirado na paixão segundo João: o diálogo entre
Jesus e Pilatos sobre a verdadeira identidade de Jesus. Com a ironia que lhe é
típica, João faz com que Pilatos – o representante do poder absoluto da época,
o Império Romano – apresente Jesus como Rei, o que ele é na verdade, mas não de
modo que Pilatos pudesse entender. O Reino de Jesus é o oposto do Reino do
Império Romano: não é opressor, nem injusto, nem idolátrico, mas o Reino da
justiça, fraternidade, solidariedade e partilha, o Reino do Deus da Vida.
É exatamente por pregar e semear
este Reino que Jesus deve morrer. Aliás, não morrer, mas ser morto, o que é
diferente. Pilatos demonstra isso quando ele deixa claro quem entregou Jesus,
pedindo a sua morte. Não foi o povo, mas os sumos sacerdotes que o entregaram
(v. 35). É importante entender o que isso significa, pois se Jesus foi morto,
houve algum motivo e houve alguém que o matasse.
Os sumos sacerdotes eram,
no tempo de Jesus, todos nomeados pelos romanos, dentro do partido dos
saduceus, o partido da elite jerosalemita, donos de terras e do comércio, e
chefes do Templo. O Templo funcionava como “Banco Central”, centro de
arrecadação de impostos e lugar de câmbio monetário, uma vez que não se
aceitava nele a moeda corrente. Jesus, portanto, foi assassinado pelo poder
político, econômico e religioso, todos coniventes com o poder imperialista,
representado por Pilatos. Pois o Reino de Deus se opõe frontalmente a qualquer
reino opressor, como era o de Roma.
A realidade vivida por Jesus continua
hoje
O seguimento de Jesus, na
construção de um Reino de justiça e paz, do shalôm de Deus, necessariamente vai
entrar em conflito com os reinos que dependem da exploração e da injustiça.
Normalmente, esses poderes primeiramente tentarão cooptar a igreja, para que,
em lugar de ser voz profética diante das injustiças, torne-se porta-voz dos
valores desses reinos. E não faltarão incentivos monetários e outros, para que
as igrejas caiam nesta cilada. Por isso, como nos advertiram os textos nos
últimos domingos, é necessário que fiquemos sempre vigilantes para verificarmos
se a nossa vida prática está mais de acordo com o Reino de Deus ou com o reino
de Pilatos.
Para João, Jesus provoca a grande
crise da história. Diante da verdade, que é Ele, todos têm que se posicionar.
Ele, como todo profeta, não causa a divisão, mas desmascara a divisão que
existe dentro da sociedade, a divisão entre o bem e o mal, entre um projeto da
morte e um projeto da vida, uma divisão que permeia todos os elementos da
sociedade. Diante dele, não há lugar para meio-termo - todos têm que optar.
Por isso, a festa de hoje, longe de ser algo triunfalista, nos desafia para que
façamos um exame de consciência – tanto individual como eclesial e comunitário
- para verificar se o nosso Rei é realmente Jesus, ou se, mesmo de uma maneira
disfarçada, continua sendo Pilatos!
Tomaz Hughes SVD
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