quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Nova evangelização


Servir ao Evangelho a partir da encarnação

A palavra de moda – e também a 'palavra de ordem' da hierarquia eclesiástica – agora é nova evangelização.  Infelizmente o conceito corre o risco de ser usado de forma indiscriminada e epistemologicamente irresponsável. Ou não é assim quando as raízes do conceito são simplesmente cortadas, a referência ao Evangelho original é ignorada e as nervuras do seu tronco são dissolvidas numa gíria bem ao gosto dos gestores da instituição?

Já tive oportunidade de expressar meu receio e minhas críticas em reiteradas oportunidades, mas hoje volto à questão. E o faço com o objetivo de chamar a atenção para a relação entre o Evangelho anunciado publicamente por Jesus nos seus três anos de ‘apostolado’ e o Evangelho vivido e testemunhado por ele nos 30 anos de vida encarnada e escondida em Nazaré e na Galiléia. Nesta reflexão, acolho e sigo as provocações de  François Pinot, no artigo ‘Avete detto: evangelizzare?’ (Omnis Terra, anno XXX, n° 133, p. 249-253).

No afã de ‘anunciar o evangelho’ ou de ‘converter os não crentes’ (ou aqueles que crêem diversamente) temos a tentação – e frequentemente caímos nela! – de esquecer que não  é bonito nem prudente se autoconvidar na casa das outros. Respeito e prudência fazem bem também quando se trata de anunciar o Evangelho de Jesus, pois fazer missão e anunciar o Evangelho sempre implica em entrar no espaço, na cultura e na vida dos outros. E então o que precisamos é de uma atitude e de um método que enfatize a atitude de colocar-se ao lado do outro, de aprender pacientemente sua língua; de inserir-se na sua visão da vida humana e do mundo; de assumir suas preocupações, interesses e interrogações; de compartilhar com ele o pão e a festa...

A presunção, tão ao gosto eclesiástico, de ser ‘mãe e mestra’ faz com que a Igreja se apresse em ensinar doutrinas e ditar regras infalivelmente salvíficas sem mesmo conhecer seus interlocutores e, menos ainda, sem interesse de aprender. Mas sem o empenho concreto e paciente na vida cotidiana, a Igreja tem alguma chance de ser escutada? Será que Jesus não tem outro ponto de partida e não faz um percurso diferente? O que significam seus 30 anos de vida em Nazaré, seu trabalho na carpintaria, sua participação na sinagoga local? Será que a própria falta de referências bíblicas à infância, adolescência e juventude de Jesus não é um chamado contundente para que a Igreja e seus agentes evangelizadores procurem o caminho da assimilação do Evangelho na nossa própria história?

O silêncio das escrituras sobre os 30 anos que precederam a plena dedicação de Jesus à sua missão pública não quer colocar esta em questão, mas afirmar de modo contundente que no centro do Evangelho e da nossa fé está um Deus encarnado. Estes longos anos de sua vida simplesmente ordinária são simplesmente a vida e toda a vida da maioria absoluta dos homens e mulheres em todos os tempos. Como anunciar o Evangelho – seja o primeiro ou um novo anúncio – sem acolher este princípio fundamental e sem respeitar este processo?

Creio que uma evanglização nova – que não seja simplesmente uma segunda, saudosa e repetitiva evangelização – passa pela descoberta e pela assimilação do caminho ou do ‘método’ de Jesus: ele começa e permanece longo tempo em Nazaré, compartilhando a vida do seu povo, com suas interrogações, suas atividades ordinárias, suas dores dilacerantes, suas lutas exigentes e suas utopias alentadoras. Para evangelizar de modo cristão, precisamos sair para fora do nosso acampamento ou do nosso templo (cf. Hb 13,13), dos limites que conhecemos e nos dão segurança, mas també podem ser nossa viseira e nossa prisão, e viver a aventura de pedir licença para entrar no mundo ou no acampamento dos outros, pedir que nos ensinem sua linguagem e seu modo de crer e de viver.

Além disso, penso que é muito problemático falar de uma nova evangelização quando ainda estamos tentando balbuciar a ‘primeira evangelização’, aquela que nos coloca em contato com os povos, nações, civilizações e sociedades nas quais o Espírito de Deus já está presente e ativo. Assim como a corajosa abertura do Paulo ao mundo não-judeu possibilitou ao cristianismo nascente a descoberta de aspectos novos e essenciais do Evangelho, precisamos manter hoje este diálogo a fim de enriquecer a vida cristã com os elementos que as diferentes culturas nos oferecem, mesmo que não tenham aprendido ou desejado pronunciar o nome de Jesus.

Temos necessidade de ouvir e meditar o Evangelho integral para que ele nos torne humanos/as. E este Evangelho não é simplesmente algo que possuímos e controlamos, mas um dom que recebemos das gerações que nos antecederam e uma Palavra que os diferentes povos e culturas vivem e nos anunciam hoje através de diferentes linguagens. Portanto, não há evangelização sem escuta, sem acolhida e sem encarnação. Se a Igreja e seus agentes partirem da pretensão de serem ‘mater et magistra’, começam errado e o mundo terá todo direito de refutar seu anúncio.

Itacir brassiani msf

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