quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ano A - Tempo de Natal - Festa da Sagrada Familia

A Sagrada Família assume as esperanças populares
Bronze na porta da Bsilica da Anunciaço, em Nazaré
Ainda imbuídos do espírito natalino, hoje somos convidados a contemplar o quadro de uma família que caminha em meio às contigências da história, guiada pela fecunda obscuridade da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos refugiados e, voltando do exílio, segue o rumo da marginalidade, tomando distância de Jerusalém para viver em Nazaré. Praticamente ninguém percebe nada de especial. O essencial permanece oculto ao olhar privado da luz da fé. José se deixa guiar pelos sonhos, mediante os quais Deus lhe fala e suscita iniciativas corajosas e lúcidas.
Depois de uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José leva Jesus e Maria a Nazaré, na Galiléia, e ali estabelece sua morada. A população da Galiléia era mestiça, tanto do ponto de vista étnico como religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). A Galiléia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco representava para os judeus. É possível que lá tenha instalado residência um ramo marginal da descendência de Davi.
Para a Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar e fazer suas as esperanças cultivadaz pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is 11,1-9). Significou também não se afastar das raízes populares e do vínculo com os pobres, assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe, e privilegiar a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O protagonista e o dono da Palavra é unicamente Deus. É Ele que fala e conduz todas decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família como um patriarca que manda e espera ser obedecido: é ele quem obedece e, atento aos acontecimentos históricos, serve e protege fielmente a esposa e o filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé e, assim, é amigo de Deus.
A cena descrita por Mateus nos ajuda a não pensar na Sagrada Família de Nazaré com ingenuidade ou romantismo. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela humanidade e da resposta absolutamente generosa a este dom, a família de Nazaré inspira as famílias a serem espaço de enraizamento nas utopias do nosso povo e de crescimento humano e espiritual;  a formar  comunidades afetivas que tecem seus vinculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a vontade de Deus nos complexos sinais dos tempos.
A carta de Paulo aos Colossenses nos ajuda a fazer esta ligação de continuidade entre a família e a comunidade, quando pede: “Como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência... Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição... A palavra de Cristo permaneça entre vós em toda sua riqueza, de sorte que com toda a sabedoria, vos possais instruir e exortar mutuamente...”
Uma leitura atenta às recomendações de Paulo nos livra da tentação de uma leitura patriarcal e machista. Ao esposos, Paulo pede amor delicado e submissão recíproca, inspirado no amor de Jesus pela Igreja. Se pede, como é normal na maioria das culturas, que os filhos obedeçam aos pais, também pede a estes que não façam nada que possa irritar ou desanimar os filhos. Famílias que buscam inspiração na Família de Nazaré e em Jesus encontram uma regra de vida absolutamente fundamental: o amor, que é a afirmação da dignidade do outro e o serviço às suas necessidades.
Jesus Salvador, filho de Maria e de José, irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra e nos ensinaste que a família morre se não rompe os estreitos limites do sangue e dos papéis estabelecidos. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu mesmo percorreste: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade recíprocas; na atenção à inusitada e viva Palavra de Deus; na abertura às dores e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar as barreiras, até que todos/as sejam uma só família. Assim seja! Amém!


Pe. Itacir Brassiani msf

(Eclesiástico 3,3-7.14-17 * Salmo 127 (128) * Carta aos Colossenses 3,12-21 * Mateus 2,13-15.19-23)

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