domingo, 31 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (215)

 215 | Ano B | Tempo de Natal | Ano Novo | Lucas 2,16-21

01/01/2024

Na celebração do hoje se entrelaçam três eventos: o começo do ano civil; a maternidade de Maria; a Jornada Mundial pela Paz. Nascendo de Maria, o Filho de Deus desceu e se igualou a nós, resgatou-nos do domínio das leis e instituições, e nos deu a adoção filial e a liberdade. O Espírito Santo nos deu a possibilidade de clamar a Deus em nossas aflições e de relacionarmo-nos com ele como filhos/as.

Contemplemos a chegada dos pastores à gruta Belém. Eles ficam impressionados com o que veem, e comparam com aquilo que tinham ouvido. E compreendem o mistério de um Deus a quem não apraz o poder, a grandeza, os cortejos de acólitos. Deus se alegra com a solidariedade de quem se faz próximo dos deslocados e louva, glorificando a Deus, por tudo o que vê e ouve.

Acolhido por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pacifica o mundo criando relações novas, baseadas na justiça e na fraternidade. Ele cumpre a promessa de Deus e realiza a esperança da humanidade através dos homens e mulheres de boa vontade, daqueles/as que não se resignam à paz aparente, baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal. Ele dirige nossos passos no caminho da paz, graças ao seu coração misericordioso.

Na sua mensagem para o dia de hoje, o Papa Francisco chama a atenção para “a possibilidade de efetuar operações militares através de sistemas de controle remoto levou a uma percepção menor da devastação por eles causada e da responsabilidade da sua utilização, contribuindo para uma abordagem ainda mais fria e destacada da imensa tragédia da guerra”.

Ele diz que “a pesquisa sobre as tecnologias emergentes no setor dos chamados sistemas de armas letais autônomas, incluindo a utilização bélica da inteligência artificial, é um grave motivo de preocupação ética”. Por esta razão, escreve o Papa, “é imperioso garantir uma supervisão humana adequada, significativa e coerente dos sistemas de armas”.

O mundo não precisa que as novas tecnologias contribuam para o iníquo desenvolvimento do mercado e do comércio das armas, promovendo a loucura da guerra. Se isso acontecer, tanto a inteligência como o coração humano correrão o risco de se tornar cada vez mais artificial.

Meditação:

§  Observe os pastores, e aprenda com eles: a acolhere reconhecer os sinais de Deus; a louvar a Deus pelo bem que vemos e recebemos...

§  Onde estamos vendo hoje os sinais da “visita de Deus” e da lenta gestação do Reino de Deus?

§  O que poderíamos fazer para promover e enraizar a paz em nossa convivência na primeira semana do ano 2024?

sábado, 30 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (214)

214 | Ano B | Oitava do Natal | Festa da S. Família | Lucas 2,22-40

31/12/2023

Lucas nos mostra que Maria e José cumprem a lei da purificação da mãe após o parto, e aproveitam a oportunidade para apresentar Jesus ao Templo e ao povo. Assim, o casal de Nazaré percorre o curto caminho que leva da marginalidade de Belém ao centro de político e religioso de Jerusalém. O momento alto e revelador não é o estrito cumprimento das leis, mas o encontro, à margem da lei, com Simeão e Ana. Na cena, tudo chama a atenção para o significado do filho que Maria e José levam nos braços.

Simeão – “um homem justo e piedoso e esperava a consolação do povo de Israel” – toma o Menino nos braços e, com seu olhar penetrante, é capaz de discernir a presença libertadora de Deus na fragilidade humana. É uma salvação que desborda as fronteiras étnicas e religiosas de Israel: ela se destina a todos os povos, é luz que ilumina. E Ana também fala do Menino a todas as pessoas que viviam de esperança.

Ali, naquele suntuoso templo, Maria e José experimentam um certo brilho e uma grande satisfação. “Estavam maravilhados com o que diziam do Menino”. Poucas coisas estão claras, mas neles cresce a percepção de que o filho que lhes foi confiado é especial para todos os povos. O testemunho que recebem de pastores, homens justos e mulheres piedosas o confirmam. Mas este entusiasmo logo é ofuscado pelas palavras misteriosas que Simeão dirige a Maria: “Ele será um sinal de contradição”.

Unidos pelos laços de um amor profundamente humano, José e Maria precisam avançar e crescer no escuro da fé. Como Abraão, eles se lançam na estrada sem saber onde chegarão. Ousam acreditar, e isso lhes é creditado como justiça. Abrem-se, pouco a pouco, à novidade que Deus manifesta através do nascimento daquele inesperado filho. Mas eles precisam crescer na fé no mesmo ritmo que o filho cresce em estatura.

Nazaré é o lugar onde Jesus cresce, se fortalece e adquire sabedoria. José e Maria o educam longe do ambiente glorioso e sedutor do templo. Morar em Nazaré significou assimilar a esperança cultivada pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé”, manter-se ligados às raízes populares da esperança vinculada os pobres. E isso que faz deles uma família sagrada.

 

Meditação:

§  Releia o texto lentamente, detendo-se nos personagens e nas sucessivas cenas: apresentação, encontro com Simeão e com Ana

§  Procure perceber como, nas palavras de Simeão e de Ana, transparece a vida e a missão do Jesus adulto

§  O que significa hoje educar os/as filhos/as na sabedoria e na graça de Deus, e crescer com eles na vivência da ética do Evangelho?

O Evangelho dominical (Pagola) - 31.12.2023

EDUCAR NA FÉ NOS DIAS DE HOJE

A passagem de Lucas termina dizendo: «A criança, por seu lado, ia crescendo e fortalecendo-se, cheia de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele».

Quando falamos hoje de educar na fé, o que queremos dizer? Concretamente, o objetivo é que os filhos entendam e vivam de uma forma responsável e coerente a sua adesão a Jesus Cristo, aprendendo a viver de forma saudável e positiva a partir do evangelho.

Mas hoje em dia a fé não pode ser vivida de qualquer maneira. As crianças precisam aprender a ser crentes no meio de uma sociedade descristianizada. E isto exige viver uma fé personalizada, não pela tradição, mas fruto de uma decisão pessoal; uma fé vivida e experimentada, isto é, uma fé que se alimenta não de ideias e doutrinas, mas sim de uma experiência gratificante; uma fé não individualista, mas partilhada de alguma forma numa comunidade crente; uma fé centrada no essencial, que pode coexistir com dúvidas e interrogações; uma fé não envergonhada, mas comprometida e testemunhada no meio de uma sociedade indiferente.

Isto requer todo um estilo de educar hoje na fé, onde o importante é transmitir uma experiência mais do que de ideias e doutrinas; ensinar a viver valores cristãos mais do que a sujeição a umas normas; desenvolver a responsabilidade pessoal em vez de impor costumes; introduzir na comunidade cristã em vez de desenvolver o individualismo religioso; cultivar a adesão confiada a Jesus em vez de resolver de forma abstrata problemas de fé.

Na educação da fé, o decisivo é o exemplo. Que os filhos possam encontrar na sua própria casa modelos de identificação, que não lhes seja difícil saber como quem deveriam comportar-se para viver a sua fé de forma saudável, alegre e responsável.

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (213)

213 | Ano B | 6º dia da Oitava de Natal | Sábado | Lucas 2,36-40

30/12/2023

O texto de hoje á parte do relato natalino mais amplo. Ontem vimos que o belo cântico de Simeão é uma síntese da profissão de fé e do anúncio jubiloso dos primeiros cristãos: Jesus é Boa Notícia e caminho de libertação para todos os povos. É também o paradigma da missão da Igreja: sair do estreito âmbito dos seus interesses e sua cultura para ser presença consoladora e libertadora para todas as pessoas e povos.

Hoje, é-nos oferecida à meditação a bela cena do encontro da Família de Nazaré (ainda no templo, onde fora apresentar Jesus e inseri-lo no povo de Deus) com uma mulher idosa e profetiza chamada Ana. Ela é viúva e piedosa, dedicada a Deus e suas promessas. O testemunho dela completa e confirma o de Simeão: ela proclama que Jesus representa a redenção do povo de Deus. Não é uma conclusão lógica diante de um menino, mas uma visão profética.

Ana é a única profetiza nomeada como tal no Novo Testamento. No Antigo Testamento aparecem apenas duas profetizas: Hulda e uma anônima, apresentada como a mulher de Isaías. Notemos também que, nas tradições do povo de Israel, a vida longa de uma pessoa era considerada sinal de maturidade e sabedoria. E Ana havia alcançado 84 anos de vida, a maioria deles dedicados à oração e ao jejum, expressões típicas da piedade sincera.

Em Ana aparece o perfil da viúva cristã. Sua comunhão com Deus desenvolve a sensibilidade e o discernimento que a fazem capaz de identificar a realização das mais nobres promessas de Deus naquele bebê frágil, filho de um casal de galileus, olhados com suspeita pelos judeus que viviam em Jerusalém e falavam em nome do templo. Sua convicção e sua fé a movem a louvar a Deus pelo cumprimento de suas promessas de modo tão inesperado.

Simeão e Ana, cada um a seu modo e com palavras diversas, nos convidam a ver um novo sentido por trás dos ritos tradicionais e uma força inaudita nas criaturas mais frágeis. A pertença a Israel, ao templo e adesão fiel aos seus ritos não asseguram mais a presença salvadora de Deus. Em Jesus, a salvação de Deus é para todos os povos, e passa pela concretude dos gestos de amor e compaixão pela vida frágil e sofredora. Com ele, precisamos “descer a Nazaré” e crescer em todos os sentidos.

 

Meditação:

§   Releia o texto lentamente, detendo-se nos personagens, nos gestos, nas atitudes e nas palavras deles

§   Perceba nas palavras e atitudes de Ana sinais da vida e da missão do Jesus adulto e dos cristãos

§   Com que palavras, atitudes e sentimentos falamos do nosso encontro com Jesus aos homens e mulheres de hoje?

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (212)

212 | Ano B | Oitava de Natal | Sexta-feira | Lucas 2,22-35

29/12/2023

O momento alto desta cena não é, como muita gente enfatiza, o cumprimento das leis por Maria e José, mas o encontro, à margem dos dirigentes do templo, com Simeão e Ana, e aquilo que eles anunciam a todas as pessoas que encontram por perto. Na cena “pintada” por Lucas, tudo chama a atenção para o significado do filho que Maria e José apresentam ao povo e ao templo.

Simeão toma o Menino nos braços e, com seu olhar penetrante, é capaz de discernir a presença de Deus na fragilidade humana. A presença de Deus traz consigo uma salvação que desborda as fronteiras étnicas e religiosas, e se destina a todos os povos e a todas as categorias humanas. Jesus é luz que ilumina todos os povos. Ana também fala do Menino a todas as pessoas que viviam de esperança. Como os pastores representam a acolhida de Jesus pelos excluídos, Simeão e Ana expressam a acolhida pelo resto piedoso e fiel.

No templo, Maria e José guardam um silêncio atento e observam a alegria consoladora de quem esperou longamente pela visita do “Sol Nascente”. Poucas coisas estão claras para eles, porém cresce neles a percepção de que o filho que lhes foi confiado é especial para todos os povos. Mas este entusiasmo logo é ofuscado pelas palavras misteriosas que Simeão diz sobre o menino e dirige a Maria. Jesus vai incomodar, pois veio para desmascarar o colocar pedras no caminho dos exploradores.

José e Maria percebem, pouco a pouco, que precisam avançar e crescer no escuro da fé. Como Abraão, eles se lançam na estrada sem saber onde chegarão. Ousam acreditar, e isso lhes é creditado como justiça. Abrem-se, pouco a pouco, à novidade que Deus manifestava através do nascimento daquele inesperado filho. Eis o caminho dos/as discípulos/as missionários/as.

O breve cântico de Simeão é uma síntese do credo dos primeiros cristãos: Jesus é Boa Notícia e caminho de libertação para todos os povos; ele é também o paradigma da missionariedade da Igreja, permanentemente chamada sair do estreito âmbito dos seus interesses e sua cultura para ser presença consoladora e libertadora para todas as pessoas e povos.

 

Meditação:

§  Releia o texto lentamente, detendo-se nos personagens, nos gestos, nas atitudes e nas palavras deles

§  Procure perceber como, nas palavras de Simeão e de Ana, transparece a vida e a missão do Jesus adulto e dos cristãos

§  Você percebe nas Igrejas e pessoas sinais da tentação de fazer de Jesus um “personagem” exclusivo da sua Igreja ou seu grupo?

§  Com que palavras e atitudes precisamos hoje apresentar Jesus às pessoas? Em que medida nossa adesão a ele é consequente?

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (211)

211 | Ano B | Festa dos Santos Inocentes | Mateus 2,13-18

28/12/2023

Na festa litúrgica dos Santos Inocentes somos chamados/as a proclamar com a vida aquilo que professamos com os lábios, como o fizeram as crianças vitimadas por Herodes. Nos sonhos, José reforça a consciência da própria vocação: tomar conta da vida do Menino e protegê-lo ante todos os riscos e ameaças. E nos convoca a fazer o mesmo, em nome do filho Jesus.

José, o carpinteiro de Nazaré e marido de Maria, parece encontrar luz e inspiração em outro José, aquele que fora vendido pelos irmãos invejosos aos comerciantes do Egito. É dele do dia se transformam em sonhos à noite. Assim, o pai e protetor de Jesus toma consciência das urgências e mostra-se obediente à vontade de Deus.

Herodes não admite que alguém desobedeça às suas ordens. A fúria que dorme sob o disfarce da piedade é acordada por qualquer sinal de insubmissão. A raiva contra os magos, que o enganam depois de encontrar Jesus, se volta contra as crianças. Com medo de um concorrente ao trono, Herodes opta pelo extermínio dos inocentes.

O medo dos poderosos sempre fazem vítimas, e as crianças são atingidas em primeira linha. Como diz Mateus, citando o profeta Jeremias, a violência sofrida pelos inocentes é um grito que brada aos céus, provoca um lamento inconsolável. O sofrimento e a violência jamais derivam da vontade de Deus.

A Igreja acolhe o testemunho das crianças de Belém e as reconhece como mártires. Elas nem haviam conhecido Jesus, nem aderido ao seu caminho. Mas tiveram a vida destruída por causa de Jesus Cristo. Mesmo sem dizer uma palavra, confessaram com o sangue inocente a chegada do Filho de Deus.

A liturgia de hoje não é um lamento, mas um convite à confiança. A comunidade, que canta seu salmo no templo, não cansa de repetir: “Bendito seja o Senhor”. A fé que herdamos das primeiras comunidades nos diz que aqueles que, como Herodes, semearam a morte dos inocentes, não duraram muito (cf. Mt 2,20). Não é certo que muito tempo não dura a verdade...

 

Meditação:

§  Releia o texto lentamente, detendo-se nos personagens e nas diversas cenas que o compõem

§  Procure deter-se nas palavras do mensageiro de Deus e na obediência despojada e pronta de José

§  Que sentido têm as escrituras citadas para os milhares de brasileiros/as inconsoláveis com a morte de seus entes queridos/as pela Covid-19 e pela violência social, tolerada e até promovida?

§  De que iniciativas somos capazes e onde buscamos inspiração para enfrentar as situações que urgem uma intervenção corajosa?

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (210)

210 | Ano B | Festa de São João, Apóstolo e Evangelista | João 20,2-8

27/12/2023

A primeira manifestação da ressurreição de Jesus se dá na visita de Madalena à sepultura. Vendo a pedra afastada, Maria vai avisar os discípulos. O amigo de Jesus, que identificamos com o apóstolo e evangelista João, é o primeiro a chegar. Vê a sepultura vazia e as vestes, mas não entra. Pedro chega depois, entra na sepultura e vê o sudário dobrado, em separado, “à parte”. Hoje, o texto sublinha o papel de João, evangelista e apóstolo de Jesus.

A tumba vazia não é o único fundamento da fé na ressurreição, mas é seu sinal. Parece que João conhecia a liturgia do templo, por isso resiste a entrar na sepultura. Para ele, os panos “enrolados” e colocados no “lugar” à parte são a Lei, e a Palavra que se fez carne em Jesus de Nazaré substitui o Templo.

A tumba vazia é um indicativo insuficiente para sustentar a fé na ressurreição de Jesus. Sua base é a experiência pessoal que o/a discípulo/a faz do encontro com Jesus ressuscitado. Mais tarde, Madalena chora diante da sepultura e “se inclina” para olhar. Vê anjos que a interrogam sobre sua dor, e só reconhece Jesus quando ele a chama pelo nome.

Depois de tê-lo desejado, buscado, conhecido e amado em vida, Maria precisa se inclinar para dentro de si mesma, na profundidade do seu desejo, para reconhecê-lo e amá-lo sem retê-lo. É ao voltarmo-nos para nossa interioridade que encontraremos o ressuscitado que nos ama, chama e envia.

O texto termina com reticências, como que nos convocando a entrar na cena como protagonistas, e a darmos um final adequado àquela manhã misteriosa. João, discípulo, apóstolo e escritor, cuja festa hoje celebramos, viu e acreditou. E deixou seu testemunho inscrito na vida e registrado no quarto evangelho. Aquilo que ele viu, experimentou e toucou, isso ele testemunhou.

Acreditaremos e viveremos em seu nome? Estaremos dispostos/as a ser semente que, caindo na terra e morrendo, não fica só, e se multiplica incrivelmente? É isso que queremos e decidimos? Daremos essa boa notícia a toda a humanidade? Será que entendemos o mistério do Natal, dinamismo de proximidade, de pobreza e de concretude de um amor sem limites?

 

Meditação:

·    Observe a teimosa inconformidade de Maria Madalena, suas buscas, suas intuições, mas também sua dependência do passado

·    Esta cena deixa o desfecho em aberto, como que nos convidando a assumir o protagonismo e dar-lhe um final adequado

·    Acreditaremos num fato ocorrido apenas no passado, ou daremos crédito à vida e à proposta de Jesus, fazendo-a nossa?

·    O que o testemunho de João sobre a ressurreição de Jesus significa para as famílias envolvidas nas guerras e doenças, ou enlutadas pelas mortes?

O Natal, ainda...

NASCEU-NOS UM SALVADOR

Pouco a pouco vamos conseguindo. Já conseguimos celebrar algumas festas tocantes sem conhecer exatamente a sua razão de ser. Felicitamo-nos uns aos outros e não sabemos porquê. Anuncia-se o Natal e oculta-se o seu motivo. Muitos não recordam já onde se encontra o coração destas festas. Por que não escutar o primeiro anúncio do Natal? Foi composto pelo evangelista Lucas cerca do ano 80 depois de Cristo.

Segundo o relato é noite cerrada. De repente, uma claridade envolve com o seu resplendor alguns pastores. O evangelista diz que é a glória do Senhor. A imagem é grandiosa: a noite fica iluminada. No entanto, os pastores enchem-se de temor. Não têm medo das trevas, mas da luz. Por isso o anúncio começa com estas palavras: «Não tenhais medo».

Não nos devemos surpreender. Preferimos viver na escuridão. Temos medo da luz de Deus. Não queremos viver na verdade. Quem não ponha, nestes dias, mais luz e verdade na sua vida não celebrará o Natal.

O mensageiro continua: «Trago-vos a Boa Nova, a grande alegria para todo o povo». A alegria do Natal não é apenas uma entre outras. Não deve ser confundido com qualquer bem-estar, satisfação ou prazer. É uma alegria grande, inconfundível, que vem da Boa Nova de Jesus. Por isso é para todo o povo e deve atingir sobretudo aqueles que sofrem e vivem com tristeza.

Se Jesus já não é uma boa nova; se o seu Evangelho não nos diz nada; se não conhecemos a alegria que só pode vir de Deus; se reduzirmos estas festas ao desfrutar do bem-estar de cada um ou ao alimentar uma alegria religiosa egoísta, celebraremos qualquer coisa, menos o Natal.

A única razão para o celebrar é esta: «Nasceu hoje o Salvador». Esse menino não nasceu a Maria e José. Não é seu. É de todos. É «o Salvador» do mundo. O único em que podemos colocar a nossa última esperança. Este mundo que conhecemos não é a verdade definitiva. Jesus Cristo é a esperança de que a injustiça que hoje envolve tudo não prevalecerá para sempre.

Sem esta esperança não há Natal. Despertaremos os nossos melhores sentimentos, desfrutaremos do lar e da amizade, oferecemo-nos momentos de felicidade. Tudo isso é bom. Muito bom. Ainda não é Natal.

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez


segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia (209)

209 | Ano B | Festa de Santo Estêvão, protomártir | Mateus 10,17-22

26/12/2023

A festa litúrgica do martírio do diácono Santo Estêvão, no contexto do Natal, sublinha um aspecto importante do discipulado cristão: o testemunho da fé poderá ser feito, até mesmo, com a entrega da própria vida, a exemplo de Jesus. Este dado serve para prevenir atitudes ingênuas e românticas diante do presépio, das luzes coloridas, dos coros angelicais e das montanhas de presentes.

Aliás, a contemplação realista do Menino Jesus colocado numa manjedoura não deveria dar lugar ao piedosismo. Ele nasce em extrema pobreza, entre os pastores vítimas do desprezo e da hostilidade dos habitantes da cidade, longe de sua cidade de origem e de seus familiares próximos. Tudo fala de despojamento e dureza. E sua caminhada vai se concluir com a morte de cruz.

Os/as discípulos/as de Jesus tem pela frente igual caminho a ser trilhado. Estêvão foi o primeiro a dar mostras de perseverança até o fim. Ao longo dos séculos, até nossos dias, são muitos os/as cristãos/ãs capazes de padecer o martírio por fidelidade a Jesus.

Sem a predisposição de renunciar a si mesmo, o discipulado cristão fica inviabilizado. Os/as medrosos/as e os/as comodistas são inaptos/as para serem discípulos/as de Jesus. Os/as mártires de todos os tempos, sim, são modelos consumados de seguidores/as de Jesus. (Jaldemir Vitório)

O seguimento de Jesus implica missão, relação com a sociedade, sem fuga medrosa e sem aceitação passiva das injustiças e dominações. E a missão não é uma atividade esporádica ou secundária, nem um simples passeio: é profecia e confronto com a dominação, a ambição e o poder estabelecido.

No exercício da missão, especialmente nos momentos de tensão, os/as discípulos devem confiar em Deus, sem sucumbir e sem se acovardar. O Espírito do Pai, que atuou no diácono Estêvão, congrega a família dos/as discípulos, os inspira e sustenta. No Espírito, saberão encontrar estratégias adequadas, e as perseguições são chamados a repensar e ampliar a missão.

 

Meditação:

·      Releia o texto lentamente, sublinhando e detendo-se nas imagens que falam de missão e perseguição

·      Complete esta leitura com o texto de Atos dos Apóstolos, capítulos 6,8-10 e 7,54-59 (1ª leitura de hoje)

·      O que o testemunho e a coragem de Estêvão suscitam em você, no horizonte da encarnação do filho de Deus que recém celebramos?

·      Recorde os mártires cuja memória foi celebrada nos últimos dias: Chico Mendes (23/12/88); João Canuto e filhos (18/12/85); Eloy Ferreira da Silva (15/12/84)... O que você sabe sobre eles?

domingo, 24 de dezembro de 2023

O Evangelho na vida de cada dia - Natal (208)

208 | Ano B | Solenidade do Nascimento de Jesus Cristo | João 1,1-18

25/12/2023

Os conceitos que aparecem no evangelho de João são vários: Palavra, Vida, Graça e Glória. No contexto original, não são palavras abstratas, têm conteúdo claro. Enquanto Palavra, Jesus, o filho de Maria e de José, é a exteriorização da interioridade de Deus, e esse mistério é uma boa notícia que produz felicidade. A Palavra de Deus assume a carne humana como lugar no qual podemos encontrar, tocar e acolher o próprio mistério de Deus.

Jesus, que nasceu em Belém e viveu como carpinteiro em Nazaré, é portador da Vida plena, do “bem viver” que todos os povos buscam sem descanso. Nele, a vida é revelada e doada como comunhão profunda com o mistério de Deus, comunhão solidária com todas os pobres e vítimas, e comunhão graciosa com todas as criaturas, comunhão entre as gerações e povos.

Na pessoa de Jesus de Nazaré, vemos também a Graça de Deus. Nele fica claro que Deus não é um cobrador de dívidas, um policial ou um juiz, mas um irmão e hóspede no qual se mostram de modo inequívoco a gratuidade. A lei e a cobrança vêm das velhas instituições, mas a Graça e a Verdade nós as recebemos por Jesus Cristo. Ele é a gratuidade de Deus em pessoa! 

A palavra Glória significa “peso”, importância, valor interior de uma pessoa, e isso se revela nas suas ações. Por isso, manifestar a glória de Deus significa testemunhar sua ação libertadora, prosseguir sua ação humanizadora, reconhecer sua santidade nos acontecimentos históricos.  As metáforas da luz e da glória são usadas para ilustrar o esplendor e a vitória final de Deus. 

A glória de Deus se manifesta de modo insuperável em Jesus crucificado, na sua fidelidade à humanidade. Na humanidade de Jesus vemos a glória de Deus. Ele não recebe essa glória ou peso por milagre ou presente dos céus, mas a cultiva na compaixão. Os/as discípulos/as de Jesus são glorificados na medida em que participam do dinamismo do seu amor ou paixão pelo mundo. E a glória de Deus é o ser humano vivo e liberto.

 

Meditação:

§  Releia o texto lentamente, sublinhando e detendo-se nas imagens que João utiliza para falar de Jesus, nascido em Belém

§  Procure intuir como aquela cena da estrabaria, em meio a ovelhas e pastores, transparece nessas palavras usadas por João

§  Que palavras mais atuais e próximas de nossa experiência poderíamos buscar para apresentar Jesus às pessoas de hoje?

§  Detenha-se no versículo 14 (“A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós”) e o contemple na cena do presépio

§  Procure entender o que significa: “Por meio de Moisés foi dada a lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo”

sábado, 23 de dezembro de 2023

O Evangelho do Natal (Pagola) - 24.12.2023

UMA NOITE DIFERENTE

O Natal encerra um segredo que, infelizmente, escapa a muitos daqueles que nessa época celebram algo, mas sem saber exatamente o quê. Não podem suspeitar que o Natal oferece a chave para decifrar o mistério final da nossa existência.

Geração após geração, os seres humanos gritaram angustiados as suas perguntas mais profundas. Por que temos que sofrer, se desde o mais íntimo do nosso ser tudo nos chama à felicidade? Por que tanta frustração? Por que a morte, se nascemos para a vida?

Os homens perguntavam. E perguntavam a Deus, porque, de alguma forma, quando procuramos o sentido último do nosso ser estamos a apontar para ele. Mas Deus mantinha um silêncio impenetrável.

No Natal, Deus falou. Já temos a sua resposta. Não nos falou para nos dizer belas palavras sobre o sofrimento. Deus não oferece palavras. «A Palavra de Deus fez-se carne». Ou seja, mais do que nos dar explicações, Deus quis sofrer na nossa própria carne as nossas interrogações, sofrimentos e impotência.

Deus não dá explicações sobre o sofrimento, mas sofre conosco. Não responde ao porquê de tanta dor e humilhação, mas ele próprio se humilha. Não responde com palavras ao mistério da nossa existência, mas nasce para viver ele próprio a nossa aventura humana.

Já não estamos perdidos na nossa imensa solidão. Não estamos submersos em pura escuridão. Ele está conosco. Há uma luz. Já não somos solitários, mas solidários. Deus partilha a nossa existência.

Isto muda tudo. O próprio Deus entrou nas nossas vidas. É possível viver com esperança. Deus partilha a nossa vida, e com ele podemos caminhar em direção à salvação. É por isso que o Natal é sempre para os crentes um apelo para renascer. Um convite para reavivar a alegria, a esperança, a solidariedade, a fraternidade e a total confiança no Pai.

Recordemos as palavras do poeta Angelus Silesius: «Embora Cristo nasça mil vezes em Belém, enquanto ele não nascer no teu coração, estarás perdido para o mais além: terás nascido em vão».

José Antonio Pagola

Tradução de Antonio Manuel Álvarez Perez

O Evangelho na vida de cada dia (206)

206 | Ano B | 4ª Semana do Advento | Domingo | Lucas 1,26-38

24/12/2023

Mais do que uma crônica histórica no estilo contemporâneo, este texto evangélico é uma reflexão pós-pascal sobre a pessoa e o percurso de vida de Jesus Cristo. É mais um relato de cristologia que de história. A menção ao sexto mês da gravidez de Isabel lembra o sexto dia da criação, o dia da criação do homem e da mulher. Agora começa a formação do novo Adão. Por isto, faz-se necessário compreender o que Lucas queria dizer aos seus leitores.

Maria, a moça fiel, representa o contrário do povo infiel de Israel, comparado a uma prostituta. Há em Maria uma ruptura com o antigo Israel (sem a participação de homem, a descendência de Davi é interrompida) e uma novidade (Deus se dirige a uma mulher). Assim, Maria é a imagem do novo povo que se forma na fé e na fidelidade. Maria é a total novidade que vem da periferia, onde Deus realiza seu plano nas pessoas de fé.

Lucas mostra que em Jesus os planos de Deus se realizam. O que aconteceu no Antigo Testamento foi uma preparação. Jesus é a revelação máxima de Deus. Tudo o que veio antes é aperitivo daquilo que se realizará na pessoa de Jesus. Nos relatos da infância de Jesus, visualiza-o início da plenitude dos tempos que se realizam na pessoa de Jesus e superam os tempos antigos.

A saudação do anjo é uma retomada da profecia: “Alegra-te, Maria, eleita, cheia de graça...” Aqui está subjacente a divindade de Jesus, pois, no Antigo Testamento o adjetivo “grande” só se refere a Deus. Jesus é concebido pelo Espírito (‘sombra” ou “nuvem”) de Deus, o mesmo que acompanhou o êxodo como sombra protetora e como nuvem luminosa. Portanto, nele Deus está presente na história.

Jesus veio ao mundo não mais pelas leis humanas (linhagem paterna tão valorizada pelo judaísmo), mas pela fé e por uma mulher. O próprio Jesus afirmará, mais tarde: “Minha mãe, meus irmãos, minhas irmãs, são aqueles que ouvem as minhas palavras”. Nisto Maria é modelo. Sua grandeza consiste em, mais do que ser mãe biológica de Jesus, em ser alguém que ouviu e acolheu a palavra: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra!”

 

Meditação:

§  Releia atentamente este trecho do Evangelho, prestando atenção ao diálogo entre Maria de Nazaré e o mensageiro de Deus

§  Observe o diálogo e o questionamento ativo e maduro de Maria à proposta recebida através do anjo

§  Perceba a atitude de abertura, acolhida e cooperação de Maria de Nazaré com a vontade e a Palavra de Deus

§  Quais são os frutos que seu exercício de escuta e meditação da Palavra de Deus tem produzido em você neste ano de 2023?