sábado, 22 de dezembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (32)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

Socorrer os pobres ou combater a miséria?
A terra tem 510 milhões de km2 (361 milhões de água e 149 milhões de terra firme), e terra acolhe 7 bilhões de seres humanos na sua superfície. Mas está muito mal repartida entre eles. Victor Hugo escreveu: “Vocês querem socorrer os pobres, mas qu quero abolir a miséria”.

Um bebê chora quando a mãe esquece de amamentá-lo. Este é seu único meio de expressar sua necessidade. Ele grita ainda mais conforme passam as horas passam. Mas quando a forme se torna crônica, o bebê perde as forças e as faculdades mentais, e não consegue mais manifestar suas necessidades.

Hoje em dia, a metade das crianças que nascem na Índia sofrem de subalimentação grave e permanente. Para elas, cada momento de espera é um martírio. Milhões delas morrerão antes de alcançar 10 anos de idade. As demais continuarão a sofrer em silêncio, a vegetar, a esperar o sono para atenuar o sofrimento que devora suas entranhas.

Passou tempo no qual as necessidades não satisfeitas dos seres humanos eram causadas pela insuficiente quantidade de bens. O planeta está absolutamente repleto de riquezas. Por trás da miséria não existe nenhuma fatalidade. Se 1 bilhão de pessoas padecem a fome não é porque a produção de alimentos é insuficiente, mas porque alguns poucos acumulam estes bens, especialmente as terras. Gandhi disse: “O mundo tem recursos suficientes para satisfazer as necessidades de todos, mas insuficientes para satisfazer a ambição de todos.”

Em 2001, eram 497 os milionários acumulavam um patrimônio de 1,5 bilhões de dólares. Em 2010, o número desses milionários passou a 1.210, e seu patrimônio chegava a 4,5 bilhões de dólares. O patrimônio acumulado desses privilegiados ultrapassa o PIB da Alemanha.

Algumas empresas multinacionais controlam o mercado de agroalimentos. Na prática, elas decidem cada dia quem deve morrer e quem pode sobreviver. Estas empresas dominam a produção e o comércio de insumos que os camponeses e criadores precisam adquirir (sementes, produtos fitosanitários, pesticidas, fungicidas, fertilizantes, sais minerais, etc.). Seus traders são os principais operadores no commodity stock exchanges do mundo. São eles que fixam os preços dos alimentos. Também a água está, em grande parte, sob o controle destas companhias. E recentemente elas adquiriram dezenas de milhões de terras aráveis nos países do hemisfério Sul.

Em setembro de 2000 a ONU fez inventário das principais tragédias que ameaçavam a humanidade no início do novo milênio: a fome e a extrema pobreza; a mortalidade infantil; a discriminação das mulheres; a AIDS; as epidemias... E procurou também fixar os objetivos de luta contra essas tragédias. Os chefes de Estado e de Governo dos 146 países presentes calcularam que, para esconjurar essas tragédias, a fome em primeiro lugar, seria necessário mobilizar, durante 15 anos, um montante anual de 80 bilhões de dólares. Para reunir esse montante, bastaria um imposto anual de 2% sobre o patrimônio dos 1.210 milionários que existiam em 2010... (p. 333-338)

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