A
Sagrada Família assume as esperanças populares
Bronze na porta da Bsilica da Anunciaço, em Nazaré |
Ainda
imbuídos do espírito natalino, hoje somos convidados a contemplar o quadro de
uma família que caminha em meio às contigências da história, guiada pela
fecunda obscuridade da fé. A família de Nazaré percorre o duro caminho dos
refugiados e, voltando do exílio, segue o rumo da marginalidade, tomando
distância de Jerusalém para viver em Nazaré. Praticamente ninguém percebe nada
de especial. O essencial permanece oculto ao olhar privado da luz da fé. José
se deixa guiar pelos sonhos, mediante os quais Deus lhe fala e suscita
iniciativas corajosas e lúcidas.
Depois de
uma estadia que podemos imaginar difícil no Egito, obediente à voz do anjo, José
leva Jesus e Maria a Nazaré, na Galiléia, e ali estabelece sua morada. A
população da Galiléia era mestiça, tanto do ponto de vista étnico como
religioso, e a região era considerada uma terra de gentios (cf. Is 8,23). A
Galiléia nunca chegou a ser uma região verdadeiramente israelita, pelo menos do
ponto de vista religioso. E Nazaré era um pequeno povoado que pouco
representava para os judeus. É possível que lá tenha instalado residência um
ramo marginal da descendência de Davi.
Para a
Sagrada Família, morar em Nazaré significou assimilar e fazer suas as esperanças
cultivadaz pelo “resto de Israel”, pelo “broto das raízes de Jessé” (cf. Is
11,1-9). Significou também não se afastar das raízes populares e do vínculo com
os pobres, assumir resolutamente o caminho que leva à periferia, àqueles que estão longe, e privilegiar
a encarnação da esperança nos retalhos que compõem a vida cotidiana, dimensão
que tece a vida normal de todas as pessoas. Eis aqui uma perspectiva que os discípulos
missionários jamais devem abandonar!
Nas cenas
descritas pelo evangelista, José e Maria não dizem uma única palavra. O
protagonista e o dono da Palavra é unicamente Deus. É Ele que fala e conduz todas
decisões e ações. O próprio José, mesmo tomando iniciativas lúcidas que
respondem ao apelo que Deus lhe faz mediante os sonhos, não governa sua família
como um patriarca que manda e espera ser obedecido: é ele quem obedece e,
atento aos acontecimentos históricos, serve e protege fielmente a esposa e o
filho, sacrificando a isso honras e comodidades. Como Abraão, ele vive pela fé
e, assim, é amigo de Deus.
A cena
descrita por Mateus nos ajuda a não pensar na Sagrada Família de Nazaré com
ingenuidade ou romantismo. Como expressão da eterna compaixão de Deus pela
humanidade e da resposta absolutamente generosa a este dom, a família de Nazaré
inspira as famílias a serem espaço de enraizamento nas utopias do nosso povo e
de crescimento humano e espiritual; a
formar comunidades afetivas que tecem
seus vinculos num amor inclusivo e aberto; a caminhar discernindo Palavra e a
vontade de Deus nos complexos sinais dos tempos.
A carta
de Paulo aos Colossenses nos ajuda a fazer esta ligação de continuidade entre a
família e a comunidade, quando pede: “Como eleitos de Deus, santos e queridos,
revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura,
paciência... Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da
perfeição... A palavra de Cristo permaneça entre vós em toda sua riqueza, de
sorte que com toda a sabedoria, vos possais instruir e exortar mutuamente...”
Uma
leitura atenta às recomendações de Paulo nos livra da tentação de uma leitura
patriarcal e machista. Ao esposos, Paulo pede amor delicado e submissão
recíproca, inspirado no amor de Jesus pela Igreja. Se pede, como é normal na
maioria das culturas, que os filhos obedeçam aos pais, também pede a estes que
não façam nada que possa irritar ou desanimar os filhos. Famílias que buscam
inspiração na Família de Nazaré e em Jesus encontram uma regra de vida
absolutamente fundamental: o amor, que é a afirmação da dignidade do outro e o
serviço às suas necessidades.
Jesus Salvador, filho de Maria e de José,
irmão querido! Viveste a aventura e os desafios que a vida familiar encerra e
nos ensinaste que a família morre se não rompe os estreitos limites do sangue e
dos papéis estabelecidos. Guia nossas famílias e comunidades no caminho que tu
mesmo percorreste: no amor terno e comunicativo; na dedicação e fidelidade
recíprocas; na atenção à inusitada e viva Palavra de Deus; na abertura às dores
e aos sonhos da humanidade; no empenho lúcido e generoso na tarefa de derrubar
as barreiras, até que todos/as sejam uma só família. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
(Eclesiástico
3,3-7.14-17 * Salmo 127 (128) * Carta aos Colossenses 3,12-21 * Mateus 2,13-15.19-23)
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