sábado, 1 de dezembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (23)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Agrocombustíveis: solução mentirosa e catastrófica.
A degradação climática é um fato de dimensões planetárias. A desertificação e a degradação do solo afetam mais de 1 bilhão de pessoas em 100 países. As regiões de terras secas representam mais de 44% das terras agricultáveis do planeta. Esta degradação é mais grave na África, onde milhões de pessoas dependem diretamente da terra para sobreviver. Nesse continente, 1/3 da população vive em terras áridas ou secas. Atualmente, 500 milhões de hectares de terras cultiváveis africanas estão degradadas.

“Em todo o mundo, os desertos estão avançando. Na China e na Mongólia, às margens do deserto de Gobi, a cada ano novas áreas de pastagens e de agricultura de sobrevivência são engolidas pelas montanhas de areia que avançam terra adentro. Em cetas regiões do Sahel, o deserto do Sahara avança 5 km por ano” (p. 253).

“A destruição dos ecossistemas e a degradação de vastas áreas agrícolas no mundo inteiro, mas sobretudo na África,  representam uma tragédia para os pequenos agricultores e criadores. A ONU estima que no continente negro existam em torno de 25 milhões de ‘refugiados ecológicos’ ou ‘migrantes ambientais’, ou seja: seres humanos obrigados a abandonar seus lares por causa de catástrofes naturais (inundações, desertificação) e que acabam tendo que se bater pela sobrevivência nas periferias das grandes metrópoles” (p. 254).

Os trustes agroalimentares que dominam a fabricação e o comércio dos biocombustíveis apresentam um argumento aparentemente irrefutável: a substituição da energia de origem fóssil por sua irmã de origem vegetal seria uma arma invencível contra a rápida degradação do clima e os danos irreversíveis que ele provoca sobre o meio ambiente e os seres humanos. Eles conseguiram vender essa idéia à maioria da opinião pública mundial e à quase totalidade dos Estados ocidentais.

Existem dois tipos principais de biocombustíveis: a linha do bioetanol (ou alcool) e a linha do biodiesel. O ‘bio’ que entra na composição desses neologismos indica que tais combustíveis são produzidos a partir de matéria orgânica (ou biomassa). Mas isso não tem nada a ver com o ‘bio’ daquelo que conhecemos como agricultura biológica...

Nos últimos anos, os biocombustíveis, propagandeados como ‘ouro verde’, vêm se impondo  como um complemento mágico e rentável ao ‘ouro negro’. Entre os anos 2006 e 2011 a produção mundial de agrocombustíveis simplesmente duplicou. Em 2011 foram produzidos mais de 100 bilhões de litros de bioetanol e de biodiesel. Para tornar possível esta produção foram usados 100 milhões de hectares de de terra.

Os argumentos das empresas de agrocombustíveis são, para dizer o mínimo, mentirosos. A produção de agrocombustíveis tem um alto custo ambiental, pois necessita de muita terra, água e energia. São necessários 4.000 litros de água para fabricar 1 litro de bioetanol. “Do ponto de vista da reserva de água do planeta, a produção anual de bilhões de litros de agrocombustíveis constitui uma verdadeira catástrofe” (p. 256).

A própria OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos), que está a serviço dos países industrializados e ricos, reconhece que, devido à grande quantidade de energia consumida no processo, a produção de agrocombustíveis não diminui mas aumenta a emissão de dióxido de carbono. E Brabeck, que nada tem a ver com esquerdismo alarmista e é presidente da Nestlé, o maior truste alimentar do planeta, afirma: “Com os biocombustíveis nós estaremos empurrando para a extrema pobreza centenas de milhões de seres humanos.” (p. 251-256)


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