Mais que rei, Jesus é
Pastor, Profeta e Testemunha!
Muitos
nos perguntamos sobre sentido da festa de hoje. Há mais de 100 anos, algumas
comunidades católicas imaginaram a celebração de Cristo Rei como forma de
propagar a dignidade de Jesus Cristo, afirmar os direitos da Igreja frente à
sociedade liberal e destacar a importância da doutrina cristã na formulação das
leis civis. Esta festa foi instituída há 60 anos atrás, mas hoje temos
consciência de que é preciso evitar toda forma de triunfalismo e destacar o
mistério essencial de Jesus Cristo: ele é testemunha da verdade e profeta um
Novo Tempo de paz, solidariedade e partilha.
Penso que
a identificação de Jesus de Nazaré com a figura do rei é um erro e um delírio
bem ao estilo dos amantes do poder. Jesus não foi nem sacerdote e nem rei! Como
profeta e reformador, irmão dos pobres e dos pecadores e servidor dos
oprimidos, ele revelou o melhor que pode haver no ser humano e fez brilhar no
mundo a glória de Deus. A única razão aceitável para aproximar Jesus Cristo da
figura do rei seria a de contrastar e relativizar todos os demais poderes,
inclusive as autoridades eclesiásticas. Quando celebraremos solenemente a festa
de Cristo Servo de todas as criaturas? Quando os cristãos renunciaremos de
verdade aos mantos da nobreza e vestiremos o avental do serviço?
É verdade
que o Apocalipse de São João atribui repetidamente a Jesus o poder, a riqueza,
a honra, a glória, a sabedoria, a força e louvor e tudo o mais (cf. Ap
5,12-13). Mas não podemos esquecer que tudo isso se diz daquele que é a pedra
rejeitada, a vítima do próprio poder estabelecido, e que Jesus é “a testemunha
fiel, o primeiro a ressuscitar dos mortos”. Nessa condição de testemunha e
vítima da pena de morte, ele é “chefe dos reis da terra”. Partilhando por amor
a sorte dos condenados, Jesus perdoou nossas dívidas e nos constituiu como povo
novo e soberano, do qual é guia e líder inconteste.
A cena de
Jesus diante de Pilatos é, no mínimo, paradoxal. Um preso despojado de tudo,
acusado pelos seus próprios compatriotas, sem direito à defesa, está cara-a-cara
com uma autoridade plenipotenciária e a serviço de um poder invasor. Um homem
habituado às estradas é colocado diante de um senhor habitante de palácios. A
cena insinua um confronto radical, e a pergunta de Pilatos é clara: “Tu és o
rei dos judeus?” Pilatos não pergunta se ele é um rei, mas se é o rei; e
não o refere a Israel (povo escolhido
por Deus) mas aos judeus (um povo ou
uma raça em meio a tantas).
Astuto,
Pilatos se interessa mais pela ação que pelos títulos. Por isso, pergunta que
tipo de liderança Jesus desenvolve: “O que fizeste?” Jesus responde chamando a
atenção para a diferença e a originalidade libertadora da sua ação. Respondendo
a Pilatos, diz que seu reino “não é deste mundo”, pois sua ação se distancia da
força e do poder, tem outro dinamismo e se rege por outra finalidade. Ele age
solidariamente para responder às necessidades do seu povo, recusa assumir o
poder (cf. Jo 6,15) e se opõe duramente aos príncipes do mundo (cf. Jo 12,32;
16,11).
Parece
que Jesus aceita a qualificação de rei, mas recusa a redução da sua missão ao
povo judeu. “Você está dizendo que eu sou rei.” Ele não é o único rei, nem apenas rei dos
judeus. Jesus preside e dirige o amplo movimento do reino de Deus, que
reúne todos os homens e mulheres de boa vontade, promove a liberdade e a vida
de todos, e não usa da força para defender os privilégios das elites. “Se o meu
reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue
às autoridades dos judeus.” Ele é rei exatamente e apenas na medida em que dá
sua vida por todos.
Jesus diz
que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Sua prioridade é ser
testemunha da verdade, ou seja, do amor incondicional de Deus por todas as
criaturas, especialmente pelos oprimidos e, diante disso, sua própria
sobrevivência é secundária. A verdade é que Deus ama a ponto de dar a própria
vida, e isso não expressa a fraqueza mas a invencível força de Deus. Por isso,
é na cruz que se revela e realiza a realeza de Jesus Cristo e do ser humano.
Nada mais paradoxal que esta figura de rei! Nada mais distante da imagem de rei
do que a figura de um escravo ou um executado...
Jesus de Nazaré, profeta e pastor, servo e
testemunha: reunidos em torno da tua mesa, queremos acolher teu gesto
testamentário e teu chamado a sermos dom e semente. Grava em nosso corpo os
sinais da tua realeza: o amor fraterno e o serviço solidário. Ajuda-nos a
superar toda busca de poder dominador e de nobreza vazia de humanidade. Que tua
Igreja não se deixe guiar nem pela indiferença, nem pela prepotência. E que à
tua palavra-oferta “isto é meu corpo que é dado por vós”, respondamos com
liberdade e verdade: “Faremos a mesma coisa em memória de ti.” Assim seja!
Amém!
Itacir
Brassiani msf
(Profeta Daniel 7,13-14
* Salmo 92 (93) * Apocalipse de S. João 1,5-8 * Evangelho de São João 18,33-37)
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